SEGUNDOS

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PRÓLOGO


Entrei no banheiro feminino depois de conseguir fugir da cerimonialista. Céus, se eu deixasse, era capaz da mulher querer me ajudar a descer até a calcinha.

Ergui as vinte camadas do vestido e me sobressaltei com uma voz rouca saindo de um dos lavabos.

- Você é muito gostosa. Isso. Morde. Morde que eu gosto.

Diz um homem dizer. O voz parecia vir do lavabo de frente ao meu. Pelo visto, estavam aproveitando mesmo a festa.
- Isso gostosa. Assim!
O homem gemeu alto. Em seguida, ouvi um forte barulho de sucção.
Terminei o xixi e após organizar minhas vinte camadas de vestido fui lavar as mãos na pia. Era melhor sair dali antes que a coisa esquentasse mais entre os dois.
Escutei uma batida na porta, como se tivessem esbarrado nela e a voz rouca soou um pouco ríspida.

- Presta atenção. Pode ter gente no banheiro.

- Preciso de espaço, relaxa. Vou abrir um pouco a porta só pra te dar mais prazer.

Ao olhar para frente, vi um par de sapatos femininos e comecei a andar na ponta dos pés para que não me ouvissem.

A porta do lavabo abriu e o homem gemeu ainda mais alto. Apertei o passo para sair dali, um banheiro nunca me pareceu tão grande.
Quando me aproximei da saída, cometi o erro de fitar meu reflexo no grande espelho oval ao lado da porta.

Os pés travaram no chão.
Meu coração falhou naquele instante. Murchou. Secou. Empedrou.
O homem que gemia abriu os olhos. Como se os meus o atraíssem.
Fiquei ali o encarando. O corpo cronometrando os segundos que transformavam a minha vida em uma mentira.

Não creio no que vejo.
Em quem vejo.
Ele.
Com outra mulher.
A blusa social aberta. A calça arreada até o joelho, com uma cabeça loira na altura do seu quadril e ajoelhada, cobrindo a sua nudez.
Ele puxou o cabelo loiro para trás. Um gesto para que interrompesse o vai e bem da cabeça. Nesse momento, minha voz pareceu lembrar que existia:

- Eu...não... Não. Não acredito! Por que Estevan?

Levei a mão ao peito. A sensação que tive, foi de ter levado um chute no estômago, no rosto, no tórax.

Lhe dei as costas e me precipitei para correr. Eu não esperaria resposta.
- Carmen, espera!
- Nunca mais olhe pra mim. Não diga meu nome. Não me procure. Acabou, Estevan. Acabou, antes mesmo de começar.

Falei de costas enquanto puxava a maçaneta. Ao abrir, o desespero se multiplicou ao ponto de fazer minha cabeça girar. Dei de cara com a equipe da filmagem.
Lentes enormes, flashes e um holofote de interrogatório. Todos gravando a minha vergonha.

- Saiam! Me deixam passar!

Corri desesperada, desvairada como uma louca. Não falei com ninguém no caminho.
Amigos, parentes.
Todos me perguntavam o que havia acontecido. Só escutei os gritos do meu nome pelo salão:

- Carmen.

- Querida!

- Aonde está indo?
Eu os via em um borrão. Desfocados.

Ergui a barra do vestido que se arrastava no chão. O volume atrapalhava minha corrida. Os saltos me faziam tropeçar.

O salão inteiro arregalou os olhos para mim quando escorreguei pela pista de dança.
Mas ignorei.
Diminui um pouco a velocidade somente para arrancar as sandálias de cetim e continuei a correr.

Ouvia os passos apressados de Estevan se aproximando.
- Não faz isso, Carmen. Me deixa explicar!
Acelerei a corrida.

Pela visão periférica, vi meus pais se levantarem da mesa. Cheia de gente.

Tias, primos, amigos.


Olhei muito rápido, mas me pareceram assustados.
- Filha, o que aconteceu? – Me pareceu ser a voz de meu pai.

Ai meu Deus. Como eu poderia encarar as pessoas depois disso?
Como eu falaria com alguém sobre essa vergonha?

Cheguei à saída do salão e mais alguém me chamava. Não olhei. Sequer reparei quem era.

Eu tinha que ir embora. Me esconder. Me enterrar em algum buraco.
Não queria falar com ninguém, ouvir nada. Falar nada.
Precisava desaparecer.

A corrida ganhou mais velocidade. Voei pelas escadas.
Podia ter quebrado o pescoço mas me mantive firme.
Cruzei o lobby do hotel e a porta giratória. Corri mais.
Faltava pouco até alcançar a rua.

Finalmente meus pés descalços sentiram o asfalto molhado. A chuva começava a cair.
Parei após andar alguns metros pela estrada. Respirei.

Aspirei o aroma de terra molhada. Invejei as folhas secas caídas no chão cinza. Ninguém sabia delas ali. Elas seriam apenas folhas. Serviriam seu propósito, até deixarem de ser.
E eu? O que eu sou agora além dessa dor? Dessa vergonha?
Livre?
Como, se é a suposta liberdade que cria jaulas ao meu redor?

Meus olhos ardiam. A garganta parecia rasgada.
Havia uma angústia terrível em meu peito. Uma dor inexplicável.
As lágrimas desceram em meu rosto. Queimaram minhas pálpebras. Se misturaram às gotas grossas de chuva que caíam. Geladas.
O frio não me aliviou em nada. O contraste das gotas com minha pele quente, fizeram meus poros se arrepiarem de forma dolorosa.
Cocei os olhos. As luvas de seda branca ficaram negras pelo rímel.
Retomei o fôlego e dessa vez andei.
Alguma hora, teria que passar um táxi.
Eu preferia dormir na estrada da Joatinga à voltar para aquela festa. Deviam estar todos com pena de mim. Comentando, fofocando.
Senti pena de meus pais. Minha avó. Largados lá, sem entender nada.
Ligaria pra eles assim que voltasse a respirar. Só precisava ter o mundo de volta aos meus pés.
Eu te odeio Estevan. E me odeio ainda mais por amar você!
De repente minhas pernas bambearam. Estava exausta. Sentei no asfalto e as abracei, encolhida. A chuva caia torrencialmente. Meu cabelo penteado de lado, grudou na bochecha.
Soltei os grampos um a um. Passei os dedos entre os fios embolados.

Finalmente, após o que me pareceu muito tempo, escutei o barulho de borracha sobre o asfalto. Me levantei trôpega. Destruída física e emocionalmente.
Enfim, um táxi.
Elevei o braço fazendo sinal e alguém me segurou com força no cotovelo.

Pelo perfume atrás de mim, reconheci o cafajeste.
Estevan.
O táxi parou.
Olhei de soslaio para trás. O desgraçado, ainda por cima, parecia furioso.
- Primeiro você vai me ouvir. Depois, vamos voltar para a festa.
Com um movimento brusco me soltei do seu aperto, abri a porta traseira do táxi, me sentei e antes de fechá-la rebati.
- Primeiro, você pode ir para o inferno Estevan.

O idiota ainda me encarava como se não acreditasse que eu estava fazendo aquilo.

O motorista arrancou com o carro.
Apertei o botão para descer o vidro automático, joguei a grinalda e a aliança pela janela. Todos os meus planos para o futuro, seguiram os dois objetos.

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Uhulll, todos prontos para desinibir-se?

Próximo capitulo - quinta-feira

beijoss e deixem sua opinião nos comentários, esse é meu primeiro livro do gênero e sua opinião é muito importante!

DesinibidaOnde histórias criam vida. Descubra agora