Leonor afagou os cabelos molhados de Allister. Ela queria muito ficar com ele, isso era inegável. Mas não poderia fingir que sua vida antes do Argonauta nunca houvesse existido. Provavelmente tinha pais, irmãos, uma família que estaria preocupada, desesperada por pistas de seu paradeiro. E o que teria acontecido para que ela aparecesse no meio do mar, com a cabeça machucada?
- Eu...eu descobri que não posso viver sem você. - ele prosseguiu. - Quando você está por perto eu sou capaz de deixar toda minha mágoa de lado. Sempre que eu entrava na cabine e você já estava dormindo eu a observava, imaginando se algum dia você seria minha.
- Allister, você não sabe quanto tempo eu esperei para ouvir isso. Mas me dói muito dizer que eu preciso prosseguir. Se algum dia conseguirmos escapar daqui eu precisarei seguir em frente, para encontrar as minhas raízes e tirar essa sensação de vazio da minha cabeça, mas eu quero que você esteja do meu lado, me apoiando quando chegar a hora da verdade.
- Eu estarei lá, meu anjo. Embora eu ache que não possa suportar o que está por vir.
- Como assim? Do que tem medo? Eu nunca te abandonaria!
- É que, você já não era mais virgem. Não me entenda mal, isso não me importa. Mas há uma grande possibilidade da que você já seja comprometida e que o homem da foto que carrega no medalhão seja seu marido.
Ela ainda não havia pensado nisso. Em nenhum momento sentiu a consciência pesada, ou a sensação de estar traindo alguém. Se havia um outro homem em sua vida, um que ela amasse, seria natural que ela sentisse um pouco de remorso ao fazer amor com outro, não?
- Allister, você não precisa se preocupar. Eu quero apenas saber de onde eu vim e como fui parar naquele naufrágio. Não me interessa mais nada, nem mesmo o que a sociedade idiota pensa. Eu sou apenas sua, agora e para sempre.
Era tudo o que ele queria ouvir. A aceitação da mulher que amava, independente do que havia acontecido no passado dos dois o amor prevaleceria, de qualquer jeito.Mais dois dias se passaram. Leonor nunca havia visto Allister sóbrio por tanto tempo, e nem tão feliz. Qualquer descoberta na ilha era motivo de festa para ele, como uma criança. Ela inclusive já havia superado o trauma inicial de comer lagartos e tartarugas.
Foi na madrugada do terceiro dia que Allister a acordou aos berros.
- Leonor, levante-se! Estamos salvos! É o Argonauta!!
Ela levantou-se, apressada.
- Não posso acreditar! Você já acendeu a pira?
- Já sim! Agora é só esperar que o velho Jason entenda o sinal é venha nos buscar!
Ela sorriu. Já poderia considerar este pequeno incidente como sua lua de mel. Um descanso de tudo e de todos. O tempo necessário para que eles se entendessem e formassem um laço amoroso tão forte quanto os cordames que sustentavam as velas de um navio de guerra.Um pequeno barco foi enviado até a ilha, resgatando-os. Todos estavam muito contentes e aliviados por terem encontrado o capitão e sua musa. Jason repreendeu Allister por sua atitude impensada para resgatar Leonor, mas logo mudou de ideia e o parabenizou por ter trazido a moça sã e salva à bordo.
Ele chamou o velho amigo num canto.
- Jason, eu preciso falar com Booker. Ele...Ele está bem?
O velho sorriu.
- Um pouco machucado, mas vai sobreviver. Está em sua rede agora, descansando.
- Vou falar com ele. Preciso...me desculpar. - Saiu com um pouco de dificuldade, mas a intenção valia.
- Está menina te faz muito bem, sabia?
Como Allister parecia meio confuso o velho prosseguiu.
- Você já não me enganava desde antes do incidente com Booker, garoto! Eu o vi crescer, para mim és um livro aberto! Leonor entrou em nossas vidas para mudar tudo de lugar, e isso está sendo excelente! Só cuide para que vocês dois não se machuquem no processo.
Allister assentiu e desceu as escadas, rumo ao jovem Booker.
O rapaz tinha diversos hematomas no rosto. O capitão sentiu uma pontada no peito. Como pôde ter feito uma coisa dessas? Aproximou-se com cautela e prometeu para si mesmo controlar-se, pois se Booker quisesse falar, extravasar ela obrigação dele ouvir, em silêncio.
- Booker eu... - ele não sabia por onde começar.
O navegador abriu um dos olhos inchados com muito custo, prestando atenção no que Allister tinha a dizer.
- Ah, esqueça! - ele continuou. - Nunca fui bom com rodeios mesmo! Eu estava bêbado, fui um idiota! Nada que eu diga vai mudar o que eu fiz com você, mas eu espero sinceramente que me perdoe pela merda enorme que causei.
Booker tentou sorrir, mas tossiu.
- Tudo bem, capitão. Nao direi que não fiquei irado com a situação, mas o que eu poderia fazer? Além do mais, se uma garota como Leonor estivesse apaixonada por mim eu também a agarraria com unhas e dentes!
- Isso não foi motivo, Booker. - ele tocou o ombro do amigo ferido. - Não quero admitir, mas foi possessividade também. Um sentimento ruim do qual não consigo me livrar....Enfim, espero sinceramente que você melhore e posso garantir que isso não mais acontecerá.
- E eu agradeço! - Gemeu de dor enquanto ria.Leonor estava na cabine. Falaria com Booker assim que Allister terminasse. Esperava que os dois se entendessem sem mais atritos.
Sentiu uma tontura repentina. Uma dor quase insuportável por trás dos olhos a fez cambalear e desabar no chão, perdendo os sentidos.Uma cela de vinhos. Cheirava a bolor. Mãos e pés acorrentados. Alguém a soltou dos grilhões. Falava algo, mas ela não conseguia ouvir direito. Foi segurada com força pelo braço, arremessada longe. Uma dor forte na têmpora e desabou no chão. Sangue. Estava sendo arrastada pelo chão de pedra. Não! Ainda estava viva! Foi jogada ao mar através de uma porta gradeada. Tudo ficou escuro...
Allister abriu a porta da cabine, aliviado com a conversa que tivera com Booker. Foi quando encontrou Leonor caída no chão do cômodo, uma expressão de dor no rosto bonito. Ele tomou-a nos braços e a levou para a cama.
- Jason!! - Gritava o amigo, desesperado. - Jason! Venha logo, pelo amor de Deus!
Estapeava de leve o rosto da amada.
- Acorde Leonor! Minha vida, por favor...
O velho entrou o mais rápido que pôde, empurrando o rapaz para ter espaço. Jason era o mais próximo de um médico que se tinha à bordo. Se virava bem com doenças de pele e amputações, mas isso?! Seja lá o que fosse isso!
Mesmo depois de diversas tentativas, desde o cheiro forte de álcool até água fria, Leonor permanecia desacordada, para desespero de Allister.
- Meu rapaz, temo que não há mais nada que possamos fazer. - o velho disse, com tristeza.
- Não, não, não, não! Não diga isso, Jason! - Os olhos de Allister estavam marejados.
- Desculpe, filho. Agora é tudo com ela. Só podemos rezar, esperando dos céus uma resposta positiva. Logo chegaremos a Porto Norma. Providenciarei um médico imediatamente!
Allister correu para o convés e pôs-se a gritar ordens. Seguiriam curso para Porto Norma à toda vela. Em seu coração algo sombrio começava a crescer. Por dentro ele sabia que sua vida mudaria para sempre, fosse para o bem ou para o mal.
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Do Mar(FINALIZADO - Sem Revisão)
Chick-Lit(Capa por ANNARODRIGUESS) Allister é um homem do mar. Seu pai o ensinou a ser duro e implacável. A vida o consolidara assim. Capitão corsário da poderosa nau Argonauta, navega junto a sua tripulação de mercenários sob a proteção da Inglaterra com a...