A fúria dominou o corpo daquela garota. Seu punho estava fechado de tal forma que suas unhas feriram sua pele e já era possível ver um rastro de sangue escorrendo pela pele branca da menina. Ela não conseguia pensar em mais nada além de seu irmão. O tempo, para aquela garota, passou a rastejar-se. Era possível ver e até mesmo contar a quantidade de flocos de neve que caiam no couro cabeludo de seu pequeno irmão enquanto ele estava sendo levado.
O que ela iria fazer agora? Seu corpo franzino, seus braços fracos, e sua mão ferida não seriam capazes de derrotar aquele guerreiro que destruiu a sua família. O que poderia ser feito?
Desistir?
Permitir que todos os esforços dos seus pais fossem em vão? Negar todos aqueles fatos e procurar o vizinho mais próximo de sua casa para conseguir abrigo e alimento?
Não.
Mesmo com sua pouca idade e seu pouco discernimento do mundo, ela sabia que não deveria fazer isso. Seu irmão não poderia ser levado embora, seus pais falavam para ela que se ele fosse levado, correria um grande risco de não voltar mais, quando ela perguntava o motivo eles sempre falavam: "querida, são milhares de crianças, você acha que eles conseguirão entregar cada um para as suas respectivas famílias novamente? Muitos morrerão durante a viagem, outros serão trocados ou abandonados. É só observar, eles estão evitando trabalho ao levarem todos os possíveis prodígios, quando constatarem que seu irmão não é o prodígio, eles não terão muita preocupação em devolvê-los para nós, somente os sortudos retornarão para suas famílias".
Se ele fosse, ele não voltaria, assim como os seus pais nunca mais vão voltar. Sachiel pensou.
– Solte o meu irmão! – Ela gritou com todas as suas forças.
A ira que a garota possuía teria se transformado em coragem e lhe deu forças para ao menos tentar evitar aquilo, como seus pais tentaram. À medida que ela pronunciava essas palavras, sua mão ferida ergueu-se com a palma aberta, indicando o sinal de pare. Foi o sinal mais sofrido que ela fez. Necessitou de muita força, parecia que sua mão pesava toneladas e por pouco não conseguiu movê-la.
Entretanto, tudo aconteceu muito rápido.
Ao mesmo tempo em que a garota movimentava sua mão, uma avalanche, por trás da menina, moveu-se em direção ao guerreiro e a seu irmão, bifurcando-se apenas ao entrar em contato com os pés da garota. Aquele amontoado de neve se formara em um milésimo de segundo e, mesmo assim, adquiriu uma velocidade impressionante.
Ao ver que a neve deslizava com uma enorme velocidade, o guerreiro percebeu que cada segundo seria decisivo para que sua vida e a de Joseph fossem poupados. Se aquele amontoado de neve os alcançasse, eles seriam arrastados pela força da avalanche e provavelmente ficariam presos debaixo da neve, o que os levariam a morte dura e cruel.
Ele passou a correr com toda velocidade que poderia atingir. Porém, ao analisar aquela situação, percebeu que seria extremamente difícil manter uma boa velocidade e ao mesmo tempo carregar aquele garoto. A altura que o alude atingia possivelmente chegava aos seus ombros, porém se o alcançasse, ele certamente iria escorregar.
Existiam apenas duas opções: soltar o garoto e garantir sua vida ou continuar lutando pela sua vida e pela vida daquele pequeno menino. Por isso, vendo seu iminente fim, ele tomou a atitude que mais lhe pareceu honrada e sensata a se fazer.
Com sua mão direita, o guerreiro fincou sua lança suja de sangue o mais alto que pode em uma árvore que possuía o tronco mais grosso. Puxou o menino para mais próximo de si e os manteve preso àquela árvore o maior tempo possível. Aquilo talvez não fosse suficiente para que eles pudessem sobreviver, mas ele queria provar para si que era capaz daquilo, ele não iria tirar mais uma vida, ele não era aquele monstro que se tornara. Os impulsos da besta não tomariam conta de seu corpo novamente, ele precisava se redimir do que teria feito aos pais daquele garoto.
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Anjo da Água
FantasyEm meio aos escombros de uma guerra, são as crianças que carregam o fardo de seus ascendentes. Elas são as únicas capazes de transformar uma centelha em uma erupção. Possuem o potencial de iniciar uma revolução, mas também podem trazer o apocalipse...