A LUA CHEIA MOVIA-SE PELO...
... Céu, sinal de que o tempo
passava. Ísis continuava em
cima da árvore, mas o som dis-
tante da batalha começava a
preocupá-la.
— Não posso sair daqui. Não
posso! — tentava se convencer,
ao mesmo tempo em que queria fazer algo, sem saber ao
certo o quê.
Ísis escutou passos arrastados pela grama. Talvez fos-
sem de Thor. Espiou a floresta por entre as folhas da árvore.
— Mateus! — gritou, num volume mais alto do
que gostaria.
Mateus olhou para cima.
— Ísis?! Por Deus, anjo! O que faz aqui?
— Eu é que te pergunto! — disse ela, descendo da
árvore. — Você também foi sugado pela fenda?
— Do que você está falando?
Ísis abraçou o amado. Mateus deslizou como gelati-
na por entre seus braços.
— Por que você está assim? Gelatinoso?
— Eu morri.
— Hã?!
— Quando arranquei a flor, uma pedra rolou ro-
chedo abaixo e...
— Não, não pode ser verdade!
— Estou morto, Ísis.
— Meu Deus!... Então é pra cá que são enviados
os mortos.
— Sim. Como eu e você.
Ísis sabia que não estava morta, e tinha como provar.
— Eu não morri, Mateus. Veja! — e beliscou-se. —
Não me tornei viscosa. Continuo viva.
— M-mas...
— Preciso voltar pra Terra. Ouve esse barulho? É
uma batalha. Fui eu que a provoquei.
— Como assim?
— Tenho que tirar a gente daqui. Vamos rápido! No
caminho, te explico o pouco que sei.
O casal embrenhou-se pela floresta de Hel, em busca
do local onde Ísis fora jogada pela fenda.
Andavam, sem saber, pelos jardins do Inferno.
***
Tão logo descobriu a quebra da promessa que Ísis fizera a
Sleipnir, o rei decidiu fazer algo que nunca sonhara: encon-
trar-se com Hela.
A única criatura incumbida de guiar um rei através
do subterrâneo era o Pássaro-Trovão.
***
— ...E foi isso que aconteceu — finalizou Ísis, ao contar toda
a história a Mateus.
Quatrocentos e seis passos mais tarde, o casal topou com
um córrego de águas negras. Uma ponte de madeira fazia a liga-
ção entre suas beiradas mais próximas. Do outro lado, uma nebli-
na encobria a paisagem.
Ísis ia pisar a ponte, mas os braços gelatinosos de
Mateus a fizeram parar.
— E se houver um monstro, ou coisa pior, nessas
águas? Eu atravesso antes. Se for seguro, farei um sinal —
disse Mateus.
— Mas... e se te acontecer algo?
Mateus soltou seu sorriso piadista. O mesmo que
sempre exibia antes de contar uma piada. Um sorriso que
puxava sua bochecha direita para cima.
— Já estou morto. Não dá pra morrer duas vezes, certo?
— É. Faz sentido.
— Uh-hum — assegurou, pisando o pé direito
na ponte.
Cada ranger de madeira provocado pelos passos de Mateus
produzia um estranho e contínuo eco. Depois que Mateus entrou
no breu, Ísis não mais o viu, nem ouviu mais nada.
— Mateus! — gritou Ísis.
“Mateus!... Mateus!... teus!”, respondeu o eco.
Ísis pisou a ponte. Um som agudo reverberou pela flo-
resta. Ísis tresandou. Num lampejo, uma brisa passou por ela:
era uma criança gelatinosa correndo pela ponte até o breu. O
som dos passos ecoados da menina e de Mateus eram os mes-
mos. Por que os dela produziam um insuportável agudo?
— Mateus! — gritou novamente.
“Mateus!... Mateus!... teus!”, respondeu novamente
a ponte.
“Vamos, Ísis!”, pensou ela, “Atravesse a droga da pon-
te de uma vez”.
Ísis pisou a ponte, novamente. E novamente a ponte en-
toou seu agudo. Ísis tinha que agüentar o barulho, então tam-
pou os ouvidos e correu até chegar ao outro lado do córrego.
Desnorteada pela neblina cegante e quente, não teve
tempo de situar-se. Foi logo envolvida pela boca molhada e
fétida de Garm, o cão guardião.
***
Numa caverna escura do extremo norte de Olimpo, a águia
azul de proporções colossais hibernava.
Sozinho, Thor entrou na caverna. Como não enxer-
gava um palmo a sua frente, seguiu o som da respiração do
monstro. O Pássaro-Trovão pressentiu a chegada do rei, e
abriu seus olhos opalinos.
— Quem me desperta? — perguntou o monstro,
com sua voz trovejante.
— Thor, nobre pássaro. Sou filho de Odin, e rei de
Asgard.
— Então você é o sucessor. Se me acordas é por
um único motivo.
— Sim. Preciso ir ao encontro de Hela.
— Então suba, Alteza — pediu, abaixando a cabeça.
O Pássaro-Trovão mergulhou no solo rígido de Asgard.
Seu bater de asas sob a superfície fez a terra estremecer.
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ASGARD
FantasyO conto Asgard é a primeira incursão da autora de paradidáticos Juliana Dalla pela literatura fantástica. Através dessa obra repleta de referências mitológicas, a autora nos leva a uma aventura em sua peculiar versão do solo asgardiano. Nessa terra...