Carmen

Capítulo 1

Aflita.

Carmen tirou uma mecha do cabelo colorido de seu rosto. Sua mãe dissera que se ela passasse a mão diversas vezes na mesma mecha, sentiria a tinta saindo por suas mãos. Ela sempre olhava os dedos, após tocar no cabelo, esperando vê-los manchados de azul – ou até mesmo verde, já que estava quase desbotando –, mesmo sabendo que era apenas paranoia. Por enquanto

Ela não pode evitar um sorriso. Quase, como se ela fosse mesmo deixar alguma imperfeição naquele dia. Não podia arriscar nada, nem mesmo um leve desbotamento.

- Ela já está vindo. – murmurou Natalie, se inclinando levemente para ela e apertando seu ombro. Suas unhas estavam grandes, Carmen não pode deixar de reparar, e pintadas de rosa, combinando com a blusa que ela estava usando. Ela se lembrara da primeira vez que vira Natalie, ao lado de seu irmão, no shopping. Jamais passara por sua cabeça que eles eram gêmeos. E nem que Natalie gostava de garotas. – Ela não perderia isso por nada.

- Curioso. – ela suspirou, deixando o cabelo de lado. – Se ela soubesse quem seu adorável irmão fez questão de convidar, acho que ela pensaria duas vezes antes de comparecer. – ela fez uma careta.

- Você quer dizer Tim? – ela parecia realmente não saber de quem Carmen estava falando. – Eles tiveram um histórico nada agradável, mas acho que ela não perderia um reencontro com suas pessoas favoritas por causa dele. Na verdade, esquece. Ela perderia. Eles se odeiam.

- Você sabe de quem estou falando. – ela olhou para os lados, certificando-se de que ninguém estava ouvindo. – Mas deixa pra lá.

Caleb, ela podia ver, estava no que parecia ser um assunto agradável com a mãe de uma das convidadas – alguém que, particularmente, Carmen esperava que não estivesse ali.

- Não, eu garanto. – ela podia ouvi-lo dizer. – Segunda feira, as nove, estará pronto. Hoje está meio complicado, por causa do churrasco, mas eu consigo terminar amanhã. Enquanto isso, por que não fica por aqui conosco?

Carmen revirou os olhos. Às vezes, Caleb parecia não ter nem um pouco de tato. Especialmente hoje.

Ela não gostaria de ter se envolvido dessa vez. Não, ela tinha planejado se envolver, mas não desse jeito. Ela tinha pedido para Nat lhe apresentar sua amiga, e, apesar de ter escutado mais vezes do que gostaria "talvez não seja uma boa ideia", "não agora", ela quisera tentar um relacionamento. Na maior parte dos dias, era um mar de rosas. Ela e Marion nunca tiveram uma discussão séria, sem passar mais que dois minutos sem conversar, e, tirando a faculdade em outro estado, nada as deixava distantes.

Mas não significava que ela estava pronta para estar em um churrasco frente a frente com a pessoa que partira incontáveis vezes o coração de sua namorada.

Geralmente, ela não tinha problemas de autoestima – muito pelo contrário; sabia que era bonita. E, modéstia a parte, sabia que era mais atraente que sua possível rival. Mas não conseguia evitar sentir um embrulho no estômago. Apesar do que Cal e Nat acreditavam, ela escutava o que eles comentavam quando achava que ela não estava ouvindo. "Ela ainda não superou" dissera Natalie. "E nem sei se um dia ela vai."

- Relaxe. – Caleb acrescentara, fazendo um gesto com a mão como se desse um tapa em uma mosca. – Ela só precisa de outra pessoa agora. Logo, ela vai esquecer completamente.

- Até parece que você não a conhece. – Nat bufara. – Ela jamais vai admitir que ainda tem sentimentos por ela. – ela abaixou a voz, olhando para os lados, como se conferisse que Carmen estava mesmo no banheiro.

- Não é como se ela estivesse sofrendo. – sua voz estava carregada de sarcasmo. – Me lembro de ela ter dormido com pelo menos três pessoas desde o término. Você foi uma delas.

- Você também. – ela sibilou. – E sua ex-namorada.

- Ok, não vamos tocar nessa parte. O que quero dizer é: Marion está bem. E ela embarcou nesse relacionamento, ou sei lá o que ela e Carmen estão fazendo.

- Em primeiro lugar, sair com outras pessoas é o jeito que ela encontrou de camuflar seus sentimentos, ou evitar pensar neles. O que já é um grande avanço, visto como ela estava nas primeiras semanas. E em segundo lugar, ela disse a Carmen que não garantiria nada. Não estava pronta para um relacionamento de novo. E ambas decidiram tentar. Então, por favor, não precisa ficar comentando sobre isso perto dela.

- Eu só comentei como ela reagia diferente da... – ele se interrompeu, provavelmente ao ouvir a porta abrindo. – Outra.

Carmen se mostrara presente antes que a conversa pudesse continuar. Pelo olhar de Nat, ela sabia que Natalie sabia que ela tinha escutado a conversa. Mas também sabia que ela não ia dizer isso a Caleb. Muito menos a Marion.

Certo, essa última parte ela não tinha certeza. Elas eram amigas há mais tempo, bem antes de Carmen conhecer Natalie. Ela apenas esperava que Marion não soubesse de suas inseguranças. Ou de como ela ficava tendo pensamentos horríveis sobre sua ex.

- Merda. – ela balbuciou, se assustando com o toque do celular. A garota de cabelos acobreados sorria para ela, com uma piscadela, na tela do iPhone. Ela puxou o celular para si antes que mais alguém visse quem estava ligando. – Oi, querida.

- Acabei de chegar à rodoviária. – ela podia sentir o sorriso em sua voz. Ouviu algo ao fundo, um ônibus, provavelmente. – Eu sei, você já está aí há quarenta e cinco minutos e eu sou uma pessoa horrível por te fazer esperar tanto. Eu vou pegar um táxi e estarei aí assim que puder.

- Negativo. – ela revirou os olhos. – Eu vou te buscar. – ela já estava se levantando, procurando as chaves do carro em sua bolsa. – Me espere aí, chego em cinco minutos. E não tente argumentar.

- Tudo bem, docinho, você é quem manda. – ela podia sentir a careta que Marion estava fazendo. – Até já.

- Aonde você vai? – Caleb se materializou em sua frente, ficando no caminho para o portão. – Não pretende abandonar o navio agora, não é? A festa mal começou!

- Gostaria, mas estou indo buscar a convidada de honra. – ela guardou o celular na bolsa. – Hum, sua amiga vai ficar, então?

- Amiga? – ele franziu o cenho. – Oh! – passou a mão nos cachos escuros, a compreensão chegando a seus olhos. – Ela veio buscar o notebook, que eu fiquei de arrumar. Disse que não estava pronto e perguntei se ela não gostaria de ficar.

- E não passou pela sua cabeça o quanto sua melhor amiga adoraria vê-la aqui?

- Bem, eu só estava sendo educado... não esperava que ela fosse aceitar. – ele deu de ombros. – Pearl não gosta de muitas pessoas aglomeradas. Especialmente quando ela não conhece a maioria.

- Ela ao menos sabe que você é amigo da ex-namorada dela? Na verdade, ela sabe que a ex agora tem outra namorada?

- Hum...

- Minha nossa, Caleb! – ela riu, frustrada. – Eu achava que você não poderia me surpreender mais.

Carmen deu as costas a ele antes que pudesse ouvir mais alguma coisa. Passou pelo portão e entrou no carro, contando mentalmente quanto tempo restava para encontrar sua namorada. Ela só precisava abraçá-la; passar alguns minutos só abraçando-a, esquecendo-se da tortura que a esperava quando voltassem.