Capítulo 1

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Ser acordada pela minha mãe é como vivenciar um desastre natural. Primeiro ela bate a porta com certa violência na parede, fazendo com que todos os sons da casa entrem pela porta e preencham meu quarto. Em seguida, sua voz troveja anunciando que uma tempestade está por vir, ou melhor, que eu estou atrasada. Levanto o olhar e me aninho na coberta, sem qualquer intenção de me levantar. Ela percebe isso e resolve me fazer passar por um terrível terremoto. Puxa minha coberta para o pé da cama e me sacode com as mãos enquanto pergunta de quê serve o despertador se eu não o ouço, ou pelo menos, finjo não ouvir.

-Eie noum doou - resmungo sem tirar a cara do travesseiro.

- O quê? – ela finalmente para de me sacudir

- O despertador – me obrigo a levantar o rosto – ele não tocou.

- Não tem como tocar se você não programa-lo para isso não é mesmo? – ela vai em direção a janela e eu sei que relâmpagos logo vão acompanhar a tempestade. Clarões invadem o quarto e mesmo que eu tente, não consigo tampar os olhos. Ela está balançando as cortinas fazendo com que o sol entre e saia, entre e saia, entre e saia pela janela, que ela logo abre, e eu me encolho. Em Agosto não se abre a janela. É pedir para pegar uma pneumonia. Tentando sair do olho do furacão eu finalmente me sento na cama esfregando os olhos. Tateio o criado-mudo e aperto o celular. 6:30. Eu estava super atrasada. Levantei correndo e abri o chuveiro de modo que caísse apenas algumas gotas. Quanto menos eu abria, mais quente ficava. Aproveitando o mormaço que se instalou, consegui pensar racionalmente. Hoje era quarta-feira, e a primeira aula seria de português. Embora me desse bem na matéria, a professora fazia questão que todos os alunos fossem pontuais. Com essa constatação me apressei. Não consegui entender o porquê de ter perdido a hora. Em cinco minutos, atravessei o corredor e entrei na cozinha, já de uniforme e com meus fios lisos presos em um coque desgrenhado.

- A Ana Paula telefonou aqui pra casa? – perguntei pra minha irmã enquanto arrumava a mesa sem me importar com as rugas da toalha.

- Não que eu tenha ouvido – ela respondeu colocando o cabelo loiro atrás da orelha – Porque? Ela não te ligou hoje e você, pelo visto não ligou pra ela. As duas estão atrasadas para o colégio e vão ser expulsas. Acertei?

Revirei os olhos

- Ninguém é expulso por atraso – retruquei sentando e comendo meu pão - E você também já está atrasada pra faculdade, então nem vem falar de mim.

- Não estou atrasada. Hoje vai ter excursão. O Ônibus vai passar aqui umas 7:30 pra me pegar – ela ficou remexendo na mochila, procurando alguma coisa –Você lê a noite toda e agora fica com essas olheiras horríveis. Um pouco de base faz bem ás vezes...

Falei para ela parar de ser chata e perguntei o que ela tanto olhava dentro da mochila.

- To conferindo se coloquei todos os cadernos aqui – ela puxou dois cadernos, um com coraçõezinhos e outro com um panda gigante na capa – Ainda falta um.

Dito isso ela saiu em disparada para o quarto. Nunca entendi muito bem a fixação da minha irmã por cadernos. Ela guarda cadernos antigos da época de colégio dela e compra novos para escrever. No começo eu achava que ela escrevia historias. Sempre ficava folheando eles e tentando achar alguma coisa que não fossem reportagens. Como nunca achei, nem me preocupo em procurar. Minha irmã é realista demais para inventar contos que valiam a pena ser lidos.

Enquanto corria para escovar os dentes, percebi que Carina realmente tinha razão. Eu estava com olheiras horríveis. Fingi que não ouvi os gritos da dona Paloma, lesse, minha mãe e tive que demorar um pouco mais tentando esconder as marcas de que eu tinha passado a noite em claro. Não por insônia ou por problemas pessoais. Mas porque eu precisava terminar urgentemente de ler Fim de tarde e amores irreais. Embora o nome fosse ridículo, a história era perfeita. Era um romance que contava a história de um menino chamado Jean, que nunca havia tido contato com nenhuma outra pessoa senão sua própria família. Com a morte dos pais ele se viu finalmente livre dessa espécie de cárcere privado, que os pais julgavam ser o melhor pra ele. Então, ele começa uma nova vida em outra cidade, onde não fosse visto como "o estranho que não fala com ninguém". E nessa cidade conhece Marlene, uma garota rica e totalmente esnobe. E é exatamente por ela que ele se apaixona. Apesar dela ser insuportável , ele vê nela o que ninguém vê: bondade. Então faz de tudo para conquista-la, o que pra ele é difícil, visto sua falta de contato com as pessoas. O livro é enorme. 854 páginas. Mas ao mesmo tempo te prende na história de maneira que você não consegue parar. Eu estava por volta da página 690. Nem uma noite quase toda em claro foi capaz de me levar ao final daquele livro.

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