{Alyssa}Minha mão se desprendeu da torre e senti meu corpo em queda, o chão vários metros abaixo de mim. Ia morrer. Ia cair, meu corpo se espatifaria no solo, meus membros se desprenderiam do meu corpo, minha essência deixaria de existir.
Senti uma mão gelada se agarrar á minha e me puxar com força, e meu corpo subindo na torre novamente. O rosto de Trish, contorcido de dor e sofrimento, me encarar.
E então olhei para baixo, vi Karam caindo. Em direção ao chão de concreto das ruas, em direção á morte. Vi Karam caindo ao invés de mim.
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Meu corpo tocou o chão congelado da torre á medida que tentava perceber o que estava acontecendo. Trisha havia me salvado, eu estava viva. Respirei o ar frio e olhei para a frente, observando a escuridão da noite e o céu negro sem estrelas, como um copo vazio. Subitamente, ouvi um som alto, um repetino e abafado baque, um corpo batendo no chão com força.
Não. Estava com muito medo de olhar para baixo. Uma lágrima se derramou dos meus olhos, se congelando logo em seguida por conta do ar gélido noturno. Sentia vontade de deixar de existir, de me desintegrar. Eu não caí, eu não morri. Eu não bati no chão, meus ossos não se deslocaram. Meu sangue não foi derramado no chão branco de neve; e sim o de outra pessoa.
Olhei em volta, na torre. Abel estava acordando e Estelle cortava o gelo em seus pés para que pudesse se soltar, ambos percebendo o que aconteceu e ficando pasmos. Trish estava do meu lado, mas não me olhava: encarava o chão, como se ele pudesse lhe dar alguma solução. Suas asas estavam recolhidas, e diversos cortes se espalhavam por seu corpo. Seu olhar era como a neblina tampando o sol no surgir do dia, atravessando qualquer coisa e se sobrepondo a tudo, englobando a luz e proibindo esta de brilhar.
Queria tirá-la do seu sofrimento, limpar sua mente do que havia acontecido, mas não conseguia nem me mexer. Sentia dor. Muitas mordidas preenchiam o espaço da minha pele e o sangue cor de vinho combinava com o negro das minhas roupas.
Conseguia me identificar no vazio da noite, mas também no sangue que encharcava o solo ao nosso redor. Sangue e gelo preenchiam minha vista, até que esta foi embaçada pelas lágrimas.
Encostei minha cabeça em uma das colunas da construção e fechei meus olhos, tentando me esconder na escuridão que minhas próprias pálpebras formavam.
Abel se levantou e, fraco, caminhou até nós. Não precisou perguntar para entender o que tinha acontecido: apenas abraçou cada uma e nos ajudou a levantar. Estelle veio logo atrás, e nós quatro descemos da torre. Um clima pesado pairava no ar, como se o peso do mundo houvesse sido comprimido á nossa volta.
Quando chegamos na base, olhei de relance o corpo no chão e depois não consegui olhar mais. Ouvia uma ambulancia chegando. Estelle disse que podia conversar com os bombeiros e Abel a acompanhou, deixando tanto eu quanto Trisha encarando o chão, devastadas.
Uma secura tomava conta da minha garganta e parecia que o frio da noite havia aumentado. O céu se assomava sobre nós como uma rede de pescadores, só que inteiramente negra e sufocante.
Caminhei, aos tropeços, para um
banco ali perto. Trisha me seguiu, e ambas nos sentamos. Não nos tocávamos: uma barreira se colocava entre nós, cada uma tendo que lidar com o próprio luto. Ela havia escolhido; eu havia sido escolhida. Talvez o dela fosse pior.
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Adversus
Fantasytrês semideuses filhos de deuses menores se juntam para ajudar uma deusa menor ainda - e acabam se envolvendo mais do que gostariam. (feita pra gincana de PJO/HDO e escrita junto com Tiago Adulis)