Capítulo VI

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"Oi, sou eu outra vez!", eu ofegava na recepção. "Eu preciso de ajuda!", o homem continuava com os olhos no jornal. "Por favor!", ele novamente me ignorou. "É o tabuleiro Ouija!"

O homem finalmente olhou para mim.

"Como disse?"

"O tabuleiro Ouija. Minha namorada e eu estávamos jogando e acho que ela foi possuída por alguma coisa."

"Não deveria ter começado a jogar. Todos sabem as consequências de brincar com o outro mundo."

"Eu sei!", disse entre os dentes. "Eu só não acreditava, okay?"

"Hunf, adolescentes...", ele murmurou e pegou um frasco atrás do balcão. "Toma, isso deve ajudar."

"O que é isso?"

"Água benta. Jogue na sua namorada e diga adeus ao espírito, mas com a voz firme. Leve o ponteiro até lá, no "adeus". Isso cortará a conexão com o outro mundo."

Mil perguntas fervilhavam na minha cabeça.

Quem era ele?

Como ele sabia o que fazer?

Por que não me alertou do tabuleiro antes?

"Onde diabos conseguiu água benta?"

"Na igreja", ele disse antes de voltar a ler o seu jornal, na maior calma do mundo.

"Como? Por quê?"

"Joshua!", ele segurou minha mão. "Sua namorada!"

"Ah, sim, claro!", eu segui até a porta. "Como sabe meu nome?", afinal, eu não havia dito a ele, mas ele não me respondeu.

Decidi deixá-lo pra lá e voltar ao que interessava.

*

"Já tava sentindo saudades, benzinho", Sarah falou quando me viu entrar no quarto. Agora ambas as mãos seguravam o ponteiro.

Eu me aproximei devagar dela. Devia tê-la escutado. Se eu não tivesse começado, isso não estaria acontecendo, ela não estaria assim. E eu não sabia que fim levaria. E se aquilo, seja lá o que fosse, fizesse algum mal a ela? O que eu faria? O que eu diria a família dela? "Deixei sua filha ser possuída, me desculpe"? Senti meus olhos queimarem e as lágrimas subirem. Mas que merda eu fiz?!

"Me perdoe, Sarah!", acariciei o rosto dela de leve. "Eu não imaginei que isso fosse acontecer, ainda mais com você."

O corpo dela amoleceu ao meu toque e ela fechou os olhos. Quando ela os abriu de novo, reconheci o seu olhar doce e meigo.

"Josh?", ela me perguntou com a voz fraca.

"Sarah!", segurei o rosto dela nas minhas mãos. "É você, meu amor?"

"Me ajuda!", ela suplicou.

"Calma! Eu vou dar um jeito!", e a tomei em meus braços.

Fiquei um tempo segurando ela. Eu acariciava seus cabelos e beijava sua testa, enquanto sentia as lágrimas rolarem pelo meu rosto. Até que Sarah se remexeu, como se estivesse se esquivando de mim.  Foi então que ela me empurrou, me arremessando até o outro lado da cabana. Meu corpo todo doía com a pancada; por sorte o frasco com a água ainda estava inteiro. Me aproximei novamente dela, mas ela já não era mais a Sarah que eu conhecia.

"Você outra vez?", perguntei debochado.

"Surpresa!", ela cantarolou pra mim, gargalhando. "Vocês são tão cuzões! Sarah, me perdoe!... Josh, me ajuda!", ela imitava perfeitamente as vozes.

Aquilo estava começando a me irritar seriamente. Não acredito que ele estava brincando com ela daquele jeito!

"Por que não a deixa em paz?", gritei.

"Ah, eu gosto da Sarah! É legal ficar aqui, sabe...", ela se aproximou de mim. "Eu nunca tive peitos antes, é fascinante."

"Então você era homem?"

"Dã!", ela revirou os olhos. "Foi exatamente o que te respondi! Vocês adolescentes são tão burros!"

"Mas era eu quem estava controlando o tabuleiro."

"Isso, meu caro, é o que você pensa."

"Seu filho da puta!"

Sarah ficou boquiaberta.

"Olha... Agora você realmente me ofendeu!", ela debochou.

Respirei fundo tentando me concentrar e fazer o que o homem na recepção havia dito. Voz firme, Joshua, voz firme!

"Não quer ir embora, né?"

"Não", ela sorria.

"Tudo bem", respondi calmo. "Eu tentei conversar. Se não quer sair por bem", puxei o frasco do bolso, completando: "vai sair por mal!"

Ela se inclinou um pouco pra trás, franzindo o cenho.

"O que é isso?", ela perguntou nervosa.

"Te é familiar?", zombei. Abri o frasco devagar. "Tem um cheirinho bom, né?", ela riu sarcástica, mas podia ver o terror nos seus olhos. "Que foi? Tá com medo?"

"Lembre-se", ela rosnou: "que estou no corpo da sua namorada. Acha que pode se livrar de mim fácil assim? Eu acabo com ela!"

Por um momento hesitei receoso, mas me lembrei que deveria me manter firme, ou ele acabaria me controlando também.

"Mostra pra mim."

Ela arqueou uma das sobrancelhas.

"Como disse?"

"Mostra. Pra mim", disse pausadamente. Sarah pareceu confusa. "Foi o que eu pensei", e joguei a água nela.

Ela gritava e se contorcia, parecia que sua pele queimava nos lugares onde eu havia jogado a água benta.

"Você vai me pagar, Joshua!", ela gritava, com uma voz que nunca imaginei que ouviria. "E muito caro!"

"É o que veremos!", pus o dedo no ponteiro. "Adeus!", e o puxei em direção a palavra.

No mesmo instante ela caiu no chão, tirando finalmente as mãos do ponteiro.

Peguei o tabuleiro mais que depressa e o atirei ao fogo da lareira, junto com o ponteiro.

"Josh?", pude ouvir sua voz me chamando.

"Sarah!", corri em sua direção e a abracei com força.

"Eu tava com tanto medo, Josh!", ela chorava. "Achei que ele fosse me matar!"

"Calma, tá tudo bem agora! Shhh...", eu acariciava seus cabelos, para que ela se acalmasse.

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