COISAS ESQUISITAS ACONTECEM

53 0 0
                                    

De vez em quando, coisas esquisitas aconteciam na chácara de Saburó: certo dia, quando Dico estudava as lições no
quarto, objetos que estavam no chão — sapatos, pasta da escola, aeromodelo (um Spitfire, exatamente) e uma revista em quadrinhos — começaram a se arrastar sozinhos no assoalho,
como se estivessem sendo varridos por vassoura invisível. Nesse mesmo instante, o olhar do menino se tornou distante, ausente, e ele viu, isto é,"assistiu" a uma cena que acontecia longe: um prédio que pegava fogo em certa cidade grande. No
dia seguinte, os jornais noticiaram o incêndio. Mas isso acontecia de raro em raro,
independente da vontade do menino. A princípio Dico ficava assustado consigo
mesmo, depois acabou se acostumando. Quando isso acontecia, ficava quietinho,
calado, disfarçando tudo, de modo que os outros não percebessem nada. Apenas
o Pároco, Joana, João e Dina Saburó estavam a par do rumo que as coisas iam
tomando.
E aconteceu que, dias depois, na escola onde Dico estudava, o professor
entrou na sala, conferiu a hora no grande relógio da parede, e constatou que eram
exatamente doze horas. Então ele escreveu no quadro-negro a lição:
— Como vocês podem ver, meus alunos — começou o professor — vamos estudar
hoje. . . — (sem querer, olha o relógio na parede: já são 6 horas da tarde).
O homem nota que a sala está escurecendo, perturba--se, empalidece, gagueja, e depois de ficar calado alguns instantes, diz:
— Por hoje é só, meus alunos.
E sai da sala, visivelmente alterado. Os garotos olham uns para os outros,
alguns conferem no relógio de pulso: são exatamente 6 horas da tarde. É quase
noite. Passara o tempo de aula e, pareceu-lhes que esta ainda nem começara! Os
meninos correm para o pátio e começam a entender ainda menos: não está
anoitecendo coisa nenhuma. Apenas uma grande nuvem negra que tapara o sol
vai-se deslocando até deixar a descoberto um sol glorioso explodindo em pleno dia! Como que envergonhado, de rosto vermelho, só Dico percebe o que acontecera: fora ele o responsável involuntário por aquela cena. Não era essa a
primeira vez que, de repente, sem saber como nem por quê, os relógios que estavam à sua volta, se adiantavam rapidamente, ou então. . . paravam! O menino
não disse nada. Afastou-se discretamente e rumou para casa. No dia seguinte,
João Saburó foi ao Colégio, acompanhado do Pároco, disposto a explicar tudo ao
diretor e ao professor. Que compreendessem e tolerassem a situação, e que —
isso era essencial — guardassem só para eles o inusitado acontecimento. Os alunos comentaram durante algum tempo que os relógios tinham enlouquecido aquele dia, e uma semana depois, ninguém falava mais no assunto. Dico Saburó
tinha então apenas quinze anos de idade. Crescera bastante, mas continuava magrinho, apesar de nadar sempre no clube. E fazia isso tão bem que chegou a ganhar várias medalhas. E como namorava! Era doidinho por mulher, para dizer a verdade...

SpharionOnde histórias criam vida. Descubra agora