Prólogo

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A tristeza me invadia a cada momento, a agonia já estava no seu ponto máximo dentro de mim, nada mais poderia me reanimar, minha pele branca ressecada do tempo, estava a cada dia mais morta e sem cor. Não entendia ainda o porquê de ele ter ido "embora", a falta dele na minha vida me mudou, não sabia mais quem eu era, entrei em estado de depressão, infelizmente a isolação nunca foi uma saída para minha condenação. Tentei sim me matar, eu tentei me suicidar, tentativas sem sucesso, sempre minha mãe me salvava. Minha raiva aumentava, mas a morte não me levou. Naqueles momentos eu sabia que ela era melhor do que ficar sofrendo pela lembrança de uma pessoa que jamais iria ver novamente. Meu pai.

Deixei para trás junto de minha vida, a minha mãe, mas não por escolha, e sim por necessidade, eu não aguentava ver ela sofrendo, ainda mais, por cima de tudo por uma filha como eu. Mas ela, sempre se manteve firme, pelo menos na minha presença.

Meu nome é Alice Moore, minha crise de depressão estava aumentando incessantemente e ligeiramente. Pensava em me matar a cada minuto, e a cada segundo, tudo isso se resumia em duas palavras, talvez em um só nome, Carter Moore, o amor de minha vida, com certeza. Não um amor de jovem, de namoro, de paixão, mas sim, um amor de filha para pai. Ele me deixou quando eu tinha oito anos, eu o vi morrer, ele estava diante de mim, mas eu não pude fazer nada, eu simplesmente o vi sofrer, agora tenho dezesseis anos, se passaram longos tempos de minha existência, mas as marcas dele em meus pensamentos ainda estão presentes. Ele me amou até o seu último momento neste mundo cruel, e eu com certeza retribuía. Mas nem um simples adeus eu consegui lhe dar. E minha vida desmoronou.

E quando a morte vem, o que fazer?

Estava sentada na cama refletindo sobre o que restava do meu ser inútil, até que escutei algumas batidas na porta, era a enfermeira, Sandra, a que me levava todos os dias para minha "conversa" com a psicóloga, que logo depois resolveu entrar. Ela entrou balbuciando algumas palavras, que certamente não eram compreensíveis.

- Então querida, vamos? – Eu sabia do que ela estava falando. – Vamos se apresse está na hora! – Ela parecia muito estranha, mais que o seu normal.

- Estou indo. – Ela me olhou estranho e forçou um sorriso, eu retribuí. – Mas antes de irmos, que cara de preocupação é essa? – Não que fosse de meu interesse, mas fiquei curiosa.

- Nada... er... – Ela deu uma pequena pausa, e novamente começou. – Alice, sei que posso confiar em você, mas não posso dizer muita coisa – Eu a abracei e ela começou a chorar. E então continuou. – Ontem à noite quando eu caí no sono, eu tive um sonho estranho...

- Vai ficar tudo bem. – Ela me olhou com um rosto pálido, um rosto que nunca tinha visto na minha existência, recuei do seu abraço, e foi quando congelei. – Com o que você sonhou?

- Querida esqueça, não adianta se preocupar, foi apenas uma bobagem... – Ela pegou minha mão e a beijou, senti um aperto forte no meu peito. E então saímos do quarto.

Aquele corredor a cada dia estava ficando mais longo e mais espesso, e diante dele minha vida passava por completa como um daqueles filmes, "Eu estava com ele e não pude fazer nada, não pude o ajudar, nem mesmo um simples adeus consegui lhe dar", nunca me mantive firme em relação aos pensamentos e sonhos com meu pai, e para dificultar ainda mais a minha existência, tive que deixar minha mãe para trás. Levantei a cabeça e quando percebi já estava dentro do consultório da doutora Christina. Minha psicóloga.

- Bom dia querida Alice! – Ela estava completamente normal.

- Bom dia. – Não respondi com a mesma animação dela, não por não querer, mas as palavras e o rosto de Sandra ainda invadiam minha memória, ela não me respondeu, "Que sonho? ", e eu intuitivamente sabia que não era boa coisa.

- Vamos começar então? – Ela me perguntou com muita empolgação. E a empolgação dela, para mim, era perturbadora.

E bem naquele momento eu não entendi direito o que acontecera, mas sei que naquele instante naquele exato momento, senti um calor intenso, como se tivéssemos descido diretamente para o inferno, eu sentia o mundo desmoronar ao meu redor, não como uma hipérbole, mas realmente desmoronava ao meu redor.

- Você não está sentindo isso? – Falei com o coração acelerando. Me desfazendo em suor. – Você está sentindo esta sala esquentar? – Ela me olhou confusa, balançou a cabeça e vi na face dela, que o que eu estava falando realmente vinha à tona. Droga.

E foi quando a fumaça e o calor se alastraram pela sala, o teto desmoronou por cima de nós, mas felizmente esquivamos a tempo, tentei abrir a porta, mas a temperatura do ferro da maçaneta estava alta demais, a ponto de queimar minha mão de um jeito bastante doloroso, a doutora Christina também tentou, mas dessa vez o ferro já estava latejante ao receber e expandir calor, ela se abaixou para tentar respirar eu segui o seu gesto, ela começou a bater na porta, ouvi um barulho ensurdecedor, e quando notei a porta já estava caída em cima dela. Tentei levantá-la, mas a porta era muito pesada, comecei a chorar ao ver na minha frente ela gemendo de dor e novamente me vi em uma situação bem semelhante, eu estava lá tendo que fazer, mas sem fazer nada.

Eu estava destruída com aquela cena e então me dei conta que eu tinha que continuar, se eu ainda quisesse existir, foi quando saí pelo corredor, ele estava totalmente aceso, virei-me quando escutei um zumbido, um enorme pedaço de madeira me acertou em cheio, não forte bastante para me fazer parar, mas o bastante para me fazer prosseguir de uma forma ainda mais feroz, até mesmo minha alma já sentia aquelas chamas, minhas costas queimavam minha cabeça estava a ponto de explodir, meus cabelos estavam se desfazendo junto ao fogo, meus olhos se esquivavam da realidade e mais uma vez outra madeira caiu em cima de meu ser, dessa vez forte o bastante para deixar marcas, e quando me vi na porta de vidro da sala principal, o meu reflexo emitia luz, não sabia ao certo se as chamas em si faziam isso ou se era eu...

Me dei conta de que realmente era o meu ser entregue ao fogo, minhas roupas estavam as cinzas, escorreguei pela parede até o chão e comecei a chorar, sentindo que as chamas já me queimavam, produzindo em mim hematomas profundos de uma forma bastante dolorosa, vi várias pessoas em minha direção para, provavelmente, me salvar, e desta vez eu estava certa, era sim para me salvar.

Um dos que ali estavam retirou minha roupa, enquanto os outros controlavam o fogo, ele me enrolou numa toalha gelada que quando tocava em minhas costas, machucavam, ele me levou até bem próximo a saída quando mais uma vez fomos surpreendidos com uma madeira que mais parecia com uma tocha olímpica, acessa por completa, até que ela tocou, na verdade, até que ela bateu com bastante força na cabeça do tal homem que me levava e o levou ao encontro da parede, ele me jogou ao chão a apenas três metros de distância da saída o suficiente para meu ser morrer, mas também o suficiente para me salvar. Levantei-me bamba ao ponto de desmaiar com todo aquele fogo e toda aquela fumaça, mas como um milagre, com a ajuda daquele homem, consegui sair a tempo do hospital, e naquele exato momento eu me sentia libertada, de uma prisão que só existia na minha realidade, eu me sentia realmente renovada, de um ser que só existiu na minha memória, eu estava viva, ressuscitada de um ser morto pelo tempo, mas...

Ele morreu e eu não fazia a menor ideia de quem ele era, mas eu estaria eternamente grata. O pior é que não pude nem ao menos o agradecer. Só sabia de uma coisa, uma só coisa, ele ficou conhecido como o bombeiro que salvou... a garota de fogo.

Garota de FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora