Electi

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Não aguentaria aquele garoto por mais tempo então saí do bar e voltei para casa.
Foi como nas noites em que durmo sem estar cansada, primeiro um clarão e depois o estrondo de uma explosão e de repente um pesadelo.
Dessa vez sombras me perseguiam em uma rua abandonada durante a noite.O sonho começou "tranqüilo".
O vento cheirava a enxofre, a terra sob meus pés estava úmida e gelada, a única fonte de luz era uma lua nova que vez ou outra era encoberta por uma gigantesca nuvem negra, as casas velhas e feias pareciam estar vazias, roupas rasgadas caiam de suas janelas empurradas pelo vento.
Foi em uma das janelas que vi a sombra, como um fantasma, sorria abertamente e de sua boca saia um zumbido estranho.
— Ctii...
Mais e mais delas foram aparecendo, por todo canto, gritavam palavras amargas e espalhavam o medo por meu coração.
Eu o sentia cada vez mais gelado até começar a mover meu corpo em uma corrida em câmera lenta, elas riam de mim como se fosse uma tola e aquilo alimentava meu medo.
Quanto mais eu corria menos asfalto eu via e foi então que eu caí, era como uma névoa branca, o ar me faltava aos pulmões e eu ouvia um assovio do vento.
Tudo muito azul e algumas aves passaram por mim, eu estava caindo do céu e meu destino era um oceano azul imenso e profundo.
"Bum", acordei coberta de suor e no escuro. Procurei o interruptor e o puxei para cima, desci e bebi uns dois copos d'água.
— Inferno de sonho!
Sentei em meu sofá e peguei meu celular que vibrava...
Uma mensagem da Morgan:
"Electi, tô aqui no galpão da faculdade, aquele abandonado... tô te esperando, ok?"
O que diabos ela quer a essa hora da madrugada?
"Só vou trocar de roupa".
Subi para tomar um banho e vestir uma calça jeans, camiseta e um tênis velho e rasgado.
"O que tu queres?" Mandei a mensagem enquanto escovava os dentes.
"Só vem que te explico aqui..."
Ótimo... Odeio suspense!
Assim que pisei fora de casa uma sensação incomoda me veio ao peito, voltei para a sala e liguei para Suzy.
O telefone tocou e tocou até ela atender...
— O que? — sua voz era rude, eu entendia ela, afinal ser acordada no meio da noite é horrível.
— A Morgan mandou uma mensagem a pouco pedindo pra ir encontrar com ela naquela galpão abandonado perto da faculdade... Você quer vir?
Meu nervosismo era tanto que comecei a morder meus lábios compulsivamente.
— Pra quê?
— E tu achas que eu sei?!
— Não, mas eu vou, passa aqui?
— Tá, manda o endereço por mensagem.
Não demorei muito pra achar a casa, passei por uma moto preta, uma Harley Davidson, que estava parada algumas casas antes... suspeito, não tinha nenhuma luz ligada em nenhuma casa, aparentemente.
Me direcione até sua porta e antes de bater escutei um barulho nos fundos da casa, fui até a lateral e vi um ser andando...
— Ei!
O homem me encarou e a cada passo que dava mais eu o reconhecia. O idiota do Shay.
Mas o que é que ele tá fazendo aqui?
— Cala a boca e não diz nada pra ela, saí antes do seu telefone tocar... Agora, pra que danado vocês estão indo naquele galpão caindo aos pedaços?
Dei de ombros.
— Tava escutando a conversa dos outros?
— Foi inevitável...
— Agora me diga o motivo de estar bisbilhotando a Suzy? Hein?
As maçãs de sua face ficaram coradas sob a luz do poste.
— Tá, agora vai embora.
Shay passou por mim de cabeça baixa, parou de frente ao meu carro e respirou fundo, voltou correndo.
— Vou seguir vocês, isso de ir no galpão está muito esquisito, não é do feitio da Morgan acordar todo mundo na madrugada e ir fazer sei lá o que lá nos cafundó.
Escutamos a porta da frente abrindo.
— Tá, mas fui eu que liguei pra Suzy.
— Ela já tinha mandado mensagem pra ela, só que eu li e não quis acordar ninguém pra uma besteira, porque com certeza deve ser besteira.
— Aham, tô indo ali.
Voltei para a frente e me deparei com a Suzy, usava um vestidinho curto e rodado, florido e um salto alto, parecia uma boneca.
— Vamos logo, amanhã temos aula cedo.
Entramos no carro e comecei a dirigir numa velocidade baixa até que Shay montou na Harley Davidson e começou a nos seguir discretamente.
Suzy dormia ao meu lado quando estacionei em frente ao lugar combinado.
A acordei e saímos do carro. O lugar era de fazer qualquer um sentir arrepios, escondido no mato, as paredes descascando, um monte de tralha nas laterais e um portão de ferro gigantesco um pouco aberto.
— Ui, trouxe lanterna?
Encarei Suzy meio em choque, como fui esquecer disso?
— Tá, vamos usar a do celular.
Voltei para o carro e antes de desligar os faróis olhei para onde o outro tinha parado, ao lado de uma árvore perto, vi quando negou com a cabeça.
Não mexi nos faróis. Suzy foi iluminando o caminho até lá embaixo, sim, era em uma depressão o lugar, e ao redor do buraco ficavam mais e mais mato, árvores e bichinhos nojentos.
— Se uma cobra aparecer estamos fritas.
Ri de seu nervosismo, não tenho medo de cobra, tenho medo de bichinhos nojentos e pequenos que possam andar por nossos corpos.
Tínhamos de ter muito cuidado com a descida que era totalmente irregular, o salto dela não ajudava muito em nada, paramos várias vezes durante o trajeto. Algum tempo depois de ter chegado descobrimos que poderia ficar pior, o salto afundou em uma possa de lama e não queria sair.
— Deixa o salto aí.
— Não, esse salto custou 800 dólares, tem noção do que é isso?
Estávamos cochichando como se algum bicho pudesse nos ouvir. Fui tentar ajudar e então Shay apareceu...
— Oi! Vocês, por aqui? — a atuação dele é horrível.
— S-Shay?!
— Não, o Monstro do Lago Ness... É claro que é o Shay — eu estava ficando estressada, não conseguia controlar minhas emoções e as palavras saíram.
— Você é muito rude, Electi!
Não liguei para suas palavras, puxei o pé dela para cima e o salto ficou. Suzy começou a resmungar como uma criancinha mimada.
Troquei um olhar com Shay antes que o resmungo se transformasse em uma discussão. Parece que ele entendeu rápido e a pegou no colo.
No começo protestou, mas logo estávamos no portão... Tentei empurrar mais para o lado, entretanto estava emperrado.
— Força pra dentro e empurra... — encarei Shay com desconfiança — Eu vinha aqui quando pequeno e descobri algumas manhas, ok?
Ele parecia envergonhado com aquilo... Estranho! Que garoto estranho!
Fiz o que mandou e realmente funcionou, funcionou tanto que acordamos até o morcego morto, só consegui enxergar a nuvem preta e antes de qualquer reação fui ao chão. Protegi minha face com os braços e os esperei passar.
Levantei e quando fui ver o casal top 10 apareceu da lateral.
— Você é muito lenta!
Ignorei. Entramos no galpão e Suzy começou a chamar:
— Morgan? Morgan? — seu tom de voz aumentava a cada vez que o nome era proferido.
O ar cheirava a enxofre misturado a gasolina, mal víamos o lugar já que uma névoa de areia o cobria e a lanterna do celular não era tão potente assim. Sentia como se estivesse pisando em poças d'água... Um novo cheiro foi adicionado, dessa vez como metal, ou algo assim.
Shay pareceu perceber o mesmo.
— É melhor voltarmos, tá na cara que a Morgan não está aqui.
Peguei a lanterna das mãos de Suzy, iluminei o chão... O celular quase caiu com o susto... Estávamos pisando em um líquido vermelho, quase preto como sangue. Sangue!
Suzy gritou e se segurou mais ao pescoço do outro que apenas arregalou seus olhos.
— Vamos embora? — Shay pediu.
— Não, não, não! E se isso for dela, e se... Ah meu Deus...
Meus olhos se voltaram ao sangue e foi então que eu vi o celular dela, melado do que parecia ser sangue e vibrando... O que diabos?

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