TAEHYUN ODAIR

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Há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
- Pássaro Azul, Charles Bukowski

O ar estava especialmente frio naquela madrugada, Taehyun percebeu ao fechar atrás de si a alta porta de mogno de sua casa. Eram apenas duas da manhã mas o garoto de cabelos pretos-azulados não conseguia dormir.

Taehyun Sirius Odair era uma pessoa ordinária, com gostos ordinários, que viveria uma vida ordinária e depois morreria uma morte ordinária e seria enterrado em um caixão ordinário por seus filhos, que ele não tinha muita certeza, mas pensava que seriam ordinários também.

Claro que o mundo que Taehyun vivia não era ordinário como ele. O mundo era grande, industrial, sujo e deplorável. Tael não podia com o mundo pois ele nunca fora especialmente forte.

Novamente, ele era tristemente ordinário.

As ruas estavam cobertas por uma fina camada de gelo branco, a única coisa pura no meio daquilo tudo. A sua vizinhança era rica, muito rica. Claro que todos daquele lado da fronteira eram especialmente ricos, mas a dele se superava.

Do lado esquerdo de sua casa, morava o empresário dono da Air Sinc, que era a maior empresa de refrigeração e purificação do ar que o Sul jamais conhecera. Do lado direito, o industrial dono da Kirk Enterprises, a maior empresa distribuidora de tecnologia do seu lado das fronteiras.

E o que Tael e os pais faziam ali? Nenhum deles era industrial, empresário. Mas eles possuíam um negócio realmente lucrativo: a venda de livros. Os livros, naquela época, eram raros, quase inexistentes. Com a divisão do mundo, as matérias primas tinham que ser usadas para coisas mais úteis do que a mera produção de pedaços de papel estúpidos.

Mas Dominic e Sien Odair não achavam que livros eram estúpidos. Dominic era químico e passou bons anos tentando desenvolver uma espécie de papel ecologicamente sustentável que pudesse substituir totalmente o produzido a partir da celulose. Sien era algo mais simples, era escritora. Quando Dominic finalmente conseguiu desenvolver o papel, Sien foi capaz de produzir seus livros.

O sucesso foi estrondoso. Jovens de todas as partes da fronteira viajavam até a Capital York V para garantir seu exemplar.

Os pais de Tael, definitivamente, não eram ordinários. Mas ele era. E fora a constatação desse fato que o levava ali, justamente hoje, encarando o enorme Muro que separava o Sul, sua casa, tudo que ele jamais conhecera, do Norte.

Tael já ouvira todos os tipos de histórias imagináveis sobre o Norte. A maioria possuia o mesmo tom: eles não foram capazes de sustentar o sistema que escolheram. A corrupção quebrara o socialismo e as pessoas morriam aos montes. Muito igual ao que acontecera com o mundo, quase um século atrás.

Mas Taehyun não acreditava nessas histórias. Ali, perto da fronteira, o céu e o ar eram mais limpos. Às vezes, ele poderia jurar para você, que escutava alguém cantar uma música que ele nunca ouvira do outro lado.

Seu sonho sempre fora descobrir que tipo de pessoas haviam do outro lado dos Muros. Como elas viviam, o que as faziam sorrir, chorar. Claro que Tael nunca pudera compartilhar esse sonho com ninguém além de seus melhores amigos, Ji-ho e Jiwon. Eles eram as únicas pessoas que Taehyun confiava no meio daquilo tudo.

Desde cedo, todas as pessoas que moravam no Sul aprendiam que jamais, em hipótese alguma, deveriam cruzar a Fronteira. Nem mesmo no dia 31 de Dezembro, quando os Muros eram abertos para que os líderes dos lados se reunissem.

As reuniões sempre eram muito rápidas e quase ninguém sabia sobre o que era tratado lá. O líder do lado Sul, Alexander, sempre era o anfitrião. Florian, representante do lado Norte, sempre aparecia sozinho, chamando o mínimo de atenção possível para si.

O Leste nunca comparecera a nenhuma reunião. Tanto é que de 4 anos para cá, o Sul não abria mais seu lado da fronteira.

Ninguém sabia muito bem em que situação o Leste vivia. Os mais velhos diziam que lá era uma "terra de sem Deus", mas isso caiu em desuso de acordo com o desaparecimento gradual das igrejas. Na escola, todos os professores evitavam falar sobre o Leste, pois de lá nada sabiam.

Tael sentiu a curiosidade crescer em si ao virar o corpo para encarar a Segunda Grande Muralha. Todos os muros foram construídos no limite da cidade capital Sul, York V. Se alguém passase para o lado Norte, se depararia com a Cidade-sede, Venicia. Ele acreditava que o lado Leste não deveria possuir uma Capital, nem mesmo uma Cidade-sede. Bem, se existisse, ninguém sabia nada sobre ela.

Os muros eram cinzas e muito altos. No topo, possuiam umas poucas lâmpadas que haviam deixado de ser acendidas a muito tempo. Alguns artistas haviam desenhado nos muros anos atrás. Frases de protesto por pessoas contrárias a separação também manchavam o cinza desbotado. Tael ouvira dizer que essas pessoas atravessaram o muro para o lado Leste. Jamais ouvira-se nada delas desde então.

Perdido em pensamentos, Tael mal ouviu o aparelho azul chumbo em seu bolso tocar. Não podia acreditar que alguém estava lhe ligando tão cedo. Com dois toques simples, pode atender a chamada de Ji-ho, que apareceu na tela com uma cara animada.

- Você não sabe o que aconteceu, Tae! Eu estava aqui na minha casa e...Espera um pouco, o que você tá fazendo na fronteira às 3h da manhã?

- Ah, o de sempre. - Taehyun respondeu com uma voz cansada. - Não conseguia dormir, fui caminhar e parei aqui.

- Cara, você é louco. Mais louco que eu. - Ji-ho falou com um sorriso sarcástico no rosto.

- Bem, eu tive que vir e observar os Muros. O do lado Norte me acalma por alguma razão.

- Taehyun, o que deu em você pra falar uma coisa dessas logo ai?

- Ah, Zico. Você não sabia? Não existe nenhum tipo de problema em falar essas coisas aqui. E essa é a melhor parte. Os muros são surdos.

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