Estava tudo tão tedioso aquela tarde, não apenas pelo fato de ser o último dia das férias, mas por ser um domingo de chuva. À noite, teria culto, era filha dos pastores, por isso era "exemplo" para todos. Me apresentava com as mesmas canções todo o domingo. A Igreja não era tão grande, e nem muito povoada, até porquê morávamos no interior da Virgínia, Middleburg. Era tudo chato e para baixo, como se a cada dia morresse algum familiar.
Minha mãe era um amor, mas submissa ao meu pai. Ela se casou com apenas 15 anos, pois meu pai quase a obrigou à isso. Meu pai era grosso e machista, achava que qualquer coisa era coisa de mundo e deixavam as mulheres fracas.
Me afundei em meus pensamentos o resto da tarde. Já estava no segundo do ano do segundo colegial, sabia exatamente o que queria, mas convencer meu pai não seria facil, resolvi sair um pouco do meu quarto, pois estava quase virando parte daquele cômodo. Descias as escadas, que, mesmo cobertas pelo carpete, ainda podia sentir o gelado do piso.
Meu pai estava sentando á mesa, e minha mãe na cozinha.
- Oi, pai. - Disse baixo, provavelmente ganharia esporro por ter ficado em meu quarto todos esses dias.
- Lembrou que tem pai, Hillary? - Grosso, ele respondeu, fitando a porta.
- Desculpa não ter saído esses dias. São meus últimos dias livres, eu quis dormir o quanto pude.
Ele suspirou alto e se levantou, ficando em minha frente. Eu levantei o olhar para vê-lo.
- Como se fala? - Seu timbre de voz mudou, assim ,ficando calmo.
- Benção,pai.
Ele sorriu e voltou a sentar-se.
- Eu...Queria falar com o senhor. - Me sentei em uma das cadeiras que haviam em seu lado. - É sobre a faculdade de dança.
- Já conversamos sobre isso,Hillary. - O tom de voz dele mudara, voltando a ficar grosso.
- Pai, por favor. É o meu sonho.
- Filha minha não vai se meter com essas coisas de mundo. E chega desse assunto. - Ele se levantou e bateu com a mão na mesa de madeira. Via a raiva transbordar em seus olhos, e não entendia do porquê tanto ódio.
Em meus olhos se formavam lágrimas de raiva. Podia ouvir os passos apressados de mamãe por trás de nós, e suas mãos delicadas encostarem meus ombros. Não pude ver minha mãe pois meus olhos eram concentrados em meu pai, mas pela expressão dele, minha mãe já estava a chorar.
Minha mãe sempre tomou a culpa por mim, pois sabia que as atitudes de meu pai eram bem exageradas, mas na maioria das vezes concordava com ele.
- Está na hora,Hillary. Vai se arrumar para o culto.
Fui para meu quarto, evitando ao máximo olhar para o rosto de minha mãe. Nenhuma mãe gostava de atritos na família, ainda mais quando são entre pai e filha.
Minhas vestes eram simples, um vestido marrom longo, iam até meus pés; as mangas até os pulsos, e a gola subia em meu pescoço. Às vezes me sentia sufocada. A nossa religião abominava qualquer tipo de cuidado próprio, então minha aparência era patética. Minhas meias escuras iam até os joelhos, e meus sapatos eram fechados. Tive que prender meus cabelos, o que foi bem difícil já que batiam em minha cintura.
Pude ouvir batidas na porta, e assim mandei entrar. Era minha mãe, seu rosto estava melado de lágrimas, e seu olhar era derrotado. Ela entrou devagarinho e fechou a porta atrás dela, e logo se sentou em minha cama.
- Minha filha, não sei porque ainda insiste nesse assunto. - Sua voz era trêmula
- Mamãe, não precisa chorar. - Corri para abraçá-la. Ela sofria mais que ninguém com essa situação.
- Você sabe como seu pai é,Hillary.
- Sim, eu sei. - Me sentei ao seu lado, e ela pôs-se a acariciar meu rosto.
Mamãe sorriu, eu a compreendia, menos o fato de não poder dar opinião sobre a criação da própria filha.
- Vamos? - Ela disse.
- Vamos sim. - Me levantei antes que ela, e a ajudei a levantar. Assim que a pus de pé, fui supreendida por um abraço.
- Eu te amo tanto,minha filha. - Ela disse em sussurro.
- Também te amo,mamãe. - Respondi no mesmo tom.
Logo fomos interrompidas por um berro de meu pai, que nos chamava. Descemos às escadas de mãos dadas. Pude sentir as mãos de mamãe suar ao chegar perto de meu pai.
- Estava na hora, né? Não temos a vida toda. - Papai respondeu ríspido, e olhando para o relógio.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Machine
RandomO que é o inferno comparado ao que eu passei durante todos os anos? Em 1963, a vida era bem diferente do que é hoje; famílias conservadoras vivendo em uma sociedade ainda machista. Minha vida não foi fácil, nem um pouco. Entre 1963 à 1967 eu vivi in...