Fios Cortados

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- Não é possível. - exclamou incrédula com a hipótese apresentada por Pin. - Não existe nada que se sobreponha a Morte.

- Nós sabemos que não é necessariamente verdade. - rebateu Láquesis. - Deus se sobrepõe.

- Deus é um caso a parte. E como sabemos que o mesmo é onipresente e onisciente, então é impossível existir algo que supere a Morte sem que Ele saiba. - disse ela enquanto apontava seu indicador para o alto. - Então, voltamos a um erro administrativo.

- Você, definitivamente, não vai insinuar que a Fábrica de Fiação tem culpa no que vêm acontecendo. - exclamou Láquesis da forma mais tranquila possível. - Talvez, os Ceifadores não saibam ler. - Celeste o olhou com repreensão e deboche. - O quê? Devemos avaliar todas as hipóteses.

- Então, talvez, a culpa seja dessas suas crianças que não sabem escrever direito. - a Ceifadora riu sarcasticamente.

- Não há erro administrativo por parte da minha Fábrica. - rebateu Láquesis.

- Nem por parte do Parque. - finalizou Celeste. Pen e Pin estavam apreensivos com seus olhares atentos para aquelas farpas que eram lançadas.

- Tudo bem... - falou Pin quebrando aquele clima estranho. - Nunca saberemos de quem é a culpa, não é?

- Só podemos tentar reparar os erros atuais e impedir que surjam novos. - complementava Pen. - Vou pedir para a Glass verificar o lançamento de nomes.

- Glass? - indagou Celeste franzindo sua testa e arqueando suas sobrancelhas.

- É a menina da Sala dos Nomes. - respondeu Láquesis. - Imagino o quanto deve ser desorganizado o Parque.

Celeste lançou mais um olhar de repreensão que foi respondido com um sorriso falso.

Láquesis seguiu em direção à porta e ambos chegaram à sala circular. Subiram as escadas e chegaram ao Setor da Roca de Fiar vendo crianças correndo de um lado para o outro.

- O que está acontecendo? – questionou a Ceifadora percebendo a correria.

- Não sei. - Láquesis parou um garotinho de nove anos que levava uma caixa com fusos. - O que está acontecendo, Shoe?

- Atentado em Bruxelas. Mais de 30 pessoas morreram. Estamos repondo os fusos. – o menino parecia estar com pressa.

- Pode ir. – disse o homem soltando o ombro do garoto. – Sua pergunta foi respondida?

- Sim. Obrigado por me receber e manter o Parque a par da situação. – disse Celeste quase que agradecendo pela receptividade de Láquesis sem perder sua pose de seriedade.

- Não pense que trato os Anjos da Guarda e a Vida de forma especial. Eu sou aquele filho que apazigua a briga entre irmãos. – disse encarando Celeste. – Eu também não gosto do descaso que o Centro de Artes tem com a Fábrica de Fiação.

Aquilo soou como música para os ouvidos de Celeste. Ela deu um sorriso e inclinou sua cabeça. Por algum motivo, a Ceifadora parecia não gostar dos Anjos da Guarda.

Parque de Diversões

Sobre o telhado do Bar, duas cadeiras estavam posicionadas de forma estratégica ao lado do letreiro de um cowboy bebendo cerveja. Lucy e Lafayette estavam sentados enquanto admiravam a visão daquele céu escuro e sem brilho. Lafayette estava somente de blusa social preta justa ao corpo revelando o contorno de seus músculos.

- Meus pais eram ótimos, porém... Eles ficaram distantes de mim e do meu irmão. – desabafava enquanto olhava Lafayette. Os olhos do homem roubavam toda a atenção da garota que o encarava.

- Eu sei. – concluiu confirmando com a cabeça. Ele falou naturalmente como se soubesse que aquilo fazia parte do cotidiano da garota.

- Sabe? Como? – em seu rosto, uma expressão de dúvida se instalou.

- Tenho fontes, minha querida. Minhas irmãs gostam de falar muito. Só é preciso estar disposto a ouvir. – disse enquanto revirava os olhos. Lucy riu, mas depois parou e ficou pensando. – O que foi?

- Eu não quis falar da minha família, então, seria errado perguntar quem são suas irmãs? Ou seu pai? E quem é esse seu avô?

- Sim, seria. – diz parecendo sério. – Eu só dou aquilo que me é dado. – ele liberou um sorriso quebrando a tensão que surgiu entre os dois.

- É que eu não estou pronta para falar. – a loira deu uma pausa. – Ainda não.

- Eu entendo. – encarou-a. – Não tenho só irmãs, pai e avô. Tenho tios também. E uma tia.

Naquele momento, Lucy notou um sorriso bobo saindo da boca encantadora de Lafayette. Os olhos dele pareceram brilhar desejando algo. Ou alguém.

- Você... Você... – a garota riu descaradamente e pôs a mão na boca. Parecia ter descoberto um segredo. – Você gosta da sua tia.

- O quê? – Lafayette inclinou-se para trás absorvendo aquela frase. – Não. Isso seria pecado. – falou pausadamente debochando da própria frase.

- Até parece que se importa em ser um pecador. Você é Lafayette. Você é a Morte. – gesticulava a garota. – E você meu caro sente algo por sua tia, não é?

- Ela não é exatamente minha tia. – dizia fitando seus olhos em cada movimento de Lucy. – Ela só é irmã do meu pai.

- Tirou toda a importância disso. – rebateu a Ceifadora com puro sarcasmo. – Isso é incesto.

- Não, minha querida. Incesto seria se fossemos uma família de verdade. – falou levantando-se de sua cadeira e indo até a beirada do telhado vendo a Montanha Russa e a Roda Gigante brilhando com cores bem vivas. – Mas é como se fossemos bactérias. Qual aquele termo que vocês usam na Biologia? Reprodução... – perguntava para si mesmo enquanto estalava os dedos.

- Assexuada. Tipo bipartição. – pareceu feliz por saber a resposta. A garota nunca foi boa em Biologia. – Então, o seu avô pegou um pedaço dele e criou seu pai e seus tios? – pareceu surpresa com aquela teoria.

- Basicamente sim. E meu pai fez o mesmo. Foi assim que eu e minhas irmãs surgimos. – disse sorrindo e empunhando suas mãos para o alto como se comemorasse.

- Isso é incrível... E ao mesmo tempo estranho. – dizia levantando-se e aproximou-se do homem de preto sem blazer. – E é legal saber que bem aqui... – falou dando uma tapinha no peito da Morte. – Existe um coração apaixonado... – diminuiu seu tom de voz como se contasse um segredo. – Pela própria tia.

Lafayette sorriu e negou com a cabeça revirando seus olhos rindo de Lucy e suas ideias. Aquele pequeno tempo de descontração foi logo encerrado. Um brilho amarelo surgiu no braço da Ceifadora.

- Sério? – disse encarando Lafayette.

- Somos bons amigos, mas você ainda trabalha, sabia? – disse rindo das expressões que a garota fazia.

- Yuri Aleksandrovitch. – seus olhos refletiam o amarelo do nome. – Bom, o trabalho me chama. Vou indo. Tchau. – Lucy seguiu até a beirada do telhado e pulou pousando no chão arenoso e seguiu em direção a Casa de Espelhos.

Lafayette continuou olhando para as pessoas se divertindo nas barracas e nos brinquedos. Ele pôs um sorriso em seu rosto. Adorava ver aquelas pessoas se divertindo no Parque de Diversões. Em sua mente, as palavras de Lucy invadiam repetidas vezes. É bom saber que bem aqui tem um coração apaixonado pela própria tia. Ele sorriu após refletir sobre aquilo.

Ergueu suas mãos para o alto enquanto fitava naquele céu desprovido de luzes e as movimentou em direções contrárias até tocarem nas coxas do mesmo. Diante de todas as pessoas ali presentes, repletas estrelas surgiram dando um ar mais simples e ao mesmo tempo lindo ao ambiente.

Os aplausos surgiram em pequenos pontos específicos até que toda a multidão estava a comemorar aquele maravilhoso espetáculo luminoso.

- E que se faça luz. - sussurrou Lafayette para si mesmo.

Rest in PeaceOnde histórias criam vida. Descubra agora