A mente de Luciana estava a quilômetros do trabalho, local onde apenas seu corpo marcava presença, e por isso mesmo sequer ela foi capaz de perceber a aproximação que Júlio fez de sua mesa.
— Terra chamando Luciana. Será que posso contar com ela pra dar conta desse release?
A voz do chefe puxou Luciana de seus pensamentos, mas ela ainda demorou alguns segundos para se dar conta de onde estava e que precisava retornar aos afazeres rotineiros.
— C-claro, Júlio — ela achou o sorriso em algum lugar, pegando o pen drive das mãos do rapaz. — Deixa comigo.
Júlio se afastou sorrindo e Luciana imaginou que isso seria motivo de piadas do chefe mais tarde. Essas eram as desvantagens de tê-lo como chefe: nada passava despercebido de seu senso de humor. Mas não, ela não se preocuparia com isso agora, pois precisava retomar sua rotina e soltar o que lhe foi pedido.
Enquanto Luciana colocava o pen drive em seu computador, sua mente retornou ao lugar anterior, quando refletia sobre as palavras ditas por Marina dois dias atrás.
Aquele sonho parecia já tão distante de si, colocado numa gaveta tão funda onde era consumido apenas pela poeira e esquecimento. Era como se tivesse ficado preso àqueles pensamentos da infância e da adolecência; aquele tipo que preferimos esquecer quando amadurecemos, pois tem cheiro de coisa infantil e completamente incompatível com a vida adulta. E, por mais que sentisse falta de alimentar o mundo de suas doces fantasias com o dia em que lançaria sua primeira criação literária, apresentando ao mundo personagens amados de sua criação, era mais fácil dizer a si mesma que tudo mudava, inclusive as prioridades e o que deveria ser esquecido.
Mas será que deveria deixar o sonho de ser escritora para trás mesmo? Foi a recomendação de seus pais, tão insistentes que a guiaram para a faculdade de jornalismo, algo que estava razoavelmente perto (embora não perto o suficiente) do que realmente amava, algo que acabou aceitando e até gostando de fazer. Porém, mais do que isso, conformando-se e se adaptando aos fatos da vida; afinal não era isso que significava virar uma pessoa adulta?
Talvez as coisas não tivessem que ser mesmo dessa forma. Ela não tinha tentado de fato colocar o sonho em prática, sequer sabia como essas coisas funcionavam. Não faria mal pelo menos pesquisar sobre o assunto, colocando o tema em um site de busca e lendo um artigo ou outro, não é mesmo?
Assim que terminou sua tarefa profissional e enviando o texto finalizado por e-mail para o chefe, Luciana resolveu que faria isso mesmo. Estava curiosa em saber o básico das coisas no mundo editorial, em como tudo isso funcionava e quais eram os passos fundamentais para poder começar, caso tivesse algum interesse em tirar seu sonho empoeirado da gaveta.
Foi uma pesquisa que acabou se transformando em horas e horas de leituras, estudos, vídeos com depoimentos de escritoras e escritores já experientes no mercado e outras coisas que agitaram muitas e muitas ideias na mente de Luciana. Era como voltar a ter quinze anos e exalar juventude por todos os poros, querendo fazer tudo e achando que o tempo é infinito e, ao mesmo tempo, que tudo demora demais para acontecer. Eram sensações que renovavam e a deixavam mais perto de colocar em ação algum plano que ainda não tinha estruturado bem. Um que não via a hora de ver acontecer.
A vida era engraçada, trazendo de volta uma pessoa que já não esperava voltar a encontrar e, junto a ela, a esperança de tornar realidade um sonho que já tinha dado por acabado. Era uma fagulha de satisfação da qual ela já não estava mais disposta a abrir mão.
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A ansiedade já tomava conta de Luciana, que se ajeitava na cadeira naquela cafeteria que podia ser encontrada em uma travessa da Avenida Paulista. Seus olhos se movimentavam de um lado para o outro, buscando a familiaridade daquele rosto que esperava encontrar. Ela não só desejava mostrar a Marina aquele lugar aconchegante, que gostava tanto e que poucas pessoas conheciam ou frequentavam, mas também estava bem alegre em contar a ela as resoluções que tinha tomado.
Luciana e Marina já tinham se encontrado várias vezes nos seis meses que se seguiram desde aquele reencontro no barzinho e, a cada vez que saiam juntas, ficava aquela sensação de que elas sequer tinham se separado e que a amizade seguia mais forte que nunca. Mesmo assim, Luciana quis esperar um pouco para contar o que andava pesquisando e planejando, até que algo desse algum resultado definitivo, digno de ser contado e comemorado.
O sorriso tomou conta dos lábios de Luciana quando ela viu que a amiga tinha finalmente chegado ao local. Ela acenou, sinalizando onde estava, até ter a certeza que tinha sido captada pelo olhar de Marina. Então esperou que ela sentasse para pedir que um dos funcionários se aproximasse para que elas pudessem fazer os pedidos. Luciana já tinha em mente o que queria consumir, mas ela esperou que Marina achasse algo que aparentasse agradar seu paladar, deu algumas sugestões e auxiliou na finalização do pedido.
— Que lugar agradável... — Marina olhava ao redor, analisando o visual do local.
— Minha cafeteria favorita: ajeitadinha, agradável, com um ótimo atendimento e com coisas deliciosas.
Marina acenou, dando mostras que suas primeiras impressões do lugar batiam com a opinião expressada pela amiga.
Luciana e Marina colocaram o papo em dia, conversando sobre amenidades, até que os pedidos chegaram. Elas conversaram sobre os assuntos do dia a dia mais um pouco, enquanto comiam. Luciana percebeu a satisfação com o lugar no rosto de Marina e não teve mais nenhuma dúvida quando a amiga elogiou a comida.
— Queria mesmo que você tivesse gostado desse lugar — Luciana disse, um pouco depois de limpar a boca com um guardanapo de papel e colocando o prato já vazio e lado. — É um dos meus favoritos e queria muito compartilhar com você.
Ela viu um sorriso brotar nos lábios de Marina e seu coração se aqueceu.
— Obrigada por isso, Lu.
— Bem, falando em compartilhar...
Luciana pegou a bolsa que estava ao seu lado, colocando no colo e remexendo em algumas coisas ali dentro, até que achou uma pequena caderneta, a qual deixou sobre a mesa, aberta em uma determinada página.
— Andei fazendo umas pesquisas depois que você me falou que eu não deveria desistir do sonho de ser escritora. Pensei que esses concursos literários podem ser um começo interessante. Que tal?
Marina deslocou o olhar de Luciana para a pequena caderneta, lendo o conteúdo e sorrindo diante do planejamento ali demonstrado. Era bom ver alguém retomando sonhos e desejos, especialmente alguém tão querida quanto Luciana.
— Uau! — Marina olhou para a amiga, com um sorriso que atravessava seu rosto. — Isso é...maravilhoso demais!
Luciana apertou os lábios, os olhos brilhando com a satisfação de compartilhar os planos.
— Eu 'tô bem empolgada pra falar a verdade.
Os olhos de Marina correram mais uma vez pelas linhas da caderneta.
— Esse aqui — ela apontou uma das linhas com o dedo indicador. — É um concurso de romance?
— Sim, isso mesmo.
— E você consegue escrever alguma coisa a tempo?
Luciana pegou a caderneta de cima da mesa e a fechou, voltando a guardar em sua bolsa.
— Na verdade eu tenho um material que escrevi na época da faculdade, quando fiquei um bom tempo em Campinas, sem voltar pra nossa cidade natal. Acho que uma parte de mim queria voltar pra casa, então escrevi sobre essa garota voltando pra sua cidade depois de um bom tempo e retomando os negócios da família, sob os olhares curiosos dos outros moradores da cidade. Enfim... — Luciana corou. — é muito difícil resumir essa história. Mas, em linhas gerais: 'tô revisando esse original pra poder mandar e... queria que você lesse e opinasse, pra me dizer se é bom o suficiente pra algo assim.
Marina piscou algumas vezes, tentando definir se tinha ouvido direito.
— Sério que você quer que eu leia o que você escreveu?
— Gostaria muito, de verdade.
A mão de Luciana estava sobre a mesa e Marina sentiu o ímpeto de colocar a sua por cima da dela, algo que não hesitou em fazer e que não causou nenhum arrependimento.
— Não vejo a hora de ler então.
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Todos os sonhos do mundo
Romance"À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo." Tabacaria - Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa) Luciana tinha um sonho que estava guardado no fundo de sua gaveta há muito tempo, pegando a poeira do conformismo e d...