Capítulo 9

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O corpo da bruxa agora pendia sem vida, preso pelas cordas que a amarravam ao tronco. O silêncio na praça era denso como neblina e todos estavam petrificados pelo horror da cena presenciada. Lentamente, após algumas pessoas saírem do estado de transe, começaram os sussurros entre a multidão:

" Então ela realmente era uma bruxa! Não posso acreditar! Ela nos enganou todo esse tempo!"

" Você ouviu a maldição que ela lançou no inquisidor? Eu não queria estar no lugar dele esta noite... "

"Será que ela voltará para nos assombrar?"

"Mas... agora que ela já está morta... vão queimá-la mesmo assim ou vão simplesmente tirá-la dali e jogá-la em qualquer buraco?"

Os sussurros se transformaram em gritos e inquietação. O crescente despertar do povo tirou Klaus de seu estado entorpecido, e para reestabelecer a ordem, gritou:

- Silêncio! Se eu ouvir mais uma especulação absurda, punirei o responsável com toda severidade necessária!

Assim que a quietude se refez, o inquisidor Willhelm, que estava forçando seus olhos na direção de Francesca há algum tempo, se aproximou de Klaus e sussurrou algo em seu ouvido enquanto apontava para o corpo da bruxa.

O inquisidor-mor assentiu e solicitou que um dos guardas se aproximasse do palanque. Falou ao pé do ouvido deste, também apontando para a mulher. O serviçal rapidamente afastou a multidão de seu caminho, andou decididamente na direção indicada e ao se aproximar do corpo frio e sem vida, abriu a boca de Francesca, tentando disfarçar sua expressão de repulsa e medo. De dentro da boca puxou algo verde mastigado, algo que deixou todos os presentes em suspense esperando para descobrir o que era aquilo.

Se virou e afastando-se da bruxa, andou na direção dos bispos que olhavam com curiosidade para o conteúdo em suas mãos.

- M... mas o que é isso? - perguntou o rechonchudo Heinrich, abismado.

- Ora, isto é bruxaria, bispo. Depois de tantos anos ainda não aprendeu a identificar um feitiço? Você realmente não tem vocação nenhuma para ser inquisidor. Por que não vai ser ferreiro ou algo do tipo? Exigiria menos esforço mental da sua parte. - respondeu Willhelm, acidamente.

- Você fala como se fosse um homem tocado pelo espírito santo. Mas se bem me lembro, ouvi bem quando a esposa do duque de Gênova o acusou de ser o pior amante do mundo. Me pus a imaginar... se ela o julga assim, como será que julga o marido. - disse Heinrich com escárnio enquanto o rosto de Willhelm se avermelhava de raiva.

- Ora seu...

- Senhores, já chega. Se vocês tivessem um interesse mínimo em extinguir as bruxas do mundo cristão, buscariam conhecer seus métodos. Isso não pode ser considerado um feitiço mas sim o uso eficaz de um conhecimento de ervas letais à vida. Essa massa verde é uma planta chamada Belladonna, que se ingerida na quantidade certa, ou errada, pode matar uma pessoa. Agora, resta sber como a bruxa conseguiu isso. Ela não poderia ter escondido nada sob aqueles trapos que vestia e mesmo que pudesse , suas mãos estavam atadas. Alguém a ajudou e que Deus nos proteja, pois se não foi o próprio anjo caído, foi alguém que está aqui. Uma bruxa... Entre nós. - disse Klaus com temor e determinação em seus olhos.

Ao final da frase, um dos guardas se aproximou e cochichou algo em seu ouvido por longo tempo. A cada segundo o bispo arregalava mais seus olhos e sua boca aberta pela surpresa logo mostrou um sorriso de malícia e deleite.

Aquele era o sorriso de alguém que acaba de ter seu desejo atendido. A expressão de satisfação deu lugar à face de um homem implacável.
Quando o guarda se afastou Klaus se virou imediatamente para a multidão, excrutinando,
examinando.
O inquisidor estava caçando.

Após alguns instantes percebeu que não encontraria sua presa naquele momento então convocou os guardas e disse:

- Você vá para lá e ao meu sinal, derrube a tocha. Você, chame os outros e vá para a entrada das ruas que oferecem saída da praça. Quero que tragam à mim
todas as mulheres que se parecem com esta. - falou apontando para uma jovem que estava próxima à fogueira.

Finalmente se voltando para a multidão, exclamou:

- Povo de Monticiano, como todos puderam testemunhar, a acusada comprovadamente compactuava com o demônio, que a beneficou uma última vez e a levou antes que o fogo tocasse sua pele. No entanto, isso não torna dispensável que ela pague por seus pecados! Viva ou não, ela será queimada na fogueira! - vociferou Klaus enquanto apontava para o corpo de Francesca. E quando abaixou seu braço veementemente, o guarda de túnica preta soltou uma tocha em chamas na palha que envolvia
a mulher condenada.

Allegra observava escondida entre as pessoas que chegaram por último na praça e portanto estavam mais distantes do palanque e da grande fogueira.

Mesmo ao longe, ver sua amiga, a mulher que a criou, sendo queimada foi devastador. Um pedaço de sua alma se partiu ao ver a silhueta de Francesca envolta em fogo.

Não conseguiu controlar as lágrimas que brotavam de seus olhos, o nó em sua garganta era a única coisa que a impedia de gritar para que cessassem aquela selvageria.

Apesar de sentir toda dor e ódio contra aqueles homens injustos, ela não conseguia falar nada pois o único som que emitia era o soluço, tão frágil e forte quanto
de uma criança.

E foi então que o cheiro de carne queimada alcançou suas narinas e o aroma putrefato fez seu estômago revirar. Allegra olhou para todos os lados desesperadamente, não podia passar mal ali, justamente naquele momento. Correu para fora da multidão em direção à sua casa mas vomitou antes que pudesse alcançar a porta. Cambaleante, choramingando e suja entrou em seu lar poucos segundos antes de um dos guardas chegar na rua que levava à saída da praça.
A rua da casa de Allegra.

***

Horas se passaram e Allegra não fazia outra coisa que não fosse abraçar o travesseiro e chorar. Sua amiga, sua segunda mãe, uma das pessoas mais gentis e bondosas que conhecia fora condenada injustamente por homens vis. Quantas mulheres mais haviam sofrido a mesma injustiça?Quantas morreram em para purificar a terra de um mal inexistente? Por que as mulheres são tão perigosas aos olhos da Igreja? Allegra se perguntava entre soluços.

Com a chegada do crepúsculo seus olhos começavam a pesar e ela se entregava lentamente ao sono dos justos.

Quando repentinamente, uma estrondosa e urgente batida na porta da entrada ecoou na casa da família Bellini.

Allegra despertou assustada e caminhou sorrateiramente até a porta de seu quarto, para tentar descobrir quem batia na porta, sem ser vista. Tinha um mau pressentimento.

- B- boa noite senhor inquisidor bispo Klaus. Em que posso ajudá-lo?

- Eu preciso fazer algumas perguntas à senhorita Allegra Bellini.







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