Alice sempre foi calma, uma criança inteligente e fácil de lidar, uma adolescente sem muitos dramas pessoas sem brigas com os pais e uma adulta responsável, mas isso era só quando não se tratava de seus relacionamentos amorosos.
Marcelo foi o primeiro que a fez perder o controle, num surto silencioso o empurrou da sacada, como ele não estava esperando nem teve tempo para tentar se equilibrar. Ganhou duas costelas e um braço quebrados, tíbia exposta e mais algumas escoriações.
"Eu não quis que ele caísse, não pensei em nada", alegou para o terapeuta.
Ricardo foi o segundo a presenciar um surto de Alice, era um homem mais velho e imaginava conhecer tudo nas mulheres, imaginava já ter visto tudo...Estava enganado, e soube disso quando foi atropelado.
"Foi só um acidente..." disse para o advogado e depois para o terapeuta.
Alice se perguntava qual era o problema dos homens pelos quais se interessava; apelou para a astrologia, depois para a numerologia, consultou uma cigana que leu sua mão, mas não entendeu muito do que ela disse, tentou os búzios também, mas nada lhe dava uma solução.
A cada relacionamento demorava menos para vir o surto, e não precisava ser por um assunto importante, ela apenas surtava.
"Seria bom se esse fosse o ultimo.Quanto mais processos você tiver, mais difícil será para eu te ajudar", o advogado comentou a acompanhando.
Alice usava calmantes, mas se recusava a tomar remédios controlados, respondia a processos com a ajuda de seu bem pago advogado que já conhecia seus problemas em se relacionar, mas não se importava muito; ela sempre pagou em dia e já teve clientes piores. Já até gostava dela, ela lhe parecia realmente se sentir culpada pelo que fazia,diferente da maioria de seus clientes que simulavam na frente do juri.
—Talvez eu devesse ficar só, nunca dá certo e vou acabar matando alguém— Lamentou para o terapeuta.
—Não é a decisão mais saudável desistir, desistir não resolverá seu problema Alice.
Alice esperou o dia que teria que ir a audiência reclusa em seu apartamento, não sabia nem que dia era ou se estava de dia ou de noite quando ouviu sua porta da sala ser aberta. Estava deitada na cama, mas o som a fez sentar e procurar algo que pudesse servir como uma arma, mas antes disso foi surpreendida, não por um bandido, mas pelo advogado.
—O que você está fazendo aqui?
—Você não atendeu nenhum telefone e não foi ao trabalho, então imaginei que não apareceria na audiência e resolvi te dar uma ajudinha.
—Como entrou aqui?
—O porteiro me conhece e deixou que eu subisse, e tenho uma chave reserva.
—Como assim uma chave reserva?
—Trouxe café, não sei como gosta do café, mas imaginei que precisaria de um café forte e alguns bolinhos.—Disse entregando o copo grande de café e um saco de papel para Alice que permanecia perplexa.
—Obrigada.—Não tinha como ela não estar grata por ele ter ido lhe procurar.
—Não me agradeça, colocarei esse meu extra de babá na sua conta.
Alice tomou seu café sorrindo e se sentiu um pouco melhor com uma companhia, logo depois tomou um banho e se vestiu com sua roupa mais discreta, não podia parecer uma assassina em potencial.
—Estou pronta, vamos?
—Ainda não, se formos agora chegaremos muito cedo e é um ambiente expressante, não é bom ficar muito tempo.
"Ele já deve ter vasculhado minha casa toda", pensou enquanto o observava de pé perto de sua estante.
—Quer alguma coisa para beber?
—Não. Você tomou algum calmante?
—Ainda não, acha que vou precisar?
—Não, é melhor não tomar. Não quero ninguém sedado na frente do juiz.
—Certo, não quero que pensem que sou uma drogada além de ser uma agressora.
—Não é tão ruim assim, já tive casos piores em minhas mãos; mães que colocam fogo na casa com os filhos e o marido dentro, brigas por divisão de bens, crimes premeditados... Pelo menos você não usou uma arma de fogo ou esquartejou alguém.
—De fato, não matei ninguém até hoje, não por falta de tentativa...
—Não diga isso, nunca foram tentativas de homicídio, é o que sempre alegamos, então não fale isso em voz alta.
—Você acha que tem alguém no apartamento do lado do meu tentando me gravar dizendo que foi uma tentativa de homicídio, como uma confissão?
—Você ficaria muito surpresa com as coisas que já vi.
—Você é muito maluco, e eu reconheço pessoas malucas.
—Vamos, agora podemos ir.
Alice olhou para sua esquerda, onde viu Ricardo ainda engessado olhando para tudo menos para ela, já era de se esperar... Ele evitaria andar até na mesma calçada que ela e se pudesse não estaria na mesma sala que ela.
Chegaram a um acordo, Alice pagaria uma indenização por lesão corporal, o preço seria alto, mas ela não contestou, queria apenas sair daquele lugar.
—Está feliz com o acordo?
—Sim, você foi muito bem.
—Fico feliz em saber que o dinheiro que ganharei será justo.
—Estará na sua conta, agora tenho que ir.
—Não quer tomar um café comigo? Dessa vez eu não ponho na sua conta.
Alice já sabia onde aquilo terminaria e não queria correr o risco de perder seu ótimo advogado, mas não podia perder a chance de tentar outra vez e se desse certo dessa vez não precisaria de um advogado...
—Vamos
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Meias Palavras
Kısa HikayeQuando meia palavra é o bastante... Longas orações não são necessárias numa conversa entre bons entendedores.