Capítulo 29

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Ela foge... foge da dor; e em meio ao caos, regozija-se com o amor.
- Gabriela Grisolia


Laura

Presa neste porão gelado, com madeiras pregadas naquilo que parece ser um basculante, sem a presença do Bruno, quase me faz acreditar que estou num horrendo sonho. Mas para meu desalento, o tremor do meu corpo reage instintivamente ao frio que faz no alto daquela montanha, certificando-me de que nada tem a ver com o ilusório.

Não que eu tenha visto o caminho percorrido, já que fizeram questão de vendar nossos olhos; mas o leve impacto para trás que meu corpo sofreu quando o carro se inclinou, desvendou o destino para o qual estávamos indo. No qual estou agora. Tentei manter a calma, então, conformada com o toque das mãos do Bruno, contei os segundos e fiz mentalmente os cálculos de quantos minutos permanecemos dentro daquele veículo. Duas hora em superfície plana e trinta minutos subindo o que parecia ser uma serra. Levando em consideração a alta velocidade do carro em terra plana e o tempo percorrido, estamos distantes de Mangueira e mais ainda de Porto Verde.

Se eu não morrer de angústia, certamente terei uma hipotermia. Não há nenhum colchão ou sequer um lençol que me esquente neste momento. O ruído dos ratos é o único som que me certifica de que não estou inteiramente só, mas a repugnância que me dá ao saber que são os únicos a estarem comigo naquele porão, desperta-me a ânsia de vômito.

Nessas horas lembro-me de mamãe contando sobre a criação do mundo e do homem que veio à terra para nos salvar do pecado. Apesar de nunca ter sido uma pessoa muito religiosa, elevo meus pensamentos para aquele que uma vez foi descrito como um homem bondoso e piedoso; para aquele que fez milagres em seu tempo e transformou vidas no âmbito psicológico e fisiológico de seus seguidores. Tento me concentrar na suave voz de mamãe ao descrever seu maior ídolo. Enquanto sou invadida pelas histórias, recrio o cenário em minha mente ao fechar os olhos: lá estou eu, deitada em minha aquecida cama, com as lâmpadas acesas e o leve carinho de mamãe roçando minha testa.

Mas logo volto à realidade e uma sensação horrível toma conta de mim.

Cansada de esperar por alguma providência, sento-me no chão e abraço minhas pernas frias. Por que tinha que estar tão frio? Por que tinha que estar tudo escuro? Por que eu tinha que estar aqui?

- Por quê? - pronuncio em voz alta.

Ergo minha cabeça ao ouvir a voz de Bruno e passos descendo a escada.

- Não me toquem! Onde ela está? - esbraveja.

Logo a porta é aberta e a luz vindo da escada clareia uma boa parte do ambiente.

Bruno arregala os olhos quando me vê e corre em minha direção. Eu o agarro com todas as forças e ele me corresponde com tamanha urgência. Logo sinto seu corpo emanando aquela quentura que é uma característica exclusiva dele. Agora sei que não morrerei de frio.

- Nossa, você está muito gelada! Tome, vista meu paletó - rapidamente retira a peça do terno e põe sobre os meus ombros. - O que está sentindo? Fizeram alguma coisa com você? - pergunta já levantando meus braços e procurando por algum vestígio de pancada.

- Estou melhor agora - respondo prontamente e sinto seu abraço reconfortando-me.

De repente, ouço o barulho da porta se fechando. Eles se foram. Abandono-me em seu colo e o abraço, aliviando-me de toda a angustia que fiquei durante a madrugada. Pelo tempo que Bruno ficou com eles, deduzo que não falta muito para amanhecer.

- Fizeram alguma coisa com você? - pergunto, temerosa de sua resposta.

- Não, apenas me interrogaram. Inácio nos descobriu - diz com uma voz contida.

Orgulho e Desejo (Revisando)Onde histórias criam vida. Descubra agora