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Cora nunca sentira tanto nojo em toda a sua vida.

O plano, felizmente, ia às mil maravilhas. George realmente acreditava que Cora estava disposta a entregar-se por uma ajudinha na carreira, e ela tomara todos os cuidados necessários para que ele mantivesse os olhos somente nela por toda a noite. Também o ajudara a derrubar uma boa quantidade de doses na festa, deixando-o bastante embriagado.

Agora observava a cidade passar calmamente através da janela do carro em movimento. O motorista de Persson seguia em ritmo lento, deixando-os aproveitar a vista noturna de Catslake, banhada pela lua. George devia estar achando aquilo tudo muito romântico, pois aproveitou para esfregar com força a perna da garota a seu lado no banco de trás.

A cada nova investida, o tecido do vestido subia mais um pouco, deixando sua pele alva à mostra. Quando aquela mão indesejada finalmente alcançou sua coxa direita, Cora não conseguiu manter o personagem. Retraiu a perna por apenas um segundo, instintivamente, porém o suficiente para ser notada. Seu rosto tornou-se vermelho.

George ria, abobalhado pelo álcool:

"Você fica ainda mais adorável nervosa, meu bem. Não precisa ter medo. Pela sua idade, você deve ser nova nessa área, mas vou cuidar bem de você. E saberei ser grato se você também cuidar de mim."

Cora sorriu aliviada, recompondo-se. Aquele homem era seriamente doente, mas pelo menos seu disfarce continuava de pé. E para sua sorte, George desistira de sua perna e agora acendia um charuto fedorento que pegara num dos porta-objetos do carro.

Cada baforada de fumaça no ambiente fechado fazia com que a cabeça de Cora latejasse. Ela lutou para que os olhos não enchessem de lágrimas e para manter a garganta úmida. Olhando de relance, tentou enxergar a hora no enorme relógio de pulso do homem a seu lado.

"Só mais alguns minutos" pensou. "Você precisa aguentar mais alguns minutos."

Chegaram pouco tempo depois ao mesmo hotel em que Edith estava hospedada, exatamente como Amelia previra. Não era um ambiente muito incrível, pois Catslake ainda era uma cidade pequena, mas continha toda a suntuosidade possível. Subiram direto pelo elevador, sem dedicar mais que dois segundos à recepção.

O operador do elevador lançou um olhar esquisito para Cora, claramente julgando-a em silêncio. Lá vai mais uma subir na vida graças à juventude e ao rostinho bonito. A garota sentiu-se suja, errada, invadida. Encolheu-se contra uma das paredes, acalmando a respiração. Tentava pensar em Franchesca, em Eloise, tentava desesperadamente justificar o que estava fazendo.

O quarto de George também cheirava a cigarro. Ele destrancou a porta e praticamente a empurrou para dentro, ávido em aproveitar o prêmio de sua noite. Lançou-se contra a garota, segurando-a pela nuca e colando a boca na dela.

Aquilo era demais para Cora. Afastou-o lentamente, a boca apertada para evitar um maior contato.

"Eu...estou um pouquinho nervosa" disse. "Será que você poderia preparar uma bebida para nós?"

George pareceu um pouco contrariado. Para encorajá-lo, Cora tirou os sapatos e sentou-se na enorme cama de casal, sorrindo.

"Está bem" ele resmungou, bêbado, dando as costas e alcançando uma garrafa deixada em cima da escrivaninha.

Cora começara a suar frio e a rezar. Rezava com força para que as contas de Amelia estivessem certas, para que o comprimido que colocara na bebida dele pouco antes de deixarem o baile já estivesse fazendo efeito. Ela sabia que não teria coragem de levar o plano além deste ponto, mas não fazia ideia do que fazer para impedi-lo. Não podia simplesmente gritar e sair correndo. Nem teria tempo de usar o telefone e chamar ajuda. Agora era apenas ela e sua presa. Só que era apenas a raposa que tremia de medo.

George estendeu um copo cheio até a metade, que Cora bebericou devagar. O homem mostrava-se cada vez mais impaciente. Já jogara a gravata no chão e agora desabotoava a camisa branca, empapada de suor.

Assim que Cora terminou sua bebida, Persson já apresentava alguns sinais de desordem. Seus olhos estavam ficando desfocados, e ele parecia não estar escutando direito.

"George?" Cora chamou, mas o homem apenas içou o corpo para a cama e jogou-se em cima dela.

O peso enorme dele retirou todo o ar de seus pulmões, sufocando-a. Cora tentou empurrá-lo para o lado, mas Persson agarrava-se a ela com força, enterrando o nariz sob seu pescoço e tentando puxar-lhe o vestido.

"Não, não, não..." Cora suplicava, já completamente esquecida do plano. "Você não vai encostar em mim!"

Usando toda sua capacidade física, uma força extra humana que brota em situações de desespero, Cora conseguiu se desvencilhar de Persson, que caiu para o lado, imóvel na cama. A garota rastejou pelo carpete, colocando-se contra a porta, esperando.

Um ronco alto ecoou pelo cômodo.

Cora suspirou aliviada, escondendo o rosto com as mãos. O ratinho havia ficado preso na armadilha. Tudo o que precisava fazer era abater sua vítima.

Procurou sua pequena bolsa prateada pelo quarto, tentando fazer o mínimo de barulho com as mãos trêmulas. Dentro dela, pegou o pequeno pendrive que Amelia lhe enviara, um lindo pedacinho de tecnologia capaz de invadir a maior parte dos computadores civis, por mais protegidos que estes estivessem. Aparentemente, Amelia conseguira o pendrive por baixo dos panos com os pais de Eloise a um custo caríssimo, do qual Mahira só ficaria sabendo muito depois. Aquela coisinha de nada poderia fazer um estrago.

Revistou o quarto a procura do notebook pessoal de Persson. Achou-o dentro de uma maleta de couro no armário. Ligou-o e tentou inserir o pendrive numa das entradas USB, mas a mão continuava tremendo e errando a abertura. Precisou segurar o braço com a outra mão para conseguir ajustar o dispositivo.

A tela ficou toda preta.

Era só isso? Estava feito? Quanto tempo demoraria?

Começou a andar de um lado para outro, nervosa. Tentava se concentrar para chamar as amigas, mas o cérebro custava a encontrar uma direção para seguir. Precisou ir até o banheiro, lavar o rosto e apoiar os braços na pia, deixando a cabeça pender para frente.

A voz de Amelia ecoou distante em sua mente, num elo fraco demais para criar imagens.

"Cadê você, Cora..." a amiga parecia preocupada.

"Aqui" sussurrou.

Fez-se um novo silêncio. Cora forçou um pouco mais a conexão mental.

"...morta de preocupada! Porque você não está criando o Kotai?"

"Não consigo, não tô calma o suficiente. Me avise quando eu puder ir embora..."

"Certo, acabamos de nos conectar com a Radiant. Vou ter que vasculhar um pouco para copiar o que valer a pena" a garota explicava através do estranho telefone mental.

Cora assentiu para sua própria imagem no espelho e aguardou. Cada segundo se arrastava, e sempre que o ronco de George era interrompido ou mudava de ritmo, seu coração disparava.

Por fim, finalmente ouviu a voz de Amelia mandando-a embora.

Cora recolocou o notebook no lugar, guardando o pendrive na bolsa. Calçou os sapatos e rabiscou um pequeno bilhete para Persson, num bloquinho de papel que encontrou na escrivaninha. Nele, explicava que a noite estava maravilhosa, mas que infelizmente seu companheiro havia desmaiado devido ao exagero no álcool. Aconselhava-o a procura-la novamente, e que dessa vez, ela própria tomaria conta das bebidas.

Olhou-o uma última vez antes de fechar a porta, sentindo as entranhas revolverem em puro asco. Desceu pelas escadas para evitar o operador do elevador. Estava prestes a desmoronar e não conseguiria encarar um novo julgamento. Atravessou a recepção como um foguete.

A lembrança daquele homem desprezível sem camisa por cima dela, seu beijo com gosto de nicotina, a forma arrogante como ele a segurava pela cintura como se ela fosse uma propriedade, todas aquelas imagens fluíram pela mente de Cora como uma cascata. Agora que a adrenalina da caçada passara, a raposa começara a sentir suas feridas.

Quando lançou-se na rua escura, as lágrimas já escorriam livres pelo rosto.  

Dons de Inari - Parte IOnde histórias criam vida. Descubra agora