SEIS

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Ele pegou martelos e alicates, maçaricos, serrotes e picaretas. Ajustou as mãos nas luvas e retirou toda a tristeza do cabelo outonal, bagunçando-o.

Seus lábios de inverno se alinharam com a porta, suas mãos primaveris tocaram o velho cedro.

Ele quebrou as correntes com os alicates, liquefez as dobradiças com o maçarico, serrou as tábuas e escancarou o porão.

Agarrou-se ao corrimão e desceu a velha escada de degraus soltos e barulhentos.

Iluminou a escuridão com velas e fósforos, retirou as velhas cortinas do baú e as tocou furtivamente.

Acaricuou as paredes com as pontas dos dedos e se alinhou a elas solenemente.

Com seus lábios de inverno, ele beijou cada centímetro da casa. Sentou-se em minha mesa de ébano e bebeu toda a doçura que pode...

Prendeu minhas velhas cortinas em frente às janelas, trancou as portas e guardou as chaves no armário.

Varreu a fuligem e arrumou o tapete desbotado no centro da sala, aprumando-se numa das velhas poltronas, dizendo que esse é o modo como tudo irá permanecer.

Não importa quantas casas vazias precisem de um inquilino, ou quantas mansões caras, grandes e belas estejam à venda. Essa é sua casa. A casa de onde ele nunca deveria ter saido, a casa onde ficará até que os telhados cedam e as paredes desmoronem, até que o encanamento não possa mais ser recolocado... Até que o tapete desbotado tenha sido corroído pelas traças e as velhas poltronas não mais sirvam para sentar.

Aqui, ele sempre estará em casa.





F I M

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