A BOCARRA DE GARM GUIOU...
... Ísis pelos labirintos sombrosos do
Inferno até o castelo de Hela: um
amontoado bege com vários buracos
malfeitos, interpretados como por-
tas e janelas.
Garm entrou por um dos buracos,
chegando a um salão abafado e va-
zio. Na verdade, não estava totalmente
vazio. Havia um trono em seu centro, ocupado pela diaba.
O cão soltou a garota no piso de mármore negro. Ísis
caiu de joelhos. Gestualmente, Hela pediu a Ísis que se le-
vantasse. E foi o que a jovem fez.
— Então você é humana de carne e osso... Me diga o
seu nome, querida.
Ísis abriu a boca para dizê-lo, mas alguém respondeu
por ela.
— Ísis! Eu já lhe disse — intrometeu-se Circe, sur-
gindo no salão ao lado de Quimera. — O nome dela já se
espalhou pelo Reino.
Hela perguntou novamente, desconsiderando o co-
mentário da amante.
— Qual o seu nome, querida?
— Í... Ísis — soltou, relutante.
— Hefesto fez um bom trabalho — maliciou a diaba.
— Me dê a humana — pediu Circe. — Ísis é nossa
garantia de paz.
— Humanos não são objetos de troca, meu amor.
— Majestade — vociferou Garm — as águas do cór-
rego respingaram a notícia de que a humana chegou aqui na
companhia de um morto.
— De quem é o espírito que a acompanhava,
querida?
— Do meu namorado. Mateus.
— Namorado?! Ora, mas que infeliz coincidência!
— admirou-se Hela. — Garm!
— Sim, Majestade.
— Encontre o espírito, e traga-o até mim.
***
Enquanto o Pássaro-Trovão sobrevoava o Inferno, Thor
contemplava, horrorizado, a feiúra da região subterrânea.
— Ísis sozinha num lugar como este... Oh, Zeus!
Tomara que ela não tenha atravessado a ponte!
— Se tiver atravessado, Alteza, nada lhe irá aconte-
cer. O subterrâneo é feio e quente. E apenas isso — foram as
palavras encontradas pela águia para acalmar o rei.
***
Garm cuspiu Mateus ao lado de Ísis.
— Ótimo trabalho, Garm! Agora volte para seu posto.
— Sim, Majestade.
Assim que Garm partiu, Circe encostou-se em Ísis.
— Vire minha prisioneira, Ísis. Cuidarei bem de
você. Em troca, Mateus voltará a viver.
Ísis achava aquela uma boa idéia, pensava em aceitar
a proposta, mas o guinchar trovejante do Pássaro-Trovão
desviou seu raciocínio.
Thor entrou no salão com passos firmes, pronto para
defender sua amada.
— Ora, mas que ilustre visita! Seja bem-vindo à re-
gião relegada! — provocou Hela, curvando-se para o rei.
— Nunca releguei terra alguma, Majestade — con-
temporizou Thor, beijando a mão de Hela. — Vim buscar
Ísis. A humana precisa voltar para a Terra.
— Chegou tarde demais — informou Circe. — Ela
tem namorado, sabia? Um namorado morto! E pensa em
trocar sua liberdade pela vida do rapaz.
— Não faça isso, anjo! — pediu Mateus.
Thor se pôs entre Circe e Ísis.
— Escute, Ísis! Circe não tem poderes para tanto.
Ela apenas transforma seres em bichos. Nada além disso.
Ísis procurou no olhar de Hela uma ajuda, mas
não encontrou.
— Seja minha — aconselhou Circe. — Com você
em minhas mãos, a batalha irá cessar, e seu Mateus volta-
rá à vida.
A proposta tentava o coração atordoado de Ísis.
***
Em poucos segundos, o sol da serpente emplumada surgi-
ria em Asgard. Até aquele momento, os kappas já haviam
matado quase todos os recrutas olimpianos. Hermes estava
acuado. Só um milagre reverteria o quadro.
***
— Voltarei pra Terra — decidiu Ísis.
Os olhos vermelhos de Circe fervilharam com a
resolução.
— Se não vem por bem, virá por mal — disse a bruxa, espalmando as mãos sobre a humana.
Thor gritou um longo “não”, e cravou sua espada
nas costas de Circe. A feiticeira caiu no chão, mas sua
magia já tinha surtido efeito. Agora Ísis era um pequeno
roedor amarronzado.
Mateus correu ao encontro do rato. Quimera, ao encontro de sua milêdi.
A espada de Thor adormecia quem por ela fosse atingido. Retirando-a do oponente, podia decidir por sua
ressurreição ou morte. Para Circe, ele escolheu o pior.
— Perdoe-me, Majestade. Não tive escolha — disse o
rei à diaba. — Desrespeitei a Lei Divina, mas Circe o fez antes.
— Só os covardes não escolhem. Só os covardes não
sabem a hora de parar. Circe pagou pelos próprios erros. É
hora, jovem rei, de você pagar pelos seus.
Nessa hora, o alerta de Apolo ressoou em Thor: “A
paz não pode ser mantida à força”. Mas era tarde demais.
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ASGARD
FantasyO conto Asgard é a primeira incursão da autora de paradidáticos Juliana Dalla pela literatura fantástica. Através dessa obra repleta de referências mitológicas, a autora nos leva a uma aventura em sua peculiar versão do solo asgardiano. Nessa terra...