Capítulo IV

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Marina tirou o notebook do colo, colocando-o ao seu lado na cama. Respirou fundo, esfregou os olhos e sorriu, suspirando. Tinha acabado de ler o original revisado de Luciana e estava feliz de tê-lo concluído, não só por poder ajudá-la conforme compromisso assumido com ela, mas pelo resultado e pela satisfação de contemplar o talento da amiga.

Depois de processar o que tinha acabado de ler, Marina pegou um caderno que estava no criado-mudo ao lado da cama e fez mais algumas anotações, concluindo todas as suas impressões sobre o livro. Com qualquer outra pessoa ela prepararia um documento no computador e mandaria imediatamente pelo e-mail. Mas Luciana era diferente; por mais que a moça estivesse acostumada em escrever e trabalhar no meio digital, havia alguma coisa nela que apreciava cadernos e anotações feitas à tinta e Marina tinha certeza que deixaria a amiga muito mais feliz se lhe entregasse um caderno de espiral repleto de palavras escritas de próprio punho. E tudo o que ela queria era agradar Luciana. Gostava da sensação de colocar um sorriso nos lábios dela e mostrar como a conhecia tão bem.

Quando Marina terminou de escrever, colocou o caderno no lugar anterior, suspirando mais uma vez. Pensou que a amiga iria longe; tinha o talento, estava motivada e trilhando os passos certos. Não tardaria para ver o antigo sonho ganhando forma e cor bem diante dos seus olhos.

Era inspirador ver alguém trilhando o caminho que levava à realização de um sonho que habitava o profundo de seu coração e que era tão desejado. Marina queria ter a coragem da amiga para fazer algo assim.

Marina sentou sobre a cama, colocando os pés no chão. Tateou as gavetas do criado-mudo, até abrir uma delas, que era a segunda de baixo para cima. Havia um livro ali, que ela tirou e colocou sobre o colo, passando a mão sobre a capa, os olhos lendo letra a letra o que estava impresso ali. Suspirou mais uma vez, o sorriso desmanchando com a invasão das lembranças que foram acionadas por aquele volume que fazia peso sobre suas coxas.

Fechando os olhos, Marina deixou o livro de lado. Queria ter a coragem ou a força para dar aqueles passos, mas não se achava capaz. Acabaria mexendo com coisas que estavam quietas, enterradas no fundo de seu subconsciente, as quais ela preferia que permanecessem dessa forma. Permitia que ela conseguisse viver consigo mesma e que seus dias se seguissem com alguma normalidade.

O celular de Marina tocou em algum lugar e ela saiu do transe. Procurou com certa ansiedade pelo aparelho que pedia por sua atenção e o achou perdido no meio das cobertas. A tela piscava e uma mensagem pedia para ser lida: era Luciana, falando que tinha mandado o primeiro conto para um dos concursos. Essa informação voltou a colocar um sorriso nos lábios de Marina e ela se esqueceu por um segundo das próprias frustrações e temores, alegrando-se pela coragem da amiga.

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Marina estava no sofá da casa de Luciana, vasculhando a internet de fora a fora. Ela procurava por mais informações sobre concursos e seleções para antologias. As possibilidades eram enormes e Luciana queria que ela fizesse um pequeno filtro: o foco era priorizar mais publicações que premiações em dinheiro.

Luciana estava de frente para o PC dela, trabalhando nos últimos retoques e revisões do original. O concurso de romances era seu grande objetivo no momento e tudo precisava estar perfeito. Ela olhou para Marina, sorrindo, pensando que a amiga era a maga dos sites de pesquisa, sempre separando as melhores oportunidades. O que faria sem a ajuda dela?

— Ok, anotei mais alguns links aqui pra você olhar mais tarde, Lu — Marina fechou o notebook e o colocou de lado, jogando a cabeça para trás e fechando os olhos.

— Maravilha — comentou Luciana, voltando o foco para o monitor à sua frente.

Marina levantou e foi na direção de Luciana, ficando atrás dela e colocando as mãos no encosto da cadeira da amiga.

— E aí?

— Quase lá, quase lá — disse Luciana, suspirando. — Quero mandar o melhor que puder.

— Você sabe que um erro ou outro vai passar, não é?

Luciana estremeceu com o som da palavra "erro".

— Sim, sei, mas quanto mais eu filtrar, melhor pra mim.

— Ok, ok, você tem razão.

Luciana pegou o caderno que estava ao lado do teclado do computador e o fechou, entregando-o à Marina.

— Por que você está devolvendo?

— Porque é seu.

Marina empurrou o caderno de volta para Luciana.

— Não, agora é seu. Nunca se sabe se você vai precisar de novo. Ou se vai vender na internet por quinhentos reais quando for bem famosa.

Luciana riu, colocando o caderno novamente ao lado do teclado.

— Suas anotações me ajudaram demais, sabia? Não só os elogios, que me fizeram muito feliz, mas várias observações que você fez me ajudaram a mudar algumas coisas importantes na história. Foi legal ver o que você disse aqui e ajudar algumas coisas. Sério, você não sabe como isso foi fundamental pra mim. Sem contar o toque especial de ter escrito tudo isso no caderno.

Marina sentiu que as bochechas estavam quentes e sabia que estava corando.

— Sabia que você ia gostar de ter um caderno cheio de anotações — disse Marina, sorrindo. — E fico feliz de poder ter te ajudado, mesmo.

— Não sabe como, Marina.

Alguns minutos se passaram até que Luciana finalmente salvasse as últimas alterações feitas no texto. Ela então abriu mais uma aba no navegador, onde digitou o site do concurso. Preencheu os dados pedidos, anexou o documento onde estava seu original e estava pronta para apertar Enter e enviar. A garganta secou e ela fechou a mão que estava pronta para a tarefa, colocando-a sobre o colo.

— O que foi? — Marina franziu a testa.

Luciana olhou para trás e encontrou os olhos da amiga.

— 'Tô nervosa.

Aquele era o momento mais importante de toda aquela retomada do antigo sonho. Luciana sabia que os resultados daquele concurso poderiam ser definitivos para sua jornada, para o bem ou para o mal. E era justamente essa incerteza que estava fazendo com que seu estômago desse tantas cambalhotas.

— Normal, Lu.

Luciana apertou os lábios.

— Eu não quero me iludir que isso vai dar certo pra depois dar de cara com a parede, sabe?

Marina segurou a mão de Luciana.

— Não se dê por vencida antes de tentar. Sua história tem potencial e pode chegar muito longe.

— Mesmo?

— Mesmo — ela deu um aperto de leve na mão de Luciana. — E, ainda se você não conseguir ir bem nesse concurso, essa não é a sua única chance. Então vamos, que hoje é o penúltimo dia pra mandar.

Luciana assentiu, virando para a tela sem soltar a mão de Marina. Inspirou fundo, segurando o ar e apertando o Enter, soltando o fôlego que prendia. Sorriu, sentindo Marina colocar a outra mão em seu ombro. As duas ficaram ali por um bom tempo, encarando a tela do computador e imaginando o que viria a seguir.


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