Capítulo 6

17 2 16
                                    

Aflita.

Carmen se remexia na cama, a culpa deixava-a inquieta. Tinha certeza de que Marion a odiaria se descobrisse; ela mesma já estava se odiando agora, mas não queria esconder nada dela.

Marion estava no banho, ela ainda podia ouvir o barulho do chuveiro, e em alguns minutos elas estariam deitadas, lado a lado, abraçadas, confortáveis. Carmen precisava contar a verdade.

Ou talvez eu possa esperar ela se sentir a vontade para me contar. O que pode nunca acontecer. E também preciso saber o que diabos aconteceu com Hayden.

Talvez não fosse tão importante, já que Nat não sabia sobre nenhuma Hayden, ou teria contado, mas Nat também não sabia sobre a terapia, então Carmen estava relevando mais a informação do que gostaria.

Ela estava preparando seu discurso mentalmente quando Marion saiu do banheiro. Estava com os cabelos levemente molhados, várias gotículas de água escorrendo por seu corpo. Ela se vestiu rapidamente e pulou na cama ao lado de Carmen, que se encolheu.

- Você falou com Caleb? Sobre o trabalho?

- Falei. - ela tentou não olhar para Marion, não com a culpa que sentia. - Começo em duas semanas.

- Fico feliz. - Marion sorriu. Carmen costumava ter uma queda por sorrisos com covinhas, considerando estes os mais bonitos do mundo, mas depois de se apaixonar por Marion qualquer outro sorriso parecia insignificante para ela. - Vocês são minhas pessoas favoritas. Gosto de ver vocês se dando bem.

- É. Legal. - ela tossiu. - Tem... uma coisa que eu preciso te contar.

- O que é? - Marion entrelaçou seus dedos nos dela. Carmen recuou, fazendo com que ela recolhesse seu sorriso. - Está tudo bem?

- Não. - ela riu, mas sua voz falhou. - Eu fiz uma coisa horrível. Você deve saber, mas... se pudesse, eu esconderia para sempre.

- Ei. Ei. O que houve? - Marion estava com uma tentativa de sorriso agora. Apertou a mão da namorada, encorajando-a, o que fez com que Carmen se sentisse pior. - Não deve ser tão ruim quanto você pensa.

- Eu vasculhei suas coisas e li seu diário. Eu quis parar, mas não conseguia. E eu sinto muito. - ela estava quase cravando as unhas na perna. Seu batimento cardíaco estava tão alto que podia ser ouvido do andar de baixo.

Por alguns segundos, que pareceram horas, Marion não disse nada. Soltou a mão de Carmen e arregalou os olhos. Abriu a boca, mas não disse nada. Parecia não saber como responder àquilo. E então, finalmente, ela falou:

- Você... O que? - ela deixou um som escapar de sua garganta e prosseguiu - Não, não diga de novo. Eu não consigo entender... Por que você fez isso? Isso é muito estranho. - essa última parte pareceu ser mais como uma observação feita para si mesma.

- Eu só queria... - ela parou de falar. Entender como você se sentia e ler algo sobre mim, talvez até ler algo que me deixasse com certeza de que você não tem chance alguma de ter uma recaída e voltar correndo para sua ex. - Eu achei que pudesse ter algo que me interessasse.

- Eu não... Eu nem consigo entender o que você está falando. - ela se levantou da cama, recuou alguns passos e assumiu uma pose defensiva.

- Eu queria checar... eu só queria saber como você se sentia.

- Você poderia ter me perguntado!

- É mesmo? Nossa, tem razão, como fui estúpida! - ela sentiu lágrimas se formando, mas tentou manter a voz firme. - O que você faria se estivesse no meu lugar? Hein? Não faça essa cara, não finja que não sabe o que eu quero dizer.

- Eu não sei o que você quer dizer!

- O que você faria se estivesse perdidamente apaixonada por alguém que ainda não superou outra pessoa, que os amigos acham que provavelmente jamais vai gostar de outra pessoa da mesma maneira, que também admitiu para si mesma que não sabe se poderia amar alguém da mesma maneira? - ela estava quase gritando. Sentia-se estúpida, irracional; nem sabia por que estavam brigando. Era totalmente compreensível. Por que Marion parecia tornar tudo tão difícil?

- Você não tinha direito... Ai, meu Deus, eu nem te reconheço!

- Viu só? Você não negou nada do que eu falei, sequer respondeu minha pergunta.

- Isso é estúpido e sem sentido, eu... Eu não estou tendo essa conversa com você. - Marion colocou as mãos na cabeça, puxando os cabelos. Fechou os olhos e fez uma careta. Parecia estar tentando conter uma criança. - Ok. Tudo bem. Você leu meu diário. Não tem importância, são sentimentos passados. Eu perdôo você.

- Então diz pra mim que é tudo mentira.

- O que?

- Diz pra mim - Carmen se levantou também, mas estava indo em direção à Marion, não recuando, como ela fazia. - que tudo que eu afirmei, tudo que eu te acusei, não passa de mentiras, que você não se sente desta maneira. - ela esticou a mão para pegar a de Marion. - Diz que estou sendo idiota, que não devo me preocupar com isso.

Marion não respondeu, mas também não soltou a mão dela. Parecia ter perdido a voz. Carmen achou que esses eram os quatro segundos mais longos de sua vida.

- Eu... - uma lágrima escorreu pelo rosto dela. Ela mordeu o lábio inferior, que estava tremendo. - Carmen, eu sinto muito...

Carmen soltou a mão da namorada. Se ela achou que confessar o que tinha feito era difícil, não sabia o quanto doeria estas quatro últimas palavras.

- Obrigada. - ela sorriu, o gosto salgado das lágrimas passeou por seus lábios. - Era tudo que eu precisava ouvir. - e se virou, saindo do quarto.

- Carmen, espera! - Marion estava se apressando atrás dela, mas Carmen estava se dirigindo à porta dos fundos. - Por favor, espere! Isso não muda nada, eu ainda te...

- Isso muda tudo! - ela gritou, virando-se para olhar para Marion. - Você não vê, não é mesmo? - ela riu.

- Eu te disse que seria difícil, eu...

- Eu amo você! - ela fez com que soasse como um tapa. - Eu não posso passar todo esse relacionamento me sentindo sufocada, que não sou suficiente, sabendo que jamais serei!

- Você não sabe! - Marion tentou segurá-la pelo braço, mas Carmen se livrou do seu toque. - Nós ainda... eu quero ficar com você.

- Como quis ficar com Hayden? Ou com outras mais, duas, três, quem sabe? Até que eu me apegue demais e você entre em pânico e não saiba o que fazer comigo?

- É diferente!

- É? Então me diz por quê?

- Porque... - ela estava mais próxima agora, tão próxima que podia deixar Carmen literalmente contra a parede se chegasse mais perto. - Porque eu... - ela fungou. - Eu te disse isso mais cedo, como você pode agir como se não fosse nada.

- Então fale espontaneamente. Fale como se sentisse, não como se estivesse me respondendo.

Carmen se lembrara de ter lido uma vez que os segundos que mais demoram a se passar é o quando você espera alguém responder à pergunta "Quer se casar comigo?", mas estavam enganados: era quando você esperava ansiosamente por alguém dizer que corresponde seus sentimentos, da mesma intensidade que você, deliberadamente.

- Eu te amo. - ela sussurrou, ainda chorando. - Eu sinto muito, eu prometo que vou fazer isso dar certo, por favor, não acabe com tudo agora.

- Eu preciso sair daqui. - Carmen secou as lágrimas e abriu a porta dos fundos. Deu três passos até Marion aparecer.

- Essa é sua casa! Você não pode sair!

- Então o que é isso que eu estou fazendo? - sua voz estava carregada de sarcasmo. Ela nem sabia para onde estava andando, mas precisava sair dali.

Atrás dela, podia ouvir os soluços de Marion. Depois de algum tempo, ouviu a porta se fechando. Carmen então se permitiu chorar novamente.

CarmenOnde histórias criam vida. Descubra agora