Número da sorte

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Desviei de escadas, gatos pretos,pedras e espelhos prontos para quebrar.Só não desviei de você e paguei por isso, senti o impacto que antecedeu a queda e a dor, praguejei pelo meu azar e não parei pra sentir a sorte.

Chegamos ao mesmo tempo, se é que posso chamar aquilo de chegada. Já tinham doze na fila e precisávamos da senha, mas ficamos no que parecia um impasse; quem seria o primeiro?

Estiquei meu braço e ele também, voltei a abaixa-lo e fiz sinal para que ele fosse primeiro, eu não podia ser a décima terceira e esperava que ele não fizesse a "gentileza" de me deixar ir na frente.

Ele pegou o número e sorriu, me olhou e disse " É meu número da sorte", e me pareceu tão absurdo, era como se ele procurasse o azar. Tive vontade de dizer que ele estava fazendo aquilo de forma errada, que ser o décimo terceiro não é bom e que a prova disso é a história do meu tio João que foi o decimo terceiro numa fila de carrinho de pipoca e um poste caiu em cima dele, obviamente ele morreu. Minha garganta se apertou de vontade de contar isso para o azarado, mas apertei meus lábios e tirei a senha seguinte, porém, não consegui voltar ao normal, ele parecia bem demais com aquele treze — E já nem sei quantas vezes me referi a esse número— o que me deixava ainda mais irritadiça.

Sem pensar toquei seu ombro com meu indicador em riste, precisava fazer alguma coisa. Ele logo virou em minha direção ainda com resquícios do sorriso em seu rosto.

— Esse não é um número muito bom— Estiquei meu braço e tirei outro número.— Pegue esse aqui, pode continuar na minha frente. Ah, melhor ainda; podemos trocar nossos números, você fica com o quatorze e eu com o quinze.— Tentei parecer o mais convincente possível.

—Não, eu gosto mais do treze, mas obrigado.

Ele voltou a virar para frente e eu encarei suas costas que estavam a um palmo do meu rosto, respirei profundamente e olhei o ambiente; procurei por algo parecido com um poste que poderia cair em sua cabeça, e naquele momento eu não sabia se queria que algo bem pesado caísse em sua cabeça ou não, mas apenas procurei e só encontrei uma pilastra meio rachada o que já seria o suficiente para achata-lo no chão e a ultima coisa que queria era acabar ficando suja do sangue que podia espirrar em mim, ainda teria muitas coisas para fazer naquele dia.

Novamente com meu dedo em riste cutuquei seu ombro e assim que ele se virou comecei a contar a história do meu tio que foi amassado por um poste, quando terminei minha narrativa estava sem ar e ele sem reação.

Olhei para a senha entre seus dedos e ofereci a senha que estava na minha mão. Ele me olhou ainda um pouco surpreso, mas pareceu pensar sobre o que eu havia dito, olhou para o numero que lhe era oferecido com receio; enquanto eu olhei para a fila a minha frente que parecia não diminuir, todos pareciam estar esperando o final dessa história. Se estivessem realmente esperando, deviam estar num grande suspense.

Eu estava apenas impaciente, contendo-me para não trocar o peso nas pernas, bater o pé ou por minha mão na cintura, pensei em tirar logo aquela senha da sua mão, mão não seria de bom tom.

—Seu tio era um cara de sorte.—Foi a unica coisa que ele disse com um sorrisinho debochado na cara, a qual eu já estava querendo que fosse rachada pela pilastra. Porém, antes que eu deixasse de lado o que era ou não de "bom tom", ele pegou a senha que eu lhe oferecia, mas não se desfez do numero do azar.

Continuei olhando-o, esperei sua próxima ação. Rapidamente desviei o olhar para o inicio da fila que parecia continuar parada, em seguida olhei a pilastra. E antes que eu pudesse perceber uma dúvida surgiu e questionei minha própria sorte...

"E se ele estivesse certo em acreditar em seu número? E se nada acontecesse? E se na verdade a minha sorte não fosse tão real?" Essas questões surgiram rapidamente junto com um calafrio e depois veio o arrependimento de ter duvidado da minha sorte; afinal de contas não havia o que duvidar, fazia tudo corretamente: evitava gatos, não passava por baixo de escadas e evitava o decimo terceiro numero, evitei tanto a ponto de não escolher o melhor apartamento do meu prédio por causa daquele numero. É claro que o apartamento logo foi ocupado por alguém que não sabe do azar.

Joguei todas as minhas indagações no lixo, me julguei internamente por ter pensado nelas e olhei para o numero na mão do desconhecido.

Ele dobrou o papel com o numero quatorze e o encaixou em frente ao treze, mas com o quatro para trás formando um 113. Olhei para aquilo sem entender o que ele estava tentando fazer, se se tratava só de uma dobradura mal feita.

—Pronto, agora faz alguma diferença na quantidade de sorte ou azar que tenho?

O encarei e logo depois levei meus olhos ao número em sua mão... Eu não sabia, ninguém me falou sobre o cento e treze, e minha sorte não se tratava de numerologia, minha sorte era... Era apenas sorte.

Ele voltou a sua posição na fila e ela magicamente começou a andar, logo pude sair daquele lugar e voltar para casa com a sensação de que não devia ter saído naquele dia, voltei para casa com uma ruga entre minhas sobrancelhas.

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