Capítulo I

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Luciana olhou para o próprio reflexo no vidro do carro e procurou pelos vestígios da noite anterior em seu rosto. Os olhos estavam avermelhados, denunciando as lágrimas derramadas e o sono perturbado, resultado do término de relacionamento pouco amistoso pelo qual tinha passado. Mas ela tinha conseguido certo sucesso em sua maquiagem, que disfarçou um pouco as marcas daquele momento que ainda era tão recente. Ajeitou alguns fios de cabelo e suspirou, sabendo que teria de seguir aquele dia da melhor forma possível, de preferência como se nada tivesse acontecido.

Conferiu o relógio de pulso e viu que estava adiantada, como de costume, para o trabalho. Faria hora extra naquele sábado, a pedido de seu chefe, terminando de revisar alguns releases que seriam utilizados para anunciar um evento literário que aconteceria a partir daquela semana. Ela tinha aceitado fazer aquele serviço no fim de semana, sem saber que agradeceria horas mais tarde o fato de poder ter algo para ocupar sua mente e a impedir de curtir a dor de cotovelo, como seria o natural.

Enquanto ela entrava no prédio e se encaminhava para os elevadores, Luciana ouviu o toque do celular. Abriu a bolsa, procurou pelo aparelho e olhou para a tela: estava escrito aquele nome que ela menos estava disposta a ler. Enquanto pensava se iria atender ou não, viu que Juliana, sua colega de trabalho, se aproximava. Apertou "ignorar a ligação" e desligou o telefone, colocando nos lábios o melhor sorriso que pode improvisar.

— Bom dia, Luciana.

— Bom dia.

Elas se cumprimentaram com um beijo no rosto.

— Então o Júlio convocou você também? — Juliana perguntou, apertando o botão do elevador.

— Pois é...

Luciana olhou para os sapatos, tentando evitar que a outra a observasse com mais atenção e fizesse perguntas que ela não estava disposta a responder.

— Você vai ficar pra festa surpresa do Júlio?

Luciana franziu a testa.

— É hoje isso?

— Sim, pensei que o Paulo tinha te falado ontem. Vamos chamar ele aqui e depois levar pro barzinho que a gente sempre vai.

O elevador se abriu e as duas entraram. Luciana levou a mão à testa.

— Não liga pra mim, Juliana, 'tava bem distraída ontem.

A moça soltou uma risadinha abafada.

— Deu pra perceber. Mas e então, você vai?

Luciana não estava nem um pouco no clima para festas surpresas ou qualquer coisa que iluminasse em sua mente a palavra "diversão". Porém, era a festa do seu chefe, portanto ela tinha dever profissional de estar presente, pelo bem de sua carreira. E ficar fora de casa mais algumas horas não parecia uma ideia tão ruim afinal. Era preciso um pouco de tempo até que ela não visse mais vestígios da ex por todos os cantos do seu apartamento.

— Claro, por que não?

.::.

Luciana estava no balcão, afastada do resto do grupo, aproveitando para ficar distante agora que todos estavam lubrificados o suficiente para sequer notar que ela não estava na mesma pegada de diversão do resto da equipe. Ela se limitava a observar a diversão dos seus colegas de trabalho e de seu chefe e aquela visão trazia uma vasta gama de sentimentos contraditórios: era bom ver a felicidade estampada no rosto daquelas pessoas que eram tão sérias no dia a dia e concentradas nos próprios afazeres e, ao mesmo tempo, encarar aquela aura que pairava sobre eles a tornava consciente da tristeza que estava sobre a sua vida naquele momento.

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