Todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho! – Mário Quintana
Bobby suspirou enquanto fechava a porta atrás de si com o maior cuidado que conseguia, para não acordar seus pais que dormiam tranquilos no andar de cima.
Ele estava cansado, terrivelmente cansado, mas sentia que não iria conseguir dormir mesmo se fosse para a cama agora. Por mais cansado que estivesse sua mente continuava agitada e trabalhando a mil por segundo.
Bobby acendeu as luzes da sala ricamente decorada e andou em direção à cozinha.
Chegando lá, abriu o pequeno armário onde sua mão costumava guardar os remédios e começou a procurar seus calmantes. Cada pessoa possuía seus pequenos vícios e o de Bobby era exatamente esse: tomar remédios que entorpecessem seu cérebro que parecia nunca parar.
Observou a pequena embalagem azul que furtava de cor dependendo da luz do ambiente que se encontrava. Claro que aquilo fora apenas mais uma invenção dele próprio quando seu médico recomendara o uso das drogas.
O maior problema de Bobby era que ele não via o mundo como as pessoas normais. Para ele as cores pulsavam como seres vivos pelo mundo, cada uma com seu próprio jeito, sua própria vida. E deuses, como elas eram lindas. E como ele era apaixonado por todas elas.
Ele jurava que quase podia sentir as vibrações no ar em um ambiente colorido.
Isso somado ao fato de que Bobby simplesmente pensava demais, sobre as coisas mais aleatórias do mundo, levaram seu psicanalista a o receitar calmantes que o ajudariam a se concentrar mais nas atividades do cotidiano.
No começo, Bobby tomou todos os comprimidos a risca, seguindo exatamente o que a receita branca mandava. Depois de algum tempo ele começou a perceber que o mundo estava um pouco mais cinza do que o normal e que a inspiração pra desenhar não vinha como antes.
Foi exatamente nessa época que Bobby conhecera Tael e Zico e também descobrira que o jeito que os remédios lhe deixavam, vendo o mundo sem graça e totalmente sem ânimo para fazer qualquer coisa que envolvesse sua imaginação, era como as pessoas ditas normais sentiam e viam o mundo.
Com 15 anos, Bobby decidiu que ele não queria ser normal.
Zico tinha dezessete e Tael dezesseis e os dois mais velhos resolveram colocar Bobby debaixo de suas asas. Bobby sorria ao se lembrar dos melhores amigos há dois anos atrás. Taehyun estava no auge de sua rebeldia juvenil e havia descolorido o cabelo preto para um loiro quase branco e feito uma tatuagem com a frase Stay Gold no pulso. Tael nunca falara sobre o que a tatuagem significava e muitas vezes Zico havia dito que não tinha significado algum. Já Zico era exatamente a mesma coisa que era hoje, talvez um pouco mais baixo e com cabelos igualmente loiros, como os de Taehyun.
Pensar nos amigos fazia Bobby sentir uma aflição no peito. Ele os conhecia muito bem, sabia que Tae devia estar enlouquecendo na escuridão de seu quarto e Zico estaria se culpando enquanto rolava de um lado para outro na cama espaçosa enquanto tentava dormir.
Bobby suspirou novamente antes de destampar o pequeno recipiente azulado. As pílulas brilhavam lilases e convidativas lá dentro.
Fechou a embalagem sem pegar uma pílula sequer e logo depois o armário. Ele sabia que não precisava daquilo. Ou pelo menos era o que dizia para si mesmo todos os dias, especialmente quando as coisas estavam um pouco mais difíceis que o normal.
Desligou a luz da cozinha e andou até a sala, pronto para subir as escadas em direção a seu quarto. "Mas pra quê?" Ele pensou um pouco triste. "Não vou conseguir dormir mesmo."
Ao invés de ir para o conforto de sua cama, resolveu ir para a pequena estufa onde sua mãe mantinha um jardim improvisado nos fundos de sua casa. Ele imaginou que o ar fresco da noite e das plantas o ajudaria a pensar, a achar um jeito de ajudar as pessoas que o ajudaram tanto.
A verdade era que Bobby estava sim nervoso com tudo que acontecera hoje. Afinal, eles haviam se encontrado com o homem que supostamente detinha todo o poder do Leste, a nação que ninguém sabia absolutamente nada a respeito. E o pior: ele ainda havia dito que queria acabar com o sistema de muros.
Claro que Bobby, Taehyun e Zico odiavam a separação de pessoas com todas as forças que possuíam, mas o que diabos aconteceria se tudo acabasse de uma só vez?
Anarquia. A mera menção da pequena palavra fazia Bobby tremer.
Se King conseguisse derrubar o governo do Sul, ele criaria um segundo Leste, um Leste pior já que teria todo o armamento nuclear que o Sul possuía. E Bobby não queria nem pensar no que King faria com tanto poder de fogo em suas mãos. Ele provavelmente vai destruir o Norte se eles se opuserem a se juntar a essa loucura.
Balançou a cabeça para afastar tais pensamentos. Ele não se daria ao luxo de ser pessimista, pelo menos não agora.
Abriu a pequena porta que dava acesso à estufa. Ao entrar imediatamente sentiu o cheiro das rosas e morangos que sua mãe plantava.
Bobby sorriu e naquele momento soube que aquilo era suficiente.
Pelo menos por enquanto.
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BORDERS
FanfictionO ano é de 2108. Fazem exatamente 80 anos que a humanidade tomou medidas drásticas para manter sua sobrevivência. No século XXI, o sistema de governo implantado por inúmeras nações ao redor do globo, faliu. O capitalismo saturou-se e acabou por leva...