Trocando Saliva

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Conhecemo-nos no Estacionamento.

Bem, não era um estacionamento de verdade. Era só o apelido dado pelos adolescentes a um ferro velho quase abandonado que ficava perto da saída da cidade, escondido no meio da floresta, depois de todas as trilhas e lugares habitáveis.

Para entrar, você tinha que ser convidado, saber a senha secreta e apresentar um convite (algo que eu acho muito estranho, porque todos sabem sobre lá, existem várias lendas e histórias, das mais absurdas até as mais medíocres). Diziam que você tinha que ser merecedor, porque é o lugar onde não há ninguém por perto, onde se está longe de ser encontrado, quase como A Terra do Nunca.

O famoso lugar onde todos os "adolescentes legais" iam pra matar aula, beber, fumar, conversar e principalmente beijar, a coisa que eu achava mais sem noção no planeta, trocar saliva era nojento. Estava orgulhosa de ter chegado aos 14 anos sem me tornar mais uma que idolatra essa experiência repugnante. Sabia que não precisava daquilo, muito menos de alguém pra ser feliz, então estava muito bem sabendo que meus lábios eram limpos e intocados, eu só não sabia que as coisas mudariam tão rápido.

Porque, por motivos desconhecidos, eu recebi o convite. Não me esqueço do pedaço de papel azul, que dizia somente "você está convidada".

Para entrar, você tinha que ter status. Eu nunca tive contatos interessantes, amigos influentes ou qualquer fama de garota rebelde. Tenho certeza de que não se enganaram, porque o convite estava com o meu nome.

Apesar de tudo, eu não tinha do que reclamar, porque sempre fui curiosa em relação àquele lugar. Só me restava ir.

Foi o que eu fiz.

«

Assim que apresentei o papel no portão, me contaram a senha: "Cereal matinal". Uau, quanta rebeldia em uma senha só. É incrível como uma primeira experiência pode mudar uma ideia completa, esmagar expectativas. Depois dessa senha, o lugar já não me parecia tão incrível.

Primeiramente porque parecia uma prisão. Portões e muros enormes, cercas por todo lado alguns postos de vigilância do lado de fora. Em segundo lugar, já não parecia tão mágico assim. Terceiro lugar, saber o motivo do apelido era desconfortável.

Porque o lugar era literalmente um estacionamento de verdade. Não tinha nada a ver com todas as lendas ridículas que corriam pela escola, era só um ferro velho cheio de carros. Montados, pela metade, pilhas de peças espalhadas aqui e acolá.

Sem contar com a placa de metal enorme, já enferrujando, pendurada no alto do muro: "Aqui é o lugar onde as coisas acontecem". Tétano? Leptospirose? Tédio?

Além de mim, só estava o garoto que cuidava do portão. Não duvido nada de que o que dizem sobre o lugar sempre estar cheio fosse uma lenda também.

Dez minutos se passaram e eu continuei ali, parada observando. Não vi mais outra alma viva. Sinceramente? Eu me sentia boba por estar ali plantada, sem mais nada pra fazer. Desistir e ir embora era a minha melhor opção no momento.

Então, eu encontrei meu coelho branco.

Em uma das últimas pilhas, uma estátua de ferro retorcido que deveria ter sido feita por algum artista excêntrico que não fez sucesso ou por alguém que simplesmente decidiu se livrar de algo sem valor, brilhava desafiadoramente bem no alto. Segui esse brilho, mas parecia que quanto mais eu chegasse perto, mais longe eu estava de alcançar. Algo naquela estátua tinha prendido a minha atenção, não era como um imã, mas eu estava sendo atraída magicamente. As formas eram vagas, sem sentido algum, mas eu precisava ir até lá. Esse era meu motivo para seguir até a passagem do que seria meu País das Maravilhas, nada em especial, só uma estátua boba.

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