DOIS

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O encontrei perto de mais das minhas mãos, chorando rios congelados sobre minhas amarguras calidas.

Estava triste como nuvens chuvosas e carregava raios em sua voz — que era tão doce antes.

Segurou minhas mãos como flores e sorriu para meus olhos tristes quando nenhum de nós aceitava a felicidade.

Eu o deixei voltar para minhas paredes abatidas; ele concertou as encarnações abertas e fez funcionar minha lavadora de pratos.

Deitou-se sobre minhas cobertas e contou as reentrâncias da chão e as fissuras do telhado prometendo que as arrumaria aos poucos, tomando sempre cuidado com minha biblioteca vazia e todos os livros no chão do quarto.

Ele açoitou as baratas, os ratos e as aranhas. Limpou os móveis e lustrou os talheres. Sentou-se em minha mesa de ébano e bebeu toda a doçura que pode.

Ele acariciou minhas cortinas e sentou-se sobre todas as cadeiras e sofás disponíveis em minha mente. Aparou a grama do vazio e plantou novas flores sobre minhas tristezas.

Mas eu esqueci o portão aberto.

Ele calçou os sapatos, sem medo algum, deixou um sorriso em minha face desbotada, alisou uma última vez minhas cortinas cor de areia e tateou a calçada até chegar a rua.

Aquele era um caminho delicado, ele não queria deixar a casa aberta, mas não queria permanecer ali até o fim.

Joguei fora suas chaves reserva, entreguei flores mortas e fechei minhas portas com cadeados grandes e correntes de aço.

Restaram apenas eu e o porão escuro.

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