Sempre é tempo

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-Vou ligar para ela.

Essa era a coisa a se fazer. Sim é. Não fez. Passou-se um tempo. Casou-se, mas nunca esqueceu, ficou viúvo.

Porões são sempre lugares de incríveis descobertas , crianças gostam porque lá se sentem donas de reinos invisíveis, são reis e rainhas do escuro e da poeira, exploradores de mapas e tesouros que só existem lá, enfim são reinados de cabeças que veem o mundo com os olhos de pássaros. Adultos não gostam de porões porque só conseguem ver umidade, poeiras e coisas velhas , mas algum dia é necessário limpa-los.

Revendo suas caixas da adolescência e vendo que seu mundo mudou, já conseguia ver as poeiras, reflexo talvez de sua irresponsabilidades como dono de casa. As caixas são coisas que ficam muito pesadas com o passar dos anos e aquela em especial... sua tampa era de madeira com um símbolo de uma águia dentro de um coração.

Águias são animais que voam acima de todas as coisas, são solitárias e quando  ficam velhas se retiram em lugares altos e esperam a morte.

Quando era jovem havia desenhado uma naquela caixa. Resolveu que colocaria ali todas as suas melhores lembranças, não conseguiu. Faltaram muitas. Colocou ali somente as que conseguiu. Pensava no quanto aquilo fazia era nostálgico.

Dentro havia um livro "passageiros do futuro", se lembrava vagamente da estória, apenas recordava que era sobre um garotinho do futuro que sem querer embarca em uma viagem no tempo e vem parar no Rio do final do  século XX e lá se apaixonava por uma garota do passado.

Embaixo do livro tinha um desenho que ele mesmo havia desenhado, era de sua juventude rebelde, dos tempos de ditadura, se recordava que tentara desenhar um rosto do Che. Como era gostoso recordar suas aventuras de jovens. "Como são imprudentes".

Havia outras coisas: uma pena de um pássaro, foto dos pais, fotos de sua época exilado no Chile, mas algo chamou muito sua atenção um cartão postal de uma igreja chilena . Tinha recebido quando voltou do exilo, era da mulher que mais amou em toda sua vida, a conheceu quando ainda morava no Chile, ela também estava em seu exilo, mas de forma espontânea, era uma brasileira do interior de Minas, seu nome Izabell, morena, estatura media, cabelos volumosos e pele macia igual a seda.

Os dois trocaram juras por um bom tempo até o dia em que a ditadura terminou e ele regressou ao Brasil, eles nunca mais se comunicaram ou se viram, era verdade que ele havia recebido o telegrama com um numero de telefone...

-Vou ligar para ela.

Não sabia se era a coisa certa a se fazer.

Uma chamada, duas chamadas...

-Alo.- era uma voz cansada, porem já muito conhecida.

-...

-Alo, com quem eu falo?

-Francisco.

-Aguardo sua ligação à quase trinta anos...

Nessa vida aprendemos que nada volta como foi um dia, e de fato esta é uma das maiores verdades já dita pelo homem, entretanto nós, os humanos, temos um dom: conseguimos dar sequencia em nossa vida apesar de tudo. Amar também é nunca esquecer grandes momentos e nem das pessoas com as quais vivemos esses momentos. Podemos até nos separar dessas pessoas, mas nunca é tarde de dar continuidade desses momentos.

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