Muitos dias depois lá estava Alice arrumando suas malas, pronta para conhecer a Inglaterra ao lado de Dave. A cada peça de roupa que segurava antes de colocar nas malas, ela lembrava dos bons momentos que vivera naquela casa com a tia. Alice sentiria muita falta também dos dois melhores amigos. Ela não queria chorar, mas sabia quão difícil seria a despedida.
No aeroporto, entre muitas lágrimas e sorrisos, Alice embarcou.
Miguel e Marina não sabiam como lidar com a partida de Alice. Para onde olhavam, a sentiam. A viam. Os primeiros dias sem ela não seriam fáceis. Ela era uma amiga para ficar guardada no coração para sempre.
Alice e Dave tinham uma sintonia tão grande que só poderiam terminar como um casal. Ela terminaria seus estudos em Londres e em seguida iria para a mesma faculdade onde Dave estudava.
Faltavam poucos dias para uma sexta-feira treze. Marina voltara a sentir fortes dores de cabeça. Os pesadelos e as previsões também voltaram com força. Nem mesmo o livro de capa preta parecia ter efeito sobre seus dias obscuros.
A garota triste voltou a ser triste. Sentindo-se como uma aberração, não queria mais ver Miguel.
Ele comprou flores e decidiu ir até a casa dela. Já fazia uma semana que ela não ia para a escola. Só queria ficar no quarto. Nem vozes nem ninguém por perto.
Quando se despediu deles, Alice implorou para Marina se reconciliar com Miguel. O problema é que Marina não queria mesmo ver ninguém. Miguel não suportava mais a distância entre eles.
Verônica o recebeu com muita esperança. Quem sabe somente ele não pudesse ajudar a filha. A mulher se sentia mais culpada a cada dia que passava e deixava Marina sem conhecer a verdade.
Devagar, Miguel abriu a porta do quarto. Sentada na cama sem se movimentar estava ela. Mas aquela não era a garota que ele conhecera. Não podia ser. Pela primeira vez ele a achou feia. Ele entendia, é claro, e estava ali para tentar ajudá-la.
Os cabelos ruivos de Marina estavam emaranhados, sem brilho. Ela começou a tremer. O corpo pálido como uma vela.
Miguel jogou as flores no chão. Sentou-se ao lado da namorada e a abraçou. Cantou suavemente procurando acalmá-la. Por incrível que pareça, conseguiu. O amor deles era tão forte e poderoso.
Momentos depois, a garota triste descia as escadas. Tinha acabado de tomar banho. Parecia quase enxergar as cores novamente. Miguel sorriu ao vê-la viva, com vontade de viver. Ele entregou as flores para ela. Pediu para ela voltar para a escola. Antes de Marina responder, sua mãe levantou a voz:
- Não. De jeito nenhum. Marina só voltará para a escola no dia quatorze, quando a sexta-feira treze passar.
- Mas por quê? - Miguel perguntou desconfiado. Teria alguma coisa relacionada com as recaídas de Marina? Certamente sim.
- Rapazinho, não discuta comigo. O que eu disse não será mudado.
- A minha mãe tem razão. Miguel, é melhor você ir.
Eles se beijaram, sentindo aflição no beijo um do outro. Depois Miguel se despediu. O que Verônica disse não saia de sua cabeça.
Os pais de Marina temiam que os espíritos também voltassem para cumprir a promessa de levar sua alma embora nas sexta-feiras treze. O que nunca aconteceu. Robert e Verônica começaram a pensar de tal forma ao perceberem que próximo aquela data, as crises de Marina eram mais fortes e frequentes. Talvez por ela ter nascido em uma sexta-feira treze. Quando tal dia passava, as crises diminuíam.
As luzes da cidade acenderam-se. Kill encontrava-se no quarto da casa de um sujeito que conheceu nos dez dias que passou nas ruas enfrentando seus dias mais difíceis. O sujeito era um cara legal e Kill o considerava um amigo.
Otávio e Betina visitavam Kill de tempos em tempos, sempre pedindo para ele voltar para casa. Orgulhoso, a resposta era não. Estava cumprindo o que prometera ao ser expulso de casa.
O lugar onde morava agora não era admirável. Era uma casa pequena e suja. Kill trabalhava para continuar por ali. Todos os dias ele saia bem cedo para o centro da cidade e voltava somente a noite quando vendia a maior parte de seus bombons e chocolates. Ele não queria mais o dinheiro dos pais.
Desde o dia das apresentações de teatro, Kill prometeu para si mesmo que no dia em que encontrasse Marina ou Miguel, acabaria com um deles. Andava sempre com o mesmo pensamento do mal.
"Se ela não pode ser minha, não será de mais ninguém."
Nos dias que passavam, o Sr. Lewis rodava a cidade em busca de novas provas que pudessem ajudar a concretizar seu plano. Aqui e ali encontrava novas informações preciosas. Logo Colors City não seria a mesma.
Rosana olhava as fotos e objetos deixados Por Alice. Não resistia. Chorava de saudades e felicidade pela sobrinha que crescera e aprendera a fazer suas próprias escolhas. Voar com o amor. Da janela do quarto de Alice, reparava na casa de Miguel. Depois da reforma não era mais tão simples como antes. Ele e os pais agradeciam muito a Marina e Alice pela generosidade. Rosana pensava em como o garoto tímido fora essencial para a sobrinha superar a morte dos pais.
Quando a sexta-feira treze chegou e tornou-se sábado, Marina acordou sem forças.uma terrível dor de cabeça e tontura a afligiam. Não lembrava da noite anterior. Ao ver seu reflexo no espelho do banheiro se perguntou:
- O que aconteceu comigo?
A garota triste gritou pela mãe.
Em todas as sexta-feiras treze, Robert e Verônica não deixavam a filha sair de casa por nada nesse mundo. Também não a deixavam ver ninguém.
Eles esperavam o pôr-do-sol, então cedavam Marina com comprimidos que a faziam dormir até o dia seguinte. Assim aconteceu.
O homem e a mulher permaneciam acordados vigiando as portas e as janelas até o sol nascer. Só assim sentiam-se seguros de que nenhum espírito do mal viria buscar a alma da filha amaldiçoada. Ainda assim, não reuniam coragem suficiente para revelarem porque Marina era triste, cheia de dores e espíritos ao seu redor.
Ansioso, Miguel chegou na casa da namorada sentindo que enfim ela estaria pronta para voltar para a escola. Sem Marina e Alice, o trajeto para até a escola não poderia ser mais solitário.
Para sua surpresa, ela não o quis receber. Cabisbaixo, voltou para casa. Naquele dia também não iria para a escola.
Fernando e Marli percebiam que depois de Marina, Miguel não era o mesmo. Andava distraído e sem muita concentração para os estudos.
No dia seguinte ele resolveu não ir para a escola mais uma vez. Quando menos esperava a mãe entrou em seu quarto dizendo que Marina o aguardava na sala. Como se acordando de um pesadelo, tomou um rápido banho e em instantes ficou pronto.
Ao se verem, abraçaram-se com beijos apaixonados. Miguel segurou na cintura da namorada e a rodopiou como uma bela flor. Riam como duas crianças felizes.
Na escola, todos comentavam a volta da garota triste. Os cochichos rolavam. Querendo ou não, depois das apresentações de teatro, eles acabaram tornando-se o casal sensação da Colors City High.
Com inveja estampada nos olhos, Liza, a patricinha do terceiro ano fazia de tudo para arranjar um namorado perfeito e tentar roubar o título de Marina e Miguel.
Eles não ligavam para essa história de casal sensação, mas se os comentários rolavam não podiam mandar pararem. Eles tinham coisas mais importantes com o que se preocupar. Esperavam o momento certo para iriam para a biblioteca. Naquela manhã, ao tirar o livro de capa preta da mochila, Marina desmaiou nos braços de Miguel.
Preocupado, deitou a namorada numa mesa e correu para abrir a passagem secreta. Levou-a para o jardim encantado. Marina se recuperou aos poucos. Aproveitada a magia daquele lugar maravilhoso, se dirigiram a diretoria. Queriam notícias de Kill.
Ao se aproximarem, ouviram vindo de dentro da sala:
- Sr. Lewis, você precisa fazer eles pararem. Eu não aguento mais tanta bajulação com aqueles dois ridículos. Onde já se viu agora serem o casal mais comentado da escola. Eu nunca consegui, então...
- Liza, eu não vejo motivos para esta discussão. Mas já que você quer ser assim tão comentada pela escola, porque não encontra logo um namorado?
- Mas Sr. Lewis...
- Mas nada Liza. Agora volte para sua sala. Eu tenho mais o que fazer.
A patricinha abriu a porta da diretoria, dando de cara com seus maiores rivais.
- Oi. - disse sem jeito - Miguel, Marina, vocês não estavam aqui... estavam?
Disfarçando, Marina sorriu e disse:
- Sabe Liza, acabamos de chegar.
O casal entrou. A invejosa permaneceu do outro lado para ouvir tudo.
- Bom dia Sr. Lewis. - Começou Marina.
- Bom dia. Que bom ser você Marina. Espero que não falte mais. - Respondeu o Sr. Lewis, contente em ver a aluna de volta à escola
- Eu também não. - Concordou Miguel.
- Na verdade queremos saber se o senhor tem notícias do Kill. Desde as apresentações de teatro que não o vemos. O senhor tem notícias dele?
- Infelizmente não. Só sei que os pais o expulsaram de casa.
- É. Nós sabemos e sentimos muito por ele. - Miguel declarou afetuoso.
- Bem, quando eu souber de algo podem deixar que eu os aviso.
- Tudo bem Sr. Lewis. Obrigado. Agora nós vamos indo. - Marina falou um pouco desanimada. Queria tanto saber por onde Kill andava. Mas por outro lado, eles agora estavam distante um do outro. Seria bom ou ruim?
- Indo para onde? Eu posso saber? - Desconfiança surgiu no rosto do diretor.
- Ora, Sr. Lewis. Para a sala de aula, é claro. - Respondeu o garoto que usava óculos, apreensivo.
- Esperem. E essas mochilas? De onde vocês vêm com elas?
- Calma Sr. Lewis. Nós só matamos uma aula para ficar lendo na biblioteca.
- Miguel! - Marina exclamou.
- Vocês sabem que existem regras nesta escola a ser cumpridas e vocês acabaram de quebrar uma delas. Olhem, eu só perdoarei dessa vez. Agora voltem para a sala de aula.
Agradeceram ao Sr. Lewis pela bondade e...
- Garota insuportável. Você estava ouvindo atrás da porta? - Miguel perguntou furioso para Liza, ao saírem da diretoria.
- Eu? Claro que não. - Ela tentou manter a postura, sem conseguir.
De dentro da sala o diretor ouviu a pequena discórdia. Castigada, Liza foi obrigada a permanecer durante o resto daquela manhã sentada em silêncio em uma cadeira ao lado do Sr. Lewis. Liza não odiou tanto o castigo, visto que o aproveitou para elaborar um plano para acabar com a perfeição do casal sensação.
Miguel e Marina não gostavam muito dela. Ficaram com medo das coisas que ela poderia espalhar pela escola.
No dia seguinte, Kill se preparava para enfrentar mais um dia de trabalho. Ele colocou alguma coisa estranha dentro da mochila. O amigo que o acolhera queria saber o que seria aquilo, mas acabou disfarçando.
Uma surpresa esperava por Miguel e Marina na frente da Colors City High. Quando atravessavam a rua para passar pelo primeiro portão da escola, um palhaço ali na frente fustigou a curiosidade de Marina. Ela pediu para Miguel comprar alguns bombons do palhaço.
Quando se afastavam dele, o palhaço que nunca tinham visto antes disse com uma voz grossa:
- Eu estarei aqui todos os dias.
Marina arrepiou-se toda.
O casal se afastou, deixando o palhaço chorando por debaixo da máscara.
Eles passaram pelos corredores estranhando o fato de tanto silêncio.
É claro, foram tirar satisfações com Liza. A patricinha apenas afirmou que um casal sensação não podia andar matando aula para namorar na biblioteca.
"Coitada." Pensou Miguel.
Ele e Marina não se importavam.
Na volta para casa, o palhaço já tinha ido embora.
Passaram-se muitos dias.
Marina não teve mais nenhuma crise. Apenas dores de cabeça uma vez ou outra e alguns pesadelos que não diziam muita coisa.
Todos os dias o palhaço estava lá na frente da escola e toda vez que olhava para ele, Marina sentia negatividade em seus olhos.
Eles ainda não tinham notícias de Kill.
O baile de máscaras da Colors City High se aproximava. Liza continuava sem namorado.
Alice mandava cartas de Londres deixando Rosana e os amigos preocupados.
Nelas, ela relatava que a mãe de Dave não a deixava usar o telefone. A mãe e o pai dele eram preconceituosos. A tratavam muito mal, sempre a ridicularizando em público por ter a pele negra. Coisa que não acontecia em Colors City.
Rosana sofria e sentia o sofrimento da sobrinha ao ler cada palavra angustiada. Por fim Miguel e Marina pensaram em algo que poderia ajudar Alice. Rosana devia viajar para a Inglaterra o quanto antes e trazer Alice de volta. Mesmo morrendo de medo de viajar de avião, a mulher embarcou disposta a salvar seu bem mais precioso das garras de gente que não valia o que possuía.
Assim que chegou em Londres Rosana fez uma proposta para Dave.
Ele teve um dia para pensar e resolveu que para onde Alice fosse, ele iria junto.
VOCÊ ESTÁ LENDO
MARINA - A Garota Triste
RomanceEla passou a infância em meio a terríveis pesadelos e previsões de futuros próximos de pessoas com quem convivia. Ela sabia que muitos chorariam no dia seguinte. Ela cresceu, mas nada mudou. Aos dezesseis anos, ela é uma bela garota ruiva de olho...