A Fogueira Da Bruxa

Capítulo 8

Allegra não conseguiu pregar o olho durante a noite que sucedeu o anúncio do catastrófico destino de Francesca. Nervosa, perambulou de um lado para o outro no escuro de seu quarto, esperando por um brecha que a permitiria entregar a erva para sua amiga na prisão da igreja. No entanto este momento nunca chegou e ao nascer do sol ela se sentou em sua cama e se pôs a chorar. Soluçava como uma criança enquanto pensava:

"Francesca vai morrer e não pude ajudá-la, eu sou uma amiga imprestável... Ela me pediu um favor tão simples e eu não consegui fazer o mínimo para salvá-la... Agora ela vai morrer e a culpa é minha!"

Allegra escondia o rosto com as mãos e assim não notou o momento em que os guardas da Inquisição trouxeram uma grande tora de madeira, muitos gravetos, palhas e uma grossa corda para o centro da praça em frente à igreja. Eles estavam preparando o local para a expurgação da bruxa. Aos poucos se tornava claro para os raros transeuntes o objetivo de cada item trazido. Alguém seria queimado na fogueira naquele dia.A primeira herege a ser condenada na vila de Monticiano pela Santa Inquisição serviria como uma ameaça e amostra do que aconteceria com qualquer um que fosse de encontro aos preceitos da cristandade. Os aldeões olhavam assustados e se perguntavam quem era, afinal de contas, a bruxa, pois desde que os inquisidores começaram a fazer perguntas de casa em casa, ao menos dez pessoas haviam sido levadas para a propriedade da igreja para interrogatórios mais... detalhados. Ninguém tinha notícias de seus parentes e amigos e estavam profundamente apreensivos. 

*                      *                     *

O céu cinza anunciava o dia triste que viria e combinava com os ânimos da população quando ouviu os sinos da igreja badalarem convocando todos para verem o tenebroso espetáculo que tomaria como palco aquela pacata vila.

Na casa de Allegra todos estavam reunidos na sala de estar tentando se manter fortes naquele momento de desalento. 

- É simplesmente impossível acreditar que isso tenha chegado a tal ponto. Francesca é uma pessoa de bom coração, eu tenho certeza disso! - Exclamou o pai de Allegra.

- Eu também tenho mas talvez haja algo que os inquisidores sabem e nós não. A Igreja não sai por aí simplesmente matando pessoas inocentes. - respondeu a mãe.

-  Talvez sim, talvez não. Nós nunca saberemos o que houve dentro daquelas paredes mamãe, mas eu tenho certeza que Francesca não fez nada para merecer isso. Não há mesmo nada que possamos fazer para ajudá-la? - perguntou Allegra preocupada.

- Infelizmente não, minha filha. Nós somos bons católicos subservientes  ao papa e seus bispos e se os questionarmos podemos ser vistos com maus olhos. - respondeu Enzo, o pai, com a voz frustrada.

- O melhor que podemos fazer é permanecer em nossa casa, imersos em oração para que a alma de Francesca possa ser salva e bem recebida no reino dos céus. - disse a mãe, Donatella.

- O que? Você vai ficar em casa mamãe? Não quer vê-la uma última vez? - questionou Allegra sem acreditar em seus ouvidos.

- Não. Prefiro lembrar-me dela enquanto era feliz. Além disso seu pai está correto. Se não quisermos atrair atenção, é melhor ficar aqui. - respondeu a mãe, resoluta.

- E ... e você papai? Tenho certeza que ela ficaria mais forte se visse que nós estávamos lá em seus últimos momentos.

- Concordo mas infelizmente estes são tempos difíceis e eu não quero ser condenado ou questionado por demonstrar preocupação com uma bruxa. - respondeu Enzo, hesitando em usar a última  palavra .

- Eu não posso acreditar nisso! - disse Allegra revoltada, deixando a sala e indo para seu quarto.