Prefácio

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A porta do banheiro se fecha, ele – o leitor – tira a camiseta e joga no cesto de roupa suja e senta na privada com as calças e cuecas arriadas até o tornozelo. Aquele certamente é o melhor momento e o melhor lugar para se concentrar em uma leitura. Com o livro na mão, procura a página certa.

Sem olhar, se desvencilha das calças e cueca e com a ajuda do pé esquerdo atira ambos para perto do cesto de roupa suja. No livro, ele encontra o ponto onde parou de ler.

Nesse momento ele sente o vaso tremer sozinho. Estranho porque ele ainda não tinha feito nada. Estava apenas concentrado na leitura. O tremor aconteceu novamente. Era como se tivesse sido um leve terremoto. Ele gruda as pernas ao redor do "leva bosta" como se estivesse em uma moto. Nesse momento sente que está diminuindo de tamanho, ou a latrina está afundando no chão. Ele não está errado, está descendo por um buraco. A cortina do banheiro vai ficando mais alta, bem como a pia e o gabinete. Tudo vai passando diante dos seus olhos.

Vira a cabeça e olha seu banheiro pela última vez na altura do chão e em seguida é sugado para dentro daquele buraco negro. A sua hayabusa de louça está presa a algo. Ele não ousa se mover. Dos lados só há escuridão, o vácuo. Olha para cima e o quadrado luminoso é a última lembrança de sua casa. A "piscina dos morenos" desce até se fixar numa espécie de trilho.

De repente ele ouve um "psss"de ar comprimido e o bocão de louça que lhe morde a bunda é arremessado para frente como se fosse um carrinho de montanha russa. Ele aperta o livro nas mãos e as pernas ao redor do vaso. Sua aparência é de medo. Passeia pela escuridão até ver luzes vindas do alto. São outros quadrados luminosos. Outros quartos, banheiros, cozinhas, outros mundos. Ao seu lado, outros leitores passam presos em sofás sobre trilhos, alguns em camas, outros em cadeiras. Todos presos no emaranhado, com livros, laptops e celulares. Todos juntos na escuridão sem se ver, sem se conhecer. O desconhecido é perturbador e prazeroso.

O "porta cocô" passeia por trilhos desconhecidos e vozes desconhecidas de homens e mulheres são ouvidas no além. Ouve frases desconexas, sobrepostas e músicas também. A privada segue seu caminho até que no fim o leitor se junta as outras pessoas em um enorme círculo e diante dos olhos de cada um aparece escrito como se estivessem lendo em uma enorme tela de cinema:

                                                    2 HÉTEROS NUMA BALADA GLS

2 HÉTEROS NUMA BALADA GLS (2016)Onde histórias criam vida. Descubra agora