As crises de Marina voltaram novamente no dia em que ela e Miguel chegaram na escola e o palhaço vendedor de doces não estava lá na frente.
Quando chegou em casa, a garota triste não resistiu. Foi preciso sua mãe ligar para Miguel.
Antes de jogar fora o livro de capa preta, Robert ouviu com atenção da velha corcunda:
"Tenha muito muito cuidado com esse livro. Ele só terá total utilidade quando lido por você. Caso outras pessoas o leiam, com o tempo ele deixará de ser eficaz."
Miguel entrou no quarto de Marina. Ela gritava e se contorcia como se fosse só ela ali. Eram gritos ensurdecedores. Com máximo de esforço, o garoto tímido aproximou-se. Segurou em seus ombros. Cantou uma canção suave e delicada que a fez sentar de joelhos no chão frio. Chorou por minutos inconsoláveis.
Um tempo depois Marina aceitou sair com ele. Também precisava sentir o ar puro das ruas. Sentaram-se em um banco rodeado de flores na grande praça central.
Miguel andava desconfiado. Perguntou para ela:
- Marina, você lembra como sua mãe ficou nervosa naquele dia em que eu perguntei sobre você não sair de casa na sexta-feira treze? Você não desconfia que seus pais escondam coisas sobre as suas crises?
- Eu sinto fortemente que sim. Desde sempre. Mas é só eu perguntar ou pelo menos chegar perto disso que eles mudam de assunto e ainda dizem que é coisa de Deus. Que eu tenho que aceitar.
- Na minha opinião Deus não daria um dom tão terrível assim para ninguém. Eles nem deviam falar de Deus dessa maneira. Eu acho que nós devíamos tentar descobrir o que tanto eles escondem de você.
- Deus é uma palavra que transmite tanta paz. Como faríamos Miguel?
- Marina, você só precisa ser esperta. Ficar de olho e ouvir as coisas que eles conversam quando estão sozinhos.
- Não sei não. Não estou muito certa disso.
Miguel sentia que precisava ajudar a namorada. Se não Marina nunca iria deixar de ser uma garota triste.
- Você confia em mim e em você mesma?
- Sim, mas...
- Então está decidido. Com certeza o Sr. Robert e a Sra. Verônica guardam segredos obscuros de quando vocês moravam em Reidh.
No fundo Marina não queria investigar os pais. Por outro lado precisava da verdade desde sempre. Se para isso tivesse de bisbilhotar suas conversas, o faria. A garota triste precisava da verdade. Quem sabe ela aliviasse toda sua dor.
- É claro! - ela exclamou e acabou lembrando.
Era o último dia da família na temida floresta de Reidh. Mesmo triste, Marina não via a hora de sair daquele lugar. Verônica estava na cidade comprando coisas para comerem durante a viagem que duraria três dias. Na sala, Robert embalava e fechava as caixas que dois caminhões levariam. Em seu quarto, Marina fazia a mala, colocando bem no fundo sua caixa de lembranças tristes. Ela desceu as escadas, olhou ao redor da casa para se despedir e voltou para o quarto. Lia um livro quando começou a chorar.
As portas da casa se encontravam fechadas, mas do quarto dava para ouvir quando alguém batia na porta da sala.
Robert se viu nervoso. A porta bateu forte e o que ele mais temia aconteceu.
A velha corcunda entrou ali furiosa.
- Vocês pensavam que iriam embora sem deixarem eu vê-la? Pois estavam enganados.
- Sua velha. Eu a proíbo de ver a minha filha. Você já fez mal para ela o suficiente. Agora nós vamos sair deste lugar para nunca mais voltar.
- Robert, é melhor ir com calma. Você sabe muito bem que todo o mal presente na sua filha você e sua esposa que causaram. Então não venha querer colocar a culpa em mim depois de tantos anos.
- É melhor a senhora ir embora e nos deixar em paz.
- Meu querido, em paz vocês nunca ficarão. Agora deixe de ladainha e chame-a. Eu quero abraço-lá antes de vocês irem.
- Você não quer que ela ouça, quer?
Robert nunca estivera tão furioso.
Marina apareceu nas escadas chorando. Para a final surpresa do pai, ela disse:
- Eu ouvi pai, mas nada disso é verdade. Diz que não é pai, por favor. Eu já sofro tanto.
O que Robert faria agora?
A velha corcunda fez por ele. Ela subiu as escadas. Abraçou Marina dizendo que Robert devia muito dinheiro para ela e pretendia viajar sem lhe pagar. A velha não tinha mais o que fazer ali. Despediu-se de Marina e Robert, pedindo para ele passar na sua casa antes de partirem.
Não era uma mentira perfeita. Marina sabia que os pais tinham muito dinheiro. Ele não poderia dever tanto dinheiro assim para ninguém, mas ela tinha consciência de que existia uma coisa muito errada entre o pai e a velha. Naquela época Marina conseguiu deixar para lá, mas recordando o episódio, tudo mudara.
- Eu fui uma tonta Miguel... - ela sentiu lágrimas pedindo para caírem.
- Mas agora vai ser diferente. Pode apostar. Nós precisamos falar com esta velha o quanto antes. Com certeza ela é a chave para o seu passado e o seu futuro.
- Miguel, eu não sei o que seria de mim sem você. Obrigado por fazer parte da minha vida.
Eles se abraçaram.
- Eu que agradeço todos os dias por Deus ter colocado você no meu caminho.
Se beijaram.
Miguel enxugou as lágrimas dela.
- Agora devemos estar preparados. Nas férias de janeiro nós iremos até a floresta e fazer a velha falar tudo.
- Eu não teria tanta certeza. Ela pode fugir e não querer contar nada.
- O importante é tentar, mesmo quando parecer impossível.
O céu escurecia junto com a lua. No quarto da casa onde morava agora, Kill imaginava o momento certo de dar o bote e concretizar sua sonhada vingança. Uma maldade que prometia separar Marina e Miguel. Kill não fora trabalhar. Drogado, pensava:
"Enquanto reflito neste espelho regado a sangue, vejo belos traços rirem de tamanho sofrimento. Minha alma é vazia. Vira lágrimas sujas. Um corpo oposto da minha face, cortada e dividida em uma grande mesa. Espera pelo pedaço para o jogo começar. A roleta russa. Os espinhos que mergulham na nossa obscuridade. Nos tirará do jogo? Acabará com minha vida? Eu escolhi o mal, vejo rascunhos do antes, as sombras que me cortam. Uma delas é você. Distante de mim, mas tão perto. Eu vou embora, tiraram minha vida. A terrível arma que me faz esperar. Uma chance de ser jogado aos espinhos de sangue da tua roleta russa.
Dois dias depois.
Liza se preparava para o dia do baile de máscaras. Estava em casa e não via a hora de ver o primo que chegaria dentro de alguns dias.
Mesmo com uma incomoda dor de cabeça, Marina foi para a escola. Ao ver o palhaço próximo ao portão sorriu. Não sabia como, mas aquilo a fez bem. Miguel sentiu-se aliviado. Ele e o livro de capa preta não tiveram utilidade naquele dia.
Liza agora andava os vigiando, então não entraram no jardim encantado.
Eles continuavam indo à diretoria na esperança de terem notícias de Kill. O não se repetia.
No refeitório Liza os atormentava com sua fantasia de ser a nova rainha do baile e junto com o primo tornarem-se o novo casal sensação da Colors City High. Eles tentavam não entrar no jogo da patricinha, o que não era uma tarefa fácil. Liza era muito abusada e intrometida.
Enquanto Marina aturava Liza na escola, em sua casa, um barulho fez Robert e Verônica subirem até o quarto da filha. Encontraram a janela aberta e ficaram com medo, pois na sala conversavam sobre os erros que cometeram para deixar Marina de olhos vendados para sua verdadeira história.
E se alguém entrara em seu quarto? E se ela ficasse sabendo por outra pessoa?
Marina chegou em casa com um único pensamento. Por que o palhaço novamente já tinha ido embora ao sair da escola?
No final da tarde ela ainda sentia vestígios da dor de cabeça. Foi com Miguel tomar sorvete em uma sorveteria. Para surpresa deles, a patricinha que tanto os irritava adentrou o lugar sozinha poucos minutos depois. Para piorar, ela ofereceu-se e sentou-se na mesa deles. É claro, não foi o final de tarde esperado.
Liza só falava de moda, das tendências e de como estava ansiosa para seu primo chegar logo. Miguel e Marina fizeram de tudo para mostrarem-se educados, porém, Liza era tão chata que por um momento Marina pensou em dar uma bofetada na outra garota. Miguel não deixou e foi o que foi.
De tão cansada, quando chegou em casa Marina deitou na cama e adormeceu. Seu sono foi regado por mais um pesadelo.
"Não. Ele não pode fazer isso. Não pode. Eu não suportaria tamanha dor."
A garota triste acordou ansiosa na manhã que nasceu. Uma enorme sensação lhe dizia que veria Kill depois de tanto tempo.
Em seu pesadelo Marina era sequestrada pelo bad boy, o que fazia de sua ansiedade uma coisa nada boa.
- E aí casal, o que acharam do sorvete de ontem? - Liza perguntou ao encontrar Marina e Miguel em um dos corredores da escola.
Marina não estava nada bem para ironias. A ansiedade não passava. Miguel insistia em saber o porque, mas ela não podia contar. Não contaria.
- Você é tão ridícula. - Respondeu ele para a patricinha.
- Para Miguel. Vocês sabem que eu amo vocês. - Liza fez coraçãozinho com as mãos e disse um breve tchau, indo embora rindo loucamente.
No final da manhã, Marina não viu o palhaço. Voltou para casa com o coração querendo saltar pela boca de tanta ansiedade. Ao abrir a porta do quarto não acreditou. Depois de tanto tempo ele estava vivo. Ela deixou a mochila cair no chão. Aproximou-se dele sem saber o que esperar. Para ela, valeria a pena correr o risco.
- Kill, por que você não apareceu ou deu notícias durante todo esse tempo?
- Isso não vem ao caso agora. Eu preciso lhe contar uma coisa muito séria e que mudará sua vida.
Marina não estava com medo. Na verdade era uma sensação de aconchego que ela sentiu olhando para aquele rosto perfeito. Aqueles olhos azuis. O cabelo em tom amarelado.
Como ela demorou falar, Kill perguntou seriamente:
- Você está com medo de mim?
- Eu não tenho medo de você Kill. Você pode falar o que quiser, mas antes eu preciso saber onde você está morando. Como você está?
Desafiador, o garoto rebelde disse:
- Você sabe que eu posso te sequestrar agora mesmo.
Sequestrar. Marina sonhara com isso.
- Você não é um psicopata. Você não teria coragem. - ela viu-se nervosa.
- Calma que eu estou brincando. Você disse que eu poderia dizer qualquer coisa. Então se eu dissesse que te amo, o que você faria?
Ele pegou Marina de surpresa.
- Isso não pode ser verdade. Você sabe que eu e o Miguel nos amamos. Como poderia ser verdade?
- Marina, eu sempre te amei. Desde o primeiro dia que te vi. Mas aquele idiota do Miguel tinha que atrapalhar tudo. E você também não me dava bola e por isso resolvi não aparecer.
- O Miguel não é um idiota e eu sinto muito, mas não posso amar você.
- Por que não? Uma vez você me pediu para ficar longe...
- Eu realmente não quero falar sobre isso.
- O seu namoradinho não vale tudo isso.
- Kill, vamos mudar de assunto, por favor. Me diz logo o que você tinha para me dizer de tão importante.
Ele segurou as mãos de Marina.
- Só se você me der um beijo.
Abruptamente Marina afastou-se dele, indo até a janela.
- Você sabe que eu não posso.
- Mesmo se eu dizer que o que eu tenho a dizer eu ouvi dos seus pais? É a verdade sobre você Marina.
Como ele poderia saber?
- Kill, não queira o impossível.
- Mas é só um beijo.
Marina pensou em como queria a verdade. Ela então não teve escolha. Beijou aquele que não poderia se aproximar sem pensar em mais nada.
Kill deixou o quarto de Marina satisfeito. Não chegou a dizer onde estava e se voltaria. A garota triste chorou, sem querer acreditar em suas palavras.
Aos prontos ela ligou para Miguel. No quarto de Marina, esperaram Robert e Verônica chegarem em casa.
O homem e a mulher abriram a porta de casa sendo surpreendidos pela fúria e tristeza da filha.
Ela batia no pai.
- Eu já sei de tudo. Não precisam mais mentir. Por que? Por que você fizeram isso comigo? Vocês não podem ser meus pais. Meu Deus! Enquanto eu sofro, vocês transformaram a minha vida em um inferno. Agora que sei da verdade não vou mais ser tão boba e inocente. As mentiras acabam aqui. Por tudo que é mais sagrado, mãe... pai... vocês precisam me dizer. Eu preciso ouvir de vocês.
Marina ajoelhou-se na frente deles. Lágrimas não paravam de cair.
Verônica não aguentou ver a folha ali de joelhos suplicando. Chorando também, depois de mais de dezesseis anos a mulher estava pronta para revelar os segredos obscuros que rondavam a vida de Marina. Pegou a mão dela e começou:
- Filha, você promete nos perdoar?
Como a garota triste responderia tal pergunta. Ela não podia fazer promessas. Só queria a verdade.
- Prometer? Vocês são dois monstros!
- Nós vamos dizer tudo. - Verônica continuou.
Miguel observava de perto. Pensando como as pessoas podem ser cruéis. Mesmo aquelas que mais deveriam nos amar.
- Tudo começou no dia em que você nasceu. Era noite e você tinha nascido tão fraca filha. E ainda era uma sexta-feira treze. Para a nossa infelicidade foi seu dia de azar.
- Para minha infelicidade você quer dizer. - Marina não sabia se conseguiria perdoar os pais.
- Eu e o seu pai estávamos muito tristes. Não queríamos perder nossa filhinha.
- Não me chamem de filha!
Verônica continuou:
- Nós continuamos tristes. Queremos tanto te ver feliz. Mas a felicidade parece tão alcançar você. São apenas momentos. Marina, você sabe que agora você está bem melhor. Você tem que reconhecer que esta cidade só fez bem pra você. O Miguel. - Verônica apontou para ele. - Naquele dia coisas estranhas começaram acontecer de repente. Eu e o seu pai estávamos com você ao lado do berço. Não é fácil lembrar. As janelas se abriram trazendo um vento gelado para dentro de causar calafrios. Espíritos. Espíritos invadiram o quarto e tudo aconteceu.
Marina ouvia de cabeça baixa.
- Isso não pode ser verdade. Por que eles me escolheriam?
- Eles queriam matar você. Mas algo que não sabemos deu errado. Mesmo assim eles nos mostraram como seria seu futuro. Todos os tormentos que é a sua vida. Eles prometeram voltar todos os anos no seu aniversário para levar sua alma embora. Eles voltam todos os anos, mas nunca conseguiram fazer o que prometeram.
Miguel estava perplexo. Seu rosto era total incredulidade. Marina, sua Marina era vítima de uma terrível maldição diabólica. Era seguida por espíritos do mal que queriam sua alma. Agora ele entendeu de vez o porque dela ser tão triste.
- Eu nunca tive um aniversário. Para mim era o dia mais triste do ano.
- Eu preciso dizer uma coisa. - Pronunciou-se Robert. O coração pulsando para ele revelar o começo da maldição.
- Não precisa. Eu já ouvi o bastante.
Era como se todos os males do mundo tivessem caído sobre ela.
- Filha, você pode entender o nosso lado? - Verônica insistiu?
Marina levantou-se.
- Não. Nunca entenderei. Mas agora eu sei o porque de tanta precaução nos meus aniversários e nas sexta-feiras treze.
A garota triste não enxergava mais ninguém. Nem mesmo Miguel. Ela subiu as escadas sem olhar para nenhum deles. Começava agora o ciclo mais depressivo de sua vida. Marina fechou a porta do quarto. Gritou perdidamente entre lágrimas dolorosas que perfuravam sua alma
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MARINA - A Garota Triste
RomansaEla passou a infância em meio a terríveis pesadelos e previsões de futuros próximos de pessoas com quem convivia. Ela sabia que muitos chorariam no dia seguinte. Ela cresceu, mas nada mudou. Aos dezesseis anos, ela é uma bela garota ruiva de olho...