Capítulo 4

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O dia seguinte chegou tão escuro quanto uma noite interminável, a névoa cobria tudo e o céu estava negro, um mau augúrio. Os sinos da igreja tocaram, não para avisar a hora mas para convocar todos. Pouco tempo depois, o local estava cheio, a vila toda estava lá. Alguns em pé, outros sentados nos frios bancos de madeira, cochichavam nervosos, esperando para saber o motivo da reunião. Todos pressentiam a razão, mas mesmo assim quando três homens subiram no altar, o silêncio preencheu cada espaço vazio da capela.

Os senhores se sentaram nas cadeiras posicionadas no centro do altar e o padre local, Lorenzo veio atrás, de cabeça baixa, o que deixava a mostra sua recém adquirida calvície, e com seus olhos atentos como um rato, tentando encontrar um lugar em que não ficasse na frente dos três homens que eram claramente mais importantes que ele próprio. Quando finalmente conseguiu, disse:

-Homens e mulheres de Monticiano, este é um grande dia para este lugar. Temos a honra de receber o Santo Ofício em nossa vila e eles vieram nos livrar de todo o mal que possa haver entre nós.

Allegra revirou os olhos e suspirou, entediada.

- Estes são os inquisidores Heinrich, Willhelm e Klaus, bispos vindos do Sacro Império Germânico.

Heinrich era um senhor gordo, tinha as bochechas rosadas pelo frio. Seus cabelos brancos eram rentes à cabeça e parecia que ele estava prestes a ser estrangulado pelo colarinho de sua bata, que mal lhe cabia. 

Willhelm era ainda mais velho que Heinrich. Já não conseguia manter suas costas eretas, assim, mesmo ao se sentar, permanecia curvado. Mas isso não o impedia de escrutinar todos na igreja com um olhar maldoso. Sua pele enrugada e os poucos dentes que lhe restavam faziam dele uma figura realmente assustadora.

No centro destes, estava Klaus, o homem com o qual Allegra havia conversado na noite anterior. Seu rosto era impassível, ninguém conseguiria saber o que ele estava pensando. Sua postura era imponente e mostrava claramente sua posição superior em relação aos outros clérigos. Seus olhos azuis, lábios finos e nariz adunco, faziam-no parecer uma águia. Ele lentamente se levantou e disse:

- Nós Do Santo Ofício, nos empenhamos com toda nossa força e com todo nosso coração, em preservar o povo cristão à nós confiado na unidade e na felicidade da fé Catòlica e em mantê-lo afastado da peste da heresia execrável. Viemos por intermédio deste aviso, para a glória e honra do venerável nome de Jesus, para a exaltação da Santa Fé Ortodoxa e para a eliminação da abominação de heresias, especialmente professada por bruxas. Em virtude da santa obediência e sob pena de excomunhão, viemos advertir, requerer e ordenar o prazo de doze dias para que se alguém souber, tiver visto ou ouvido a respeito de pessoas que possam ser consideradas hereges, ou de pessoas de que se suspeite terem causado males aos homens, ao gado ou aos frutos da terra, que nos venha revelar o caso. E aquele que não obedecer à esta ordem e a este aviso fique sabendo que será banido pela espada da excomunhão. Aquele que esconde, que não denuncia um herege também será considerado herege e sofrerá as consequências da mesma maneira. Os senhores Heinrich e Willhelm estarão aqui para recolher testemunhos de qualquer ato contra a fé católica e os bons cristãos. Em seguida avaliarei as acusações, caso haja alguma, e haverá julgamento justo dos suspeitos. Peço que aqueles que são inocentes não nos temam, mas que temam seus vizinhos e mesmo familiares, pois nunca se sabe quem pode estar compactuando com o demônio ou fazendo mal contra você.

Quando o inquisidor Klaus terminou seu aviso, o silêncio era ensurdecedor. Todos estavam amedrontados demais para fazer qualquer comentário ou movimento que pudesse emitir som. O padre Lorenzo retomou o posto no centro do altar e iniciou a missa, como se aquele dia fosse como outro qualquer.

*                                                        *                                                                   *

Nos dias que se passaram a tensão no ar podia ser sentida como um tapa. Antes uma vila de pessoas felizes e sorridentes, agora parecia abandonada pois ninguém ousava sair de casa, com medo de que qualquer ato pudesse ser digno de acusação.

Da casa de Allegra podía-se ver a entrada da igreja. E assim todos os seus familiares passavam boa parte do dia na janela para ver se alguém adentraria o local santo. Mas ninguém aparecia, nunca. Allegra se perguntava se ninguém havia sido acusado ainda. Tinha medo pois as palavras do inquisidor deixaram todos receosos com a possibilidade de haver alguém mal, semeando a discórdia na vila. Tinha medo pois sabia que não havia ninguém assim naquele lugar. Havia pequenos desentendimentos é claro, mas ninguém capaz de praticar malefícios contra outrem.

O que a deixou mais apreensiva foi a ideia de inocentes sendo acusados injustamente, por pessoas que pensam que se não colaborarem com a igreja, serão elas mesmas, alvos de investigação.

Batidas fortes na porta de seu quarto interromperam os pensamentos de Allegra. Eram batidas desesperadas e urgentes. Isso que com que seu coração ficasse subitamente apertado. Quando abriu a porta não havia ninguém no corredor, mas havia vozes na porta de entrada da casa e Allegra rapidamente desceu as escadas, curiosa para saber quem estava lá.

Ao descer os últimos degraus da escada, avistou o inquisidor Willhelm acompanhados por dois homens enormes, altos e fortes. Seu pai abriu espaço para que eles entrassem e quando todos sentaram-se à mesa, o bispo disse:

- Aqui reside uma senhora chamada Francesca certo?

- Sim senhor bispo, ela é nossa serva. Perdoe-me mas porque a pergunta? - disse o pai de Allegra, com dúvida e medo na voz.

- Há um testemunho contra ela, segundo o qual, Francesca vende poções para amor e cura. Eu preciso levá-la para que o inquisidor chefe, Klaus,

possa interrogá-la e verificar se a acusação é verdadeira ou não. - respondeu Willhelm.

- Deus, eu não sabia disso! Claro, vou trazê-la aqui para que te acompanhe.

Allegra, que assistia tudo escondida, chorando se virou para encontrar Francesca e avisá-la que precisava fugir. Mas antes que desse um passo, levantou os olhos e viu que Francesca já estava lá , com expressão preocupada e triste, mas firme. Segurou a mão se Allegra e disse:

- Não chore pequenina, eu não fiz nada de errado. e Deus sempre é misericordioso com os inocentes.

Beijou a testa da jovem e entrou na sala onde estava o bispo.

- Aqui estou. Podem me levar, não tenho nada a temer.  





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