Há alguns anos eu era apenas uma garota de 10 anos que via a mãe partir de casa sem mais nem menos. Não houve briga, gritos ou choros, nada. Certo dia ela simplesmente foi embora, cansada da vida monótona, imagino. Em 13 de fevereiro tudo mudou, inclusive eu. Esse dia ficaria marcado, eu nunca o esqueceria.
Era um dia normal para mim, eu recordava de forma meio vaga. Eu havia chegado do colégio esperando fazer a mesma rotina de sempre e dormir para no dia seguinte repetir tudo de novo. Mas não foi o que aconteceu.
Eu joguei minha bolsa no sofá e corri para a cozinha para pegar um pedaço de chocolate escondido da minha mãe antes do jantar. Então encontrei meu pai sentado na velha mesa redonda de madeira da cozinha. Ele estava de cabeça baixa, não podia dizer com certeza se ele estava chorando ou não, mas sabia que havia algo de errado.
- Pai? – chamei-o, meio preocupada.
Ele levantou a cabeça e forçou um sorriso ao me ver. Ele fungou um pouco, mas não havia uma lágrima em seu rosto, o que meio que me aliviou, mas sua expressão preocupada e a tristeza em seus olhos me diziam que algo não estava bem.
Ele colocou as mãos em meus ombros e me pediu para chamar Brad. Eu estava muito nervosa, mas foi o que fiz. Cheguei à cozinha com meu e nosso pai nos mandou sentar, nós o obedecemos enquanto ele fazia o mesmo.
Ele limpou a garganta e enlaçou as mãos.
- Deus, eu não sei como fazer isso. – ele disse para si mesmo – Meninos, esta manhã... sua mãe...
- Ela morreu? – Brad gritou, levantando com os olhos assustados.
Nosso pai ficou inexpressivo.
- Não. – Brad se sentou, mais aliviado – Ela apenas... nos deixou. Ela foi embora.
Brad fez uma expressão triste e confusa, eu não fazia ideia de como reagir.
- Ela foi pra onde? – ele perguntou.
- Não sei, filho, não sei.
Então finalmente eu reagi. Levantei da minha cadeira de uma vez, fazendo-a arrastar no chão e fazer um barulho irritante.
- Mas ela vai voltar, certo? – perguntei esperançosa.
Meu pai pareceu ter feito uma expressão de pena que agora eu entendia. Ele nunca acreditou nessa possibilidade.
- Não sei, querida. Talvez. Eu realmente não sei dizer.
Ela havia nos deixado uma carta. Meu pai nunca deixara eu ler, nem meu irmão. Eu acreditava que ela voltaria. Passei anos esperando por sua volta. Após a escola eu sentava na escada da porta de casa e esperava. Ela nunca voltava, então eventualmente fui perdendo a fé, não só nela, mas em tudo. Eu havia me tornado uma ateia da vida.
O único ponto positivo foi poder aprender sobre os vizinhos. Descobri bastante coisa sobre eles. Era divertido criar histórias para cada um deles, e tenho quase certeza de que eram menos miseráveis em minhas histórias do que em suas vidas monótonas.
Descobri que a Sra. Peyton traia seu marido com seu personal trainer enquanto ele trabalhava e depois de deixar seus filhos na creche. Também descobri que Sr. Kepler, que morava no fim da rua olhava para ela toda vez que ia andar com seu cachorro com um olhar de quem queria fodê-la, e seu cachorro, na verdade o odiava.
E também havia o Colin, que costumava ser meu melhor amigo, eu havia deixado de falar com ele desde Aquele Dia. Enfim, acontece é que sua família não era tão normal e perfeita quanto aparentavam ser. Ás vezes via os pais de Colin brigarem feio enquanto Colin subia para o seu quarto com as mãos nos ouvidos para não ouvir a gritaria que atravessava a rua.
Ah, e tinha o Greg. Ele era um senhor gentil que sempre me cumprimentava quando passava por mim em suas caminhadas diárias do fim de tarde. Achava-o simpático.
- Acorde! – Brad gritou no meu ouvido, fazendo-me pular de susto ao acordar.
Esfreguei meus olhos e fuzilei ele, irritada.
- Que porra é essa? – disse olhando para o relógio da mesinha em seguida – São 8 da manhã!
Gritei com raiva. Brad simplesmente revirou os olhos, nada surpreso com tal reação.
- Eu sei. Eu vim chamá-la para nós aproveitarmos as nossas férias antes da faculdade.
Eu sentei na cama.
Brad era meu irmão gêmeo. Nossa aparência era uma mistura de características herdadas do nosso pai, outras da nossa mãe. Exceto isso éramos completamente diferentes. Ele transbordava alegria, era divertido e decidido. Eu era o oposto, negativa e fechada, porém Brad era o único que me entendia e era meu melhor amigo, ou melhor, meu único amigo. Era absurdamente lamentável, mas eu não falava com ninguém, exceto ele e meu pai.
Honestamente, não fazia ideia porque havia me desenvolvido assim, talvez tenho algo a ver com o fato de minha mãe ter partido no início da minha adolescência. Era uma fase importante, primeira menstruação, garotos, colégio, dúvidas, curiosidades. Eu precisava dela para me guiar, meu pai não soube nem comprar um absorvente certo para mim na minha primeira menstruação e acabou trazendo um OB, foi um desastre.
- Não foi colocar isso... lá – eu disse.
- Deus, use isso! Sua mãe costumava usar. – meu pai exclamou, sem saber o que fazer.
Eu o encarei, furiosa.
- Pai, eu não vou usar essa droga! – joguei o OB no chão e saí.
Apesar disso, era nessa fase que o nosso caráter e princípios eram construídos, quais eu não tinha. Eu não tinha princípios algum e meu caráter era de merda. Minha vida é uma droga, eu tenho que admitir. No momento minha única excitação era de ir para a faculdade e isso nem era tão excitante.
Mas eu tenho um desejo absurdo de fazer algo grande e importante. Sabe aquele grande acontecimento da sua vida que acaba se tornando o marco de sua existência?
Esse é meu grande desejo. Fazer algo para mim, ninguém mais. Lá no fundo eu sei que mereço. Pela vida que eu levo, eu sei que sim.
- O que você quer dizer? – perguntei, sentindo-me um pouco perdida.
Não havia feito planos com Brad, então não fazia ideia do que ele dizia.
- Nós vamos para a casa de praia dos pais da Caroline.
Tentou me fazer lembrar. Ás vezes me sentia mal por não dá sempre total atenção ás coisas que Brad fala, mas ele fala bastante, eu acabo me perdendo entre suas histórias.
- Caroline? – torci meu nariz ao pronunciar seu nome, não fazia questão alguma de esconder minha antipatia por ela.
Brad concordou.
Caroline nunca foi muito agradável comigo, eu também nunca fui com ela. Era um sentimento mutuo. Ela namorava Colin e um dos motivos de ela não gostar de mim era o fato de eu e Colin termos crescidos juntos, praticamente, o que tornávamos um pouco íntimos. Mas não era o caso, eu e Colin agíamos como completos estranhos agora.
Caroline tinha uma beleza impecável e era bem fútil quando se tratava disso, ou praticamente tudo, e como a maioria dos ricos da região, era esnobe, assim como sua família.
- Não sei como você ainda insiste em tentar me convencer a sair com esse pessoal. – disse e saí da cama.
Após escovar meus dentes e tomar um banho quente fui até a cozinha.
O fato de eu não ter amigos nenhum era triste. Nunca me divirto, ou tenho alguém para contar algo emocionante, ou algo emocionante para contar. Porém, o lado bom era não ter que esperar nada de ninguém. Eu nunca teria chances de me decepcionar. Eu não tinha que se lembrar de datar de aniversários – exceto do meu pai e Brad –, ter que consolar alguém ou ter que fingir estar interessada em alguma coisa estúpida.
Eu costumava ter uma amiga na escola, era mais uma colega, na verdade. Eu e Many nos falava ás vezes, talvez tínhamos criado alguma conexão especial momentânea nesse curto tempo em que nós conversamos.
Eu era uma grande fracassada. Mas tinha certeza de que muita coisa ainda estava por vim, afinal, eu só tinha 18 anos. Tinha a esperança de conhecer um grande amor, viver o que eu chamo de "O Grande Momento", sentir uma enorme emoção e daí eu teria vivido o meu clímax da vida. Era tudo o que eu procurava, tudo o que eu queria, viver algo inesquecível, o clímax, o ponto alto da sua vida, onde você faz loucuras que um dia não passarão de meras lembranças contadas aos seus filhos e netos. Eu viverei meu clímax um dia.
Senti o cheiro de bacon exalar pela cozinha, fazendo minha barriga roncar alto.
- Bom dia, querida. - meu pai me cumprimentou assim que me viu.
- Bom dia, pai.
Puxei a cadeira da mesa redonda da cozinha e me sentei.
- Está com fome? – perguntou, quebrando perfeitamente um ovo e despejando na frigideira.
Desde que minha mãe havia nos deixado, meu pai havia feito de tudo para se manter o ocupado, na esperança de conseguir esquecer a dor. Ele assistia a vários programas culinários e ás vezes até séries de adolescentes(Essa fase foi a mais estranha). E tentava mostrar que já havia superado a sua partida, mas quem o conhecia sabia que ele sentia falta dela todos os dias. Sua aparência havia mudado bastante, seus cabelos estavam mais grisalhos de tanta preocupação, suas olheiras eram evidentes e havia perdido bastante peso desde então. Eu odiava o ver daquela forma.
Derramei o suco de laranja no copo e fiz um sinal positivo com a cabeça para ele. Ele me serviu bacons com ovos e logo em seguida se sentou para comer também.
- Você não vai viajar com seu irmão? – perguntou.
- Não sei. – respondi com a boca cheia.
- Bem, você deveria, eu acho. Não há muito que fazer aqui, você ficará entediada.
- Eu não me dou bem com eles, pai.
- Você não se dar bem com ninguém, Mel. – disse da forma mais amistosa.
Acabei com minha mochila pronta. Coloquei o essencial. Peguei meu Ipod e guardei no bolso traseiro da calça, então levei minha mochila até o carro. Tentei me encorajar com o pensamento de que nada poderia piorar.
Brad e Caroline já estavam aos gritos, ansiosos pela viagem. Ele não podia ser mais gay com ela.
Quando tínhamos apenas 15 anos Brad decidiu assumir sua sexualidade ao papai. Eu fui a primeira a quem ele contara e eu disse a ele o quanto eu o apoiava e me orgulhava dele. Foi uma fase difícil, pois ele sabia que aquilo muda tudo, as pessoas iriam agir de forma diferente, iriam julgá-lo, iriam machuca-lo da pior forma. As pessoas são desse jeito, a sociedade vive em busca de uma perfeição inexistente, de uma pureza corrompida, sendo assim eles desprezam os diferentes. A verdadeira perfeição está nos nossos defeitos e a pureza na simples aceitação e o respeito alheio.
Encontrei Collin na porta de casa, ele estava colocando as malas no carro. Dei um abraço no meu pai antes de entregar a mochila para Collin com um "oi" desconcertado, então entrei no carro. Brad sentou ao meu lado, ele ainda estava conversando besteiras com Caroline.
- Oi, Melanie – ela disse, como se não tivesse me visto antes.
- Oi.
Peguei meu Ipod da calça e fui até a biblioteca de músicas. Primeiro minha respiração ficou pesada enquanto meu corpo ficava quente no momento em que a raiva começou a me dominar. Não havia música alguma, haviam sumido todas, estava vazio.
- Mas que...
Brad se mexia suspeito ao meu lado. Então ele acabou dizendo:
- Foi o único jeito de fazer você interagir. Desculpe.
Olhei para ele, irritada.
- Eu não consigo nem falar com você direito agora, Brad.
Ele me olhou com uma expressão de quem queria falar algo, mas acabou achando melhor não, e eu sabia o que estava passando em sua cabeça.
Ás vezes eu sabia o que Brad queria dizer, pelo fato de ele ser previsível, exceto isso nunca tivemos aquela estranha ligação que gêmeos costumam ter. A grande ironia era que eu tivera aquela "estranha ligação" com Colin.
Após vinte minutos de viagem, ouvindo Brad e Caroline tagarelarem sem parar e Colin dirigindo em silêncio, paramos em um posto de gasolina no caminho. Brad e Caroline foram para o banheiro, enquanto Colin enchia o tanque. Saí do carro e me encontrei contra ele, ao lado de Colin.
Ainda estava tentando esquecer o que Brad fizera, eu já não gostava dessa gente e o fato de não ter nada para me distrair das suas futilidades me deixava irritada.
Inalei o cheiro de gasolina.
- Sabia que inalar gasolina assim pode causar danos neurológicos, resultando a dores de cabeça, tontura...
Sorri para ele sem achar graça.
- Você acabou de falar como um perfeito nerd. – zombei, interrompendo-o.
- E você como uma perfeita ignorante. – retrucou.
Sorri com sua resposta.
Colin sempre fora estupidamente inteligente, por parte graças a constante cobrança dos seus pais para entrar em uma boa faculdade. Colin já tinha a vida toda arquitetada pelos seus pais, era bem triste.
Caroline e Brad vieram tagarelando alguma besteira, eu entrei no carro revirando os olhos para essa viagem patética e esperei nós partirmos. Vi Caroline encostando Colin contra a janela do meu lado no carro e beijá-lo. Logo fiz uma cara de repulsa.
- Nojentos. – disse para mim mesma.
Todos voltaram a ocupar seus respectivos assentos, enquanto Colin informava que faltavam 15 minutos até a casa de praia. Após um tempo finalmente chegamos à casa de praia e eu fiquei aliviada, pois não aguentava mais escutar Brad e Caroline cantando.
Saí do carro e peguei minha mochila antes que Colin fizesse isso. Entrei na casa, era enorme e não fazia ideia onde ficaria. Colin entrou com as malas nas mãos e me olhou perdida no meio da sala.
Ele sorriu.
- Deixe-me mostrar onde você ficará.
Ele foi pegar minha mochila, mas eu institivamente afastei-a.
- Me deixe levar.
Hesitei, mas o entreguei.
Segui ele pelas escadas até chegarmos no segundo corredor no segundo andar repleto por portas. Colin abriu uma das portas e colocou minha mochila em cima da cama do quarto.
- Obrigada. – agradeci.
E de repente fui dominada pelo desconforto de estarmos a sós ali. Era esquisito, me sentia ao lado de um estranho, havia anos que não trocava mais de duas palavras com ele.
- Você vai descer? – perguntou.
- Não sei. Talvez.
Já estava começando a me arrepender de ter vindo.
- Bom, qualquer coisa estarei com o pessoal lá em baixo.
Assenti.
E assim ele deixou o quarto. Sentei na cama e suspirei. Ás vezes eu desejava ser menos complicada, menos sozinha. Por mais que eu odiasse admitir, odiava o fato de ser assim, mas foi quem eu havia me tornado, quem a vida havia tornar.
Peguei a cópia do meu livro favorito, Anna Karenina, na esperança de me distrair, mas então fui surpreendida por Brad que chegou jogando meu livro de volta na mochila.
- Você não vai ler, você não vai ouvir, você não vai pensar, você não vai...
- Respirar?
- Vamos descer e tomar algumas margaritas.
- Não quero beber álcool tão cedo. Eu nem bebo, na verdade.
Brad revirou os olhos.
- Nossa, como você é puritana. Por que seguir todas as regras?
- Você é babaca, Brad.
Ele riu.
- Você pode ao menos descer?
Bufei.
- Tudo bem. – cedi – Mas vou levar Anna Karenina.
Desci, indo até a varanda e sentando em um balanço de vista para o mar. Comecei minha leitura, quando de repente Colin aparece com um whisky em mãos.
Ele usava óculos escuros e os primeiros botões de sua camisa estavam abertos, expondo parte de seu peitoral.
Ele sentou ao meu lado sem me olhar, deu um gole em sua bebida, até que eu disse:
- Deus, como você está parecendo com um cafetão agora.
Ele sorriu e então se virou para mim.
- Bom, e você... parece bem careta. – revirei meus olhos enquanto ele observava o livro que eu lia – Anna Karenina?
- É um romance clássico.
- Adultério é romance? – ele riu.
- Nesse contexto, sim. Por está zombando do gênero literário? Você tem algum problema com ele? – disse me sentindo um pouco insultada.
Ele riu e bebeu seu whisky. Eu sabia que Colin estava se divertindo, pois ele gostava de ter que provar seu argumento em um desafio. Por mais que eu odiasse admitir isso, ele era brilhante.
- De forma alguma. Estou apenas comentando um fato.
- Você está sendo pior do que Brad quando me pegou lendo Lolita.
Ele fez uma expressão surpresa.
- Lolita? Adultério e pedofilia? Uau, você é suja, Grey.
- Eu não...
- Lolita é um dos piores romances. Se é que pode ser encaixado nesse gênero.
- Ah, é? Por quê? – despertou uma curiosidade em qual será sua opinião, eu estava secretamente fascinada.
- Bom, vejamos. Um velho é obcecado por uma garota de 12 anos que não sabe nem o que está fazendo. É uma concepção justificada e válida.
- Você está certo. – cedi – Mas Ana Karenina é um romance, sendo adultério ou não. – concluí.
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Beirut
RomanceMelanie Grey é uma garota qualquer e sem amigos (com exceção do seu pai e irmão gêmeo). Ela percebe que está indo para faculdade sem ter vivido nenhuma experiência e se ver com apenas um verão para tenta reverter isso antes de ir. No momento que...