Shanks

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Arredores de Toronto / América do Norte / Província de Ontário / 17h04     

Eu poderia contar nos dedos de uma única mão todas as vezes que um professor me chamara para conversar em particular.

     Mas desta vez era diferente. Morninglight perguntara sobre a marca de nascença que tenho no braço, e ao fazer uma análise mais detalhada ele diz que precisamos partir.

- Partir? – eu pergunto – Não podemos ir a lugar nenhum.

- Não faça contestações Shanksville. Precisamos ir agora, ou eles o acharão.

- Eles quem? – pergunto sem saber o que está acontecendo.

       Reynald puxava-me pelo braço com força tremenda. Eu não tinha escapatória. Poderia gritar, mas quem iria me ouvir?  Há muito abandonamos os arredores da escola, caminhávamos sob a neve, em uma estrada descampada dos dois lados. À frente era possível ver um teto arredondado, que lembrava em muito a abóbada de uma igreja.

- Onde estamos indo? – perguntei batendo o queixo.

      Estava muito frio, mas estranhamente a mão de Reynald queimava em meu braço.

- Onde estaremos seguro por algum tempo.

     Reynald calou-se, e o mundo também. Ao passar pela cerca que delimitava a propriedade onde estava a edificação arredondada, tudo ficou silencioso. Enquanto caminhávamos em direção a uma enorme porta, era possível ver gotículas de água no ar. Era como se dançassem em câmera lenta.

       Só voltei à realidade quando a densa porta de carvalho chocou-se com a parede ao ser aberta subitamente por Reynald Morninglight.

      O professor solta meu braço e começa a apertar interruptores, as luzes se acendem e assim que meus olhos se acostumam com a claridade posso perceber onde estou.

      Uma sala em piso de mármore branco, com diversos quadros, esculturas e objetos egípcios espalhados por ela, uma escada de madeira encerada toma grande parte do local, e em uma parede branca existe varias asas emolduradas. Sim asas! Mas não tenho tempo de analisar mais detalhadamente, pois Reynald começa a me empurrar escada acima.

      Caminhamos por um corredor escuro, e dobramos a esquerda assim que o primeiro corredor se intercala com esse.

    Tento expressar minha reação em palavras. Mas toda vez que tendo, elas chegam à garganta, e se dissipam na língua.

     Morningliht para subitamente em frente a um quadro que mostra cinco anjos enfileirados. Ele toca na parte superior esquerda do quadro, e a parede à minha direita se move revelando um espaçamento oco.

- Um elevador – digo surpreso.

    Entramos e Reynald aperta o único botão existente. Começamos uma descida tão rápida que meus pés ameaçam sair do chão.

- Onde estamos indo – eu grito.

- Encontrar suas raízes – ele grita em resposta.

     O elevador chega ao local com um baque surdo. Seguro o vômito quando saímos, mas ao passar pela porta meu café da manhã sai boca afora.

***

     Neste momento estou sentado em uma cadeira de ferro no que parece ser um laboratório caseiro. Reynald está a minha frente, porém de costas, e parece revirar uma caixa antiga.

- Aqui está – gritou veementemente.

    Ele senta-se de frente para mim e espalha alguns documentos no chão.

- Você é um dos Enviados Shanks. Precisa ficar a salvo.

     Que merda seria um enviado?

     Folheio as páginas dos documentos com a testa franzida, incrédulo ao ler os títulos em negrito. Se tudo aquilo for verdade, meus dias estão contados.

     Eu corria um risco iminente de morte.

     Nestes papéis de folhas amareladas e quase que totalmente desintegradas diziam, que toda e qualquer pessoa que tivesse uma marca de nascença similar a um continente ou a uma parte dele, fazia parte de uma raça que ultrapassa os limites da humanidade.

    Ali dizia que estes tais "Enviados", eram filhos de anjos com humanos.

    Mas se eu não era humano. Quem era eu? Só podia ser coincidência, aquilo não era verídico. Era?

    Estava perdido, e acredito que não encontraria tão fácil o caminho para lucidez.

- Temos de ir à Argentina – exclamou Reynald Morninglight. – Lá poderemos contatar meus antigos colegas de trabalho.

   Olhei nos olhos de Reynald esperando ele rir e dizer que era tudo uma grande brincadeira, mas não havia vestígios de gozação em seu rosto. Ele expressava um misto de alegria e prazer, como se há muito estivesse à minha espera.

- Vamos Shanksville. Vamos encontrar seus irmãos.

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