Capítulo 2

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Estava agarrado a barra de ferro do ônibus. Aquela menina não saia da minha cabeça. Fiquei lá imaginando novamente como faríamos um belo casal mesmo com certas dificuldades, como a comunicação. Eu já tinha gostado de muitas outras meninas, mas nunca tão rápido quanto tinha gostado dela. Parecia que por ela ser surda ou muda isso de alguma forma "ajudou" o sentimento a ficar maior. Desde quando eu tinha pegado o ônibus em frente ao instituto, estava voltando para casa em pé. Mas após uns 20 minutos, algumas pessoas desceram do ônibus e pude finalmente sentar. Minhas mãos já estava mãos vermelhas de tanto segurar a barra de ferro do ônibus, minhas pernas doíam pelo tempo que eu estava em pé e por causa do peso da minha mochila. Encostei minha cabeça no vidro do ônibus, o banco ao meu lado estava vazio, aproveitei para pôr minha mochila que carregava os livros de Português, Matemática e Biologia, fora os dois cadernos.

Parei de pensar um pouco naquela menina e comecei a pensar o que faria quando chegasse em casa, minha mente só pensava em dormi. Estava cansado, aproveitei a ausência de alguém ao meu lado no ônibus para tirar um pequeno cochilo, já que demoraria mais de 40 minutos pra poder chegar em casa. Naquela noite, naquele mesmo ônibus, eu tive um sonho meio estranho, durante meu pequeno cochilo que por acaso tinha custado metade do tempo que eu demoraria pra chegar em casa. O sonho era mais ou menos assim...

"Eu estava em uma estrada onde passavam muitos carros, a minha frente tinha uma parede de pedra na altura de meu quadril. Olhei para o sol, ele estava bem acima de minha cabeça, mas eu não sentia calor. Eu pulei o tal muro, e do nada cai em um bosque luminoso de pinheiros, caminhei pelo bosque por alguns metros e então encontrei uma chave no chão. A chave era quase do tamanho da palma da minha mão, a coloquei no bolso de trás da calça. Caminhei mais um pouco e avistei um pequeno lago, sentei-me ao lado e fiquei ali admirando a vista, até perceber que tinha uma casa do outro lado do lago.

Fiquei surpreso em perceber que a tal casa que tinha ali era a casa de meus sonhos; Primeiro andar, feita quase toda de madeira e com um jardim que superava meus desejos. Olhei toda a casa e vi que na porta da casa havia uma mulher, ela usava um camisola branca, estava de pés descalços e me estendendo a mão. Dei a volta no lago e fui até ela. Ao chegar lá, a mulher começou a me abraçar e a pedir que eu ficasse. Fui para os fundos da casa, a tal mulher me seguiu, vi que ainda há um longo caminho por trás do lindo jardim. A mulher (que por acaso eu não via o rosto) segurou firme minha mão, eu sentia que eu sempre a amei e que eu era louco por ela, mas mesmo assim eu não via seu rosto".

Mas quem nunca teve um sonho interrompido na melhor parte que atire a primeira pedra. Não pude saber se eu continuava o caminho ou ficava com a tal mulher por que alguém fora do sonho me acordou. Acordei com alguns toques em meu ombro.

—Oi— disse a menina —, essa mochila é sua?

Demorei um pouco para perceber que era a mesma menina com quem a garota que me encantou conversava baixinho e que estudava na mesma sala que a minha.

—Desculpa. É minha sim— respondi.

—"De boas"— disse ela.

Estava com a bolsa em cima das minhas pernas, a bolsa estava muito pesada. A menina que estudava comigo tinha cabelos cacheados, usava óculos quadrados e tinha uma aparência familiar.

—Prazer, Hemilly— disse ela estendendo o braço. —Estudamos na mesma sala né?

—É— respondi também cumprimentando-a. —Prazer, Felipe.

—Você tava dormindo e eu vi que tinha uns caras no banco do lado olhando pra tua mochila. Daí vim te salvar— disse ela com uma expressão de riso no rosto.

—Sério? Cadê eles?— perguntei olhando sobre os ao redor.

—Desceram logo depois que te chamei umas três vezes antes de você acordar— disse ela olhando pra mim e com os braços apoiados no banco da frente.

—Nossa, obrigado!— disse eu.

—Ah, "de boas"!— respondeu ela dando de ombros. — Mas acho que eles não levariam nada de muito valor né?

—Não mesmo. A não ser que eles fossem estudar em vez de ficar tentando roubar— respondi e começamos a rir juntos.

Minha vontade era de perguntar sobre a tal menina com quem eu a vi conversando. Então algo que nunca aconteceu antes, acontece. Não segurei a pergunta novamente, e perguntei. A curiosidade e o desejo em dar um nome a ela, parecia ser maior.

—Aquela menina com quem eu te vi conversando lá na entrada do IF é surda ou muda?— fui direto em minha pergunta.

—Ela é surda- respondeu Hemilly com a cabeça inclinada sobre o braço que ainda estava apoiada no banco da frente.

—Ah. Mas eu te vi conversando com ela— disse eu.

Enquanto falo vejo o supermercado que fica perto da minha casa.

—Eu?!— perguntou ela arregalando os olhos.

—Sim. Vocês falavam baixo, nem deu pra eu ouvir o que vocês diziam— respondi.

—Não. Nós não estávamos conversando não— disse ela. —É por que ela faz leitura labial. Não me admira você não nos ouvir.

—Ah, entendi— respondi. Eu parecia estar meio com raiva, acho que era por que eu ainda tinha esperança de que ela não fosse realmente surda.

Levantei e puxei o fio da parada de ônibus. Hemilly ficou de lado para que eu passasse. Mesmo eu parecendo estar com raiva em um mistura louca com decepção, eu paro agarro-me ao ferro novamente e pergunto: "Qual o nome dela?". Ela olha pra mim, dá uma risadinha e responde: "Lara". Nos despedimos bem rápido com thaus e desci do ônibus. Minha casa ficava a pouco menos de 100 metrôs do ponto de ônibus e ficava próximo de vários prédios, também tínhamos um hospital que era nosso vizinho de porta. Durante minha pequena caminhada eu me perguntava sobre o tal sonho estranho que eu tive antes de ser acordado, que por acaso tinha sido por um bom motivo.

Me perguntava se no sonho eu continuaria o caminho que tinha por trás do jardim ou ficaria com aquela mulher na casa de meus sonhos. Tirei minhas chaves de casa que estavam na minha mochila e que se não fosse pela menina do "de boas", eu teria perdido. Abri o portão e meu cachorro veio logo me dando as boas vindas. Tínhamos um Pastor Alemão que se chamava "k9". Na hora de decidir qual seria o nome dele, eu achei bem clichê pôr o nome K9 em um Pastor Alemão, graças a algum filme que pôs esse mesmo nome no cão, que acabou generalizando e quase todos que tinham cães Pastores Alemães queriam pôr esse nome. A porta da frente estava destrancada o que significava que minha mãe já tinha chegado, ou na pior das hipóteses tinha algum ladrão lá dentro. Abri a porta e vi minha mãe e meu pai sentados no sofá da sala. Me surpreendi com o fato de meu pai já esta em casa aquela hora, ele geralmente chegava as oito horas da noite e ainda ia da sete horas.

Eu os dei boa noite e um beijo em suas bochechas. Eu sabia o quanto eles estavam felizes por minha entrada no Instituto e sabia que eles eram bem curiosos, então era comum eu esperar que eles perguntem sobre meus dias de aula. Principalmente minha mãe. Ela e meu pai são Psiquiatras e sempre queriam ficar por dentro de meus assuntos, fossem eles sentimentais ou não.

—Como foi a aula hoje?— perguntou minha mãe como já era esperado.

—Foi boa— respondi.

—Não aconteceu nada mais?— insistiu ela.

Naquele momento eu queria dizer a eles que eu estava gostando de uma menina que é surda e que provavelmente algum dia eu a levaria para que eles a conhecessem. Mas eu sabia como minha mãe e meu pai eram e sabia que eles perguntariam coisas como: "como você chegou a conclusão de que gosta realmente dela?" e com certeza ficariam se perguntando: "Ele está tentando chamar nossa atenção?". Como se fosse algo de outro mundo.

—Foi bom, só estou um pouco cansado e com fome— respondi.

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