I. Ser (Humano)

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Eu sou um número. Uma sequência aleatória de dígitos, mas que, para o sistema, faz algum sentido. Sou mais multifacetada que um código binário, mas ainda sim, um código. Uma distinta distribuição de traços pretos; pequenos, grandes e médios, incrustados imaginariamente sob a minha pele, como um código de barras. Estou perdida em algum lugar dentro da proporção numérica Pi, junto a todas as demais coisas existentes, mas, de certa forma, todos estamos perdidos dentro de algo. Todos somos uma constante universal matemática. Um padrão.

A princípio eu relutei em aceitar essa realidade... Relutei em ser reduzida a uma sequência. Queria ser única, especial... Mas, eventualmente, todos quebram, todos cedem, comigo, por mais que eu quisesse dizer o contrário, ocorreu o mesmo.

Antes daqui todos me conheciam como Heda, mas até o conceito desse nome parece distante, como se não me pertencesse mais, agora sou a detenta 013, ou Lexa, no reformatório juvenil de Polis e essa detenta em particular tenta manter o nariz fora de problemas, pois aprendeu da pior maneira como eles lidam com eles.

- Se alguém parar de correr todas irão reiniciar! Até ninguém parar! – Cage, o "instrutor" físico, gritava a pleno pulmões e assoprava seu odioso apito, enquanto alisava aqueles cabelos ensebados nojentos e sorria maliciosamente.

Lexa o mataria dada a oportunidade, sem pensar duas vezes sobre as consequências. Ela o mataria apenas pelo prazer de tirar aquele sorrisinho cretino daquela cara deformada.

Era uma garota alta, esguia e atlética, correr não era problema. Estava acostumada a exaustão física, seus músculos protestando num ardor que se propagava do seu calcanhar até sua coluna, a respiração entrecortada pelas longas distâncias que era obrigada a percorrer, as unhas roxas pelos tênis inapropriados para aquela atividade, o frio que era submetida quando era forçada a correr numa temperatura de -2 ºC... Estava acostumada e não se importava. Reclamar, de qualquer forma, apenas a levaria para mais duas horas de punição.

Os cabelos, castanhos claros, balançavam ritmicamente enquanto um rabo de cavalo os prendiam no lugar. Era a primeira da sua fileira, o grupo das demais garotas não era sequer visto pela sua visão periférica. Compadecia-se delas, principalmente de Luna e Emori, que tinham comprovados problemas respiratórios, mas dó ali também é um item em falta.

- 013! – Cage gritou quando a morena estava quase concluindo seu percurso – Já que está tão adiantada, porque não dá outra volta? – completou sadicamente e novamente sorriu, estudando-a com aqueles olhos perversos.

Todo seu corpo implorava por um descanso. Podia sentir o sangue quente na planta dos seus pés, os calos que se formavam repetidas vezes durante uma mesma corrida, a desidratação que fazia sua visão turva... Ignorou cada uma dessas sensações e correu, levando nas costas a responsabilidade de que, se parasse, todas teriam que recomeçar.

**

LEXA

- Eu tenho um irmão e ele com certeza mataria Cage para mim – Octavia sentou-se ao meu lado no refeitório e, como usual, falava de boca cheia.

Dado o lugar onde estávamos eu tinha sérias reservas sobre não acreditar que aquilo pudesse ser verdade, afinal, todas estávamos ali por um motivo.

- Isso seria um sonho – Emori concordou, mas em seguida ponderou - Mas é melhor não, porque ninguém mais te visitaria se ele fosse pego – concluiu e Octavia pareceu concordar com essa lógica.

Luna sentava-se ao lado de Emori, defronte a mim, mas não tocava na comida. Tinha os olhos turquesa perdidos noutra dimensão, mas era sua beleza que me capturava a atenção. Luna era do tipo filosófica, de grandes dilemas pessoais e intelectuais, com ideologias políticas implacáveis... O tipo de hippie-política, com o bônus de ter a beleza de uma princesa exótica.

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