Quatro

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O vestido era preto, o corte simples, porém elegante, dava um ar de riqueza à peça que ia até um pouquinho acima dos joelhos, justo apenas até a cintura. Tinha um caimento perfeito, movimento fluido e leve, combinando excepcionalmente com os saltos claros que eu usava. Eu devia admitir com toda sinceridade que existia em mim que o vestido dado de presente pelo Benjamin era a pura representação de uma obra de arte.

── Nossa, Chris. Que lindo! ── Charlie disse de supetão, surgindo em meu quarto e passando pela porta semi aberta sem pedir permissão, dando-me um leve susto.

── Bater na porta antes de entrar no quarto alheio seria interessante ── comentei como quem não quer nada, levando a não ao coração levemente acelerado. Ela deu de ombros, sentando-se na ponta do colchão.

── Você nunca bate antes de entrar no meu ── rebateu de imediato. ── Aliás, a mamãe está estressada lá embaixo com a sua demora.

── Eu nem demorei tanto assim ── fiz um biquinho nos lábios indo pegar minha bolsa com a bíblia e outros pertences.

── Eu sei. Isso é estranho, Chris.

Em um pulinho, ela levantou-se da cama e veio até mim, olhando de relance seu vestido azul no espelho. Eu tinha que admitir que a pequena Charlie era a menina mais linda que eu já havia visto, seus olhos azuis eram a prova viva disso, mas não era só esse detalhe, sua beleza e pureza interior era o que a deixavam ainda mais bela.

── O que é estranho? ── perguntei chamando-a com um aceno de mão para sairmos do quarto. Um pequeno suspiro saiu de seus lábios antes que falasse.

── A mamãe, ela nunca tinha ficado assim antes── referiu-se ao comportamento explosivo que nossa matriarca começava a transparecer. ── Acredita que ela não me deu um beijinho de despedida hoje quando me levou na escola?

Um biquinho se formou nos lábios fininhos e eu não pude deixar de sorrir com tal feito, ao mesmo tempo que punhamos os pés no assoalho da sala e meu sorriso morria de imediato. Nossa mãe tinha os olhos vermelhos, como se estivesse prestes a chorar, os lábios trêmulos enquanto sussurrava uma frase irritada para o papai. Ele fechou os olhos e passou as mãos pelos cabelos manchados com alguns fios brancos, soltando um grande suspiro.

── Pode pegar um copo de água pra mim, Charlie? ── eu dificilmente chamaria minha irmã pelo nome em uma situação corriqueira, mas ela não pareceu sequer notar o pequeno desespero em minha voz, talvez pelo excesso de informações em sua cabecinha. Ela assentiu e se encaminhou até a cozinha em silêncio.

Com os pés imóveis sobre o chão, observei meus pais disfarçarem a discussão que acabara de presenciar, desviando os olhos dos meus a todo segundo. O clima pesado era quase palpável ao nosso redor. Ninguém ousou dizer uma palavra sequer até que a pequena caçula da família voltasse à sala com um copo de vidro ── cheio pela metade ── de água em suas mãos.

── Estou esperando no carro ── papai disse baixinho, saindo de casa como se precisasse desaparecer. Mamãe ainda tentou esboçar um sorriso forçado antes de sair pela mesma porta, batendo seus quadris na madeira, desorientada.

── Vamos, Chris? ── perguntou minha irmã, fitando a porta com uma carga de sentimento nos olhos grande demais. Deixei o copo na mesinha de centro antes de tomar sua mão pequena entre as minha e a apertar levemente.

── Vamos ── tentei transparecer segura quando saímos de casa. Tentei ser o porto seguro da criança que encarava a primeira briga séria de seus pais, dentro de um carro, durante vinte longos minutos de viagem.






[...]






O grande adro da igreja estava repleto de pessoas circulando por ele, juntando-se em grupos para conversar e sorrir dos acontecimentos diários ou simplesmente para aproveitar da compania uns dos outros. Avistei meus pais ao longe, separados um do outro. Mamãe conversava alegre com algumas mulheres ao passo que papai apertava a mão de um homem bem vestido em seu terno preto engomado. A tensão de antes havia se dissipado, dado que as expressões relaxadas em seus rostos denunciavam que não haveria mais brigas por hoje. Isso me fez soltar um suspiro de puro alívio. Charlie, a poucos metros de mim, conservada distraída com sua coleguinha também vestida em um vestido azul estilo princesinha, parecendo totalmente esquecida do que havia acontecido algumas horas antes, e eu esperava que tudo continuasse assim.

Um Amor CristãoOnde histórias criam vida. Descubra agora