Eu já havia gostado de outras meninas antes. Mas meus pais nunca tinham se incomodado com isso. Eles talvez nunca tenham notado, o que significava que daquela vez, eu não estava "escondendo" bem. Mas no que era que eu estava errando daquela vez? A primeira menina por quem eu me apaixonei se chamava Carol. Ela também era linda. Seu cabelo pareceria com o de Lara. Era preto, brilhante e longo. Acho que Carol foi a única garota que também parecia gostar de mim, mas depois de seu pai morrer em um acidente de carro ela e sua mãe se mudaram para outro estado e com sua mudança, foi-se a garota que eu gostava e que retribuía o sentimento.
Já faziam dois dias que minha mãe e meu pai decidiram não me ajudar mais nas interpretações dos sonhos. O que era um verdadeiro saco! Digo isso porque eu já tinha tido mais alguns sonhos. Claro, sonhos esses que eu não entendia nada. Mas aquilo era uma verdadeira sacanagem dos meus pais, tipo não era obrigado a falar, mas eles também não eram obrigados a "traduzir" meus sonhos. Por isso a sacanagem. Minha curiosidade sobre os sonhos era tanta, que eu já tinha sentido várias vezes vontade de falar para eles sobre Lara. Mas era como eu disse, se eu falasse, eles iam ficar tipo, "o que ele quer com isso?" ou "ele ta tentando chamar atenção?" ou até mesmo, "ele sabe que ela é surda, né? Ele sabe que ela não pode ouvi-lo, né?". Eles provavelmente falariam algumas coisas desse tipo. O que seria extremamente idiota de se dizer. Eu talvez estivesse exagerando, talvez isso fosse apenas algum tipo de reação anti-amor da minha mente. Eu devia estar procurando desculpas esfarrapadas para cobrir aquele sentimento, devia ser por causa das três ultimas garotas que passaram pela minha vida. Eu já tinha ouvido uma frase relacionada a isso em algum lugar. Acho que a frase era assim, "Seu próximo namorado não tem culpa do anterior". Se a frase não era assim, era parecida. Mas isso não importava, o que importava era o que eu havia entendido. E isso, já era o bastante para eu não surtar ainda mais por causa de Lara.
Eu estava em frente ao instituto novamente. Minha última aula daquela semana de Junho foi de Algoritmo. Era uma matéria legal, mas muito difícil. Nos últimos dois dias daquela semana, eu tinha visto Lara muita vezes. Havia visto ela na entrada do Instituto, na cantina, próxima a minha sala, eu a via em todos os lugares, parecia até que estávamos seguindo um ao outro. E em todos os casos eu estava pensando nela, aí de repente ela aparecia. Ficava me perguntando, "Será que ela também estava pensando em mim quando nos víamos?". Seria um tipo único de amor telepata. André e Beatriz também já tinham ido embora. Mas eu mais uma vez continuei lá, esperando minha mãe, que ao que parecia, estava atrasada novamente. Naquele dia eu ainda não tinha visto Lara, por mais que eu tenha passado a maior parte do tempo pensando nela, eu não a vi— acho que estava perdendo meus poderes. Eu não sabia dizer se ela havia ido as aulas daquele dia ou não, não sabia dizer o motivo de sua falta, mas esperava que não fosse por que ela também havia se mudado. Eu odiaria admitir que a maldita voz que ecoava na minha mente, estava certa pela quarta vez. Estava sentado no mesmo lugar onde Lara estava. Já eram umas 12:56 da tarde e não restavam muitas pessoas na entrada do Instituto. Cerca de cinco ou sete, mas de qualquer forma, eles estavam na outra entrada do instituto. Me encostei no pilar do banco e coloquei os fones de ouvido.
Inspirei o ar bem fundo e pude sentir um perfume bem, bem delicado. Ela estava a poucos metros de mim. Seu cabelo estava trançado, mas mesmo assim a cor preta ainda encandeava os olhos de quem os via, não como quando ele estava solto, mesmo assim encandeava. Tinha quase certeza que ela ia sentar no mesmo banco que eu. Se ela não sentasse, no mesmo banco a única certeza que ia ter, era de que ela queria distância de mim. Ela caminhava de cabeça baixa. Ela sentou no banco, mas ficava olhando para a frente. Eu achava melhor assim, porque se ela olhasse para mim, a única coisa que ela ia ver, seria um estranho a encarando. Ela parecia preocupada com algo. Parecia procurar alguém. Parei de ficar encarando-a, mas ainda assim eu a observava pelo "canto do olho". Senti seu perfume mais próximo a mim. Olhei para ela e me surpreendi pois ela já estava olhando para mim.
A encarei por alguns segundo. Ela sorriu, então fez um gesto tocando o pulso. Aquele gesto era universal. Não importava aonde que você estivesse, se fizesse aquele gesto, todos saberiam que você estava "perguntando" a hora. Olhei para a tela do celular, mas como eu não sabia como eram os números em Libras, eu a mostrei a hora no celular. Ela fez o mesmo gesto que fez quando aquele cara lhe deu um pirulito. Deduzi que aquele gesto significava "Obrigado". Então apenas assenti. Eu queria conheça-la mais, mas eu não era bom em puxar assunto, ainda mais quando eu gostava da pessoa. Mas parecia ser mais fácil se apaixonar por uma surda do que por alguém que ouve sem dificuldade. Eu não fazia ideia do motivo. Então tive a ideia de ir no aplicativo de notas do meu celular para pergunta-la qual é sua idade. Escrevi, "quantos anos você tem?.
—17— gesticula ela espalmando as mão três vezes "simbolizando" o número 5 e fazendo o número dois logo em seguida. Ela aponta para mim, entendo que ela quer saber a minha idade. Então faço os mesmos gestos que ela. Eu escrevo, "como se diz, "tudo bem"?".Ela fez o gesto de uma mão fechada se abrindo em frente a boca, logo em seguida ela fez o gesto (que também é um gesto universal) de legal. Eu repeti o gesto me direcionado a ela. Ela fez que sim com a cabeça. E fez o mesmo gesto se direcionado a mim. Eu também faço que sim com a cabeça. Pergunto-a como se diz sim. Ela levantou a mão fechada e a balançou para cima e para baixo, simbolizando o "sim". Eu abri o aplicativo novamente e escrevi, "sonhei com você". Mas não deu tempo de mostrá-la. Ela tocou minha perna, apontou para o mesmo carro que veio buscá-la no primeiro dia que eu a "conheci". E de dentro do carro ela acenou para mim. E eu acenei para. Naquele momento eu estava surpreso comigo mesmo. Porque pela primeira vez falei com ela. Não foi muito, mas tinha sido o suficiente para garantir uma próxima conversa. Eu estava feliz comigo mesmo, mas também estava com raiva. Eu queria falar para ela que a tive em meus sonhos quase todos os dias da semana, mas talvez se eu falasse, aquilo fosse parecer estranho ou até louco. Talvez o carro ter chegado naquela hora fosse o destino dizendo, "deixa para depois".
Minha mãe enfim tinha chegado. Eu tinha sido liberado das aulas as 12:14 da tarde. Mas minha mãe só foi chegar as 13:21 da tarde. Daquela vez, eu não estava achando ruim. Estou feliz.
—Como foi a aula hoje?— perguntou minha mãe.—Ah, foi boa. Mas a matéria de algoritmo é muito complicada— respondi.
—Você vai conseguir levá-la numa boa— disse minha mãe.
—Espero. Mas iai mãe, vai me ajudar com os sonhos ou não?— perguntei.
—Vai dizer quem é a garota ou não?— disse minha mãe olhando fixamente para mim enquanto acelerava.
—Mãe olha para a frente!— respondi.
—Qual é o nome da garota Felipe?!— disse minha mãe ainda com os olhos fixados em mim.
—Mãe por favor olha para a frete!— eu grito enquanto ela ainda me olhava.—Então me diz o nome dela!— gritou minha mãe.
Percebi que um ônibus estava acabando de sair da garagem e era questão de segundos para batermos.
—Olha o ônibus! A gente vai bater!— gritava eu. Ao ouvir isso minha mãe acelerou ainda mais o carro.
—Anda Felipe! Diz qual é o nome dela!— gritava a louca da minha mãe.
—É Lara! É Lara droga!— gritei com os pés em cima dos bancos e as mãos agarradas no cinto de segurança.
Minha mãe segurou firme o freio e eu quase cai no banco. O carro saiu deslizando sobre o asfalto e paramos a poucos metros do ônibus. Minha mãe dava risada da minha reação enquanto eu, ainda com os pés em cima do banco, quase choro.
—A senhora ta louca!— grito eu. — Quer nos matar?
—Agradeça a seu pai. Foi ela quem me deu a ideia.— disse ela ainda rindo.
—Vocês são loucos— digo.
—Então. Lara não é?— perguntou minha mãe olhando para mim.
Eu apenas a encarei com um olhar irônico. Eu estava com raiva, mas de alguma forma, me sentia mais aliviado. Como se eu tivesse tirado um peso enorme das costas. Até minha respiração parecia estar melhor. Mas estava com medo de andar novamente com minha mãe ou meu pai.
—E então. Qual é o sonho que você quer que eu "Traduza"— diz minha mãe fazendo o sinal de aspas.
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Lara
Romance"As maiores e melhores coisas no mundo, não podem ser vistas, ouvidas nem mesmo tocadas, elas devem ser sentidas com o coração". Felipe se deparou com uma paixão que lhe surpreendeu, principalmente por sua amada(Lara) ser surda. Ele enfrentará muito...