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O Kotai reuniu-se sob a sombra de uma palmeira. Cenários arenosos sempre predominavam nas visões criadas por Mahira.

A raposa cinzenta de oito caudas dirigia-se ao pequeno grupo de quatro raposinhas menores. Cora, Edith e Leonora penduravam-se em suas palavras, enquanto Amelia apenas postava-se ao lado da tutora, orgulhosa. Teria sido mais esperta se escondesse sua felicidade, pois Mahira estava possessa e já havia feito-as escutar um senhor sermão por mais de meia hora.

"Graças ao plano extremamente irresponsável e amador de vocês, com o qual eu jamais teria concordado, tivemos acesso a uma série de informações úteis para o Clã. Os arquivos foram decodificados hoje pela manhã" ela explicava.

"E então?" Leonora balançava-se para frente e para trás, indócil. Apesar de ainda possuir apenas uma cauda, era a maior dali em comprimento. Sua empolgação era quase palpável.

"Conseguimos descobrir os responsáveis pelo ataque à mansão" disse Mahira. "Nossos inimigos eram apenas um bando de mercenários, duvido que realmente soubessem com o que estavam lidando. Apenas obedeciam ordens. O que mais nos interessa é apurar a quem eles obedeciam."

"E quanto ao homem que matou Franchesca?" Cora perguntou.

Mahira meneou a cabeça.

"De acordo com os relatórios da missão, temos quase certeza tratar-se de um ex-combatente da Marinha Inglesa. Temos informações sobre cada membro do bando mercenário em outro conjunto de arquivos."

"E o que vai acontecer agora?" disse Edith num fiapo de voz.

A rapoza cinzenta endireitou as costas, erguendo o focinho:

"O Clã cuidará dele."

Cora sentiu os pelos da nuca arrepiarem-se, a tensão percorrendo todo o círculo de raposas ao redor. Elas seriam diretamente responsáveis pela ruína de uma pessoa. Um assassino, é verdade, mas ainda assim um ser humano. Estranhamente, Cora não identificou em seu âmago remorso ou culpa, mas apenas uma cálida sensação de justiça, misturada a um enorme sentimento de poder. Kitsunes eram capazes de girar as engrenagens do mundo, sendo juízas de si mesmas num universo muito acima das leis. Essa noção, que sempre a amedrontara, agora fazia brotar certo orgulho dentro dela. Cumpririam a promessa feita à Eloise. Franchesca, a companheira de bando perdida, seria vingada.

Mahira esperou que cada uma absorvesse as informações antes de prosseguir.

"Acreditamos que a ordem de ataque surgiu a partir de um antigo grupo de Caçadores, conhecidos como Cães de Jade, ou Cães Imperiais. São uma das poucas organizações que não estão atrás das kitsunes por questões econômicas ou políticas, mas sim ideológicas. Os Cães remontam ao período feudal, caçando raposas por considera-las seres demoníacos. Graças ao material fornecido por vocês, temos novos meios de revidar."

"E o que nós vamos fazer?" perguntou Leonora.

"O que o Clã fará" disse Mahira, ressaltando cada uma das palavras "é investigar e retaliar, mas isso está bem longe da alçada de vocês. A desobediência de vocês não pode ser esquecida apenas porque tiveram sorte e bons resultados numa empreitada qualquer."

"Empreitada qualquer?" Cora franziu o cenho. "Você esqueceu o quanto tive de sacrificar para conseguir acesso a esses dados?"

"Isso não faz de você grande coisa, Cora, sinto informar. Eu a parabenizo por seus feitos, mas você não passa de uma Yako de três caudas. Temos muitas vidas sob nossa responsabilidade para arriscá-las, por mais prodigiosas que vocês acreditem ser. Não importa o quão impressionantes sejam suas habilidades: temos um protocolo rígido a seguir. Um protocolo que foi capaz de nos manter vivas por séculos. Então sim, eu estou ordenando que cada uma mantenha seu focinho o mais distante possível deste assunto."

Dons de Inari - Parte IOnde histórias criam vida. Descubra agora