Um

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Nicolas







O grande espelho à minha frente denunciava o quão elegante e perfeitamente arrumado eu estava. O terno cinza caía como uma luva em meu corpo, ajustado em cada pequeno detalhe, como se tivesse sido feito sob medida, e eu não duvidava de que realmente fosse. O tecido era confortável e a cor acetinada destacava o castanho claro dos meus olhos, como dissera meu avô alguns minutos atrás, quando havia me rendido a vestir as peças que, de forma alguma, faziam parte do meu guarda-roupa.

── Vovô, eu tenho mesmo que usar essa coisa? ── perguntei levemente irritado, virando o corpo de costas para o espelho e aproximando-me dele.

Seu corpo descansava em uma poltrona macia no canto do meu quarto, a expressão em seu rosto era totalmente indiferente conforme meus passos me levavam para mais e mais perto. A exaustão do dia corrido que tivemos para organizar a festa que estava prestes a acontecer ── até já podíamos ouvir a música tocando lá embaixo e os convidados mais barulhentos chegarem ── estava estampada no rosto salpicado de ruguinhas do vovô, tornando sua expressão cansada ainda mais evidente, e eu não seria capaz de não sentir-me culpado por isso. Seu perfeccionismo em deixar tudo milimetricamente organizado havia custado mais do que apenas algumas horas de trabalho e uma parcela de esforço mental. Havia desgastado-o de forma profunda e eu sequer esforcei-me o suficiente para tirar dele todo esse peso, ocupado demais com meus próprios problemas, estes que eram insignificantes se jogados na balança ao lado do fardo que vovô carregava.

Parei diante dele, observando seu rosto com atenção enquanto tentava afrouxar o colarinho apertado da camisa.

── É claro que sim, filho ── ele tentou sorrir um pouco. ── Hoje é um dia especial.

── Especial? Porquê? ── soltei um suspiro indignado, jogando os braços ao lado do corpo.── Sei que é o aniversário da empresa, mas eu nunca precisei usar terno antes, em nenhuma das comemorações. Por que justo hoje?

Eu sabia que estava me exaltando sem motivo algum, mas não era como se eu estivesse feliz em usar a roupa confortável demais, ajustada demais. Tão perfeita que pinicava em minha pele, por puro orgulho. Vovô mirou seus olhos acinzentados em mim e abriu a boca com a expressão metamorfoseando entre indiferente e triste.

── Porque não sabemos se eu ainda estarei aqui no próximo aniversário da Collwin, e...

── Ah, não. Isso de novo? ── o interrompi, fechando as mãos em punhos e sentindo a respiração desregulada. Não era de hoje que eu odiava vê-lo falar sobre a possibilidade de não estar mais aqui comigo, mas sua insistência no assunto nas últimas semanas me deixava incomodado e agitado ao extremo. ── Você vai estar aqui no próximo aniversário e no que de suceder a esse. Você sabe disso.

Meu avô me lançou um olhar sério e suspirou, mostrando um sorriso neutro em seguida, tal qual eu não pude interpretar.

── Eu esperei muito por esse dia, filho. Desde o dia que comecei a montar a Mendes Collwin, com todo meu suor e dedicação. Eu sonhava com esse dia, os vinte e cinco anos da empresa. Sonhava em vê-la firme, sonhava em poder sustentar minha família e sonhava em ter alguém que fosse minha inspiração a seguir cada dia. E você sabe muito bem o que aconteceu nesses vinte e cinco anos. Você é minha inspiração, filho. Eu estou aqui para você, mas não vou estar aqui para sempre. Então... por favor, use esse terno hoje por mim.

E esse era o vovô. O Sr. Wiliam Mendes, fundador de uma das maiores redes de lojas e distribuidoras de cosméticos do país. A única pessoa que podia me manipular com apenas algumas palavras. Levei os olhos para a peça que vestia e dei de ombros, sufocando a dor que alastrava-se por meu peito sem dó alguma.

Um Amor CristãoOnde histórias criam vida. Descubra agora