15 de Maio de 1960

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Acordo cedo, como de costume e olho em volta, por toda a extensão do pequeno quarto. Avisto o livro que estou lendo no momento, Assassinato no Expresso Oriente, de Agatha Christie. Ótimo livro, aliás, ótima escritora. Avisto também minha vitrola com um disco do Elvis posto abaixo da agulha desativada. Mas bem ao lado de minha cama, avisto a janela, com a vista direta para a casa vizinha, a propriedade dos Townshend's. O filho mais velho, Peter, tem a minha idade, quer dizer, irá fazer a minha idade daqui a quatro dias. Somos muito amigos, muito amigos! Nossas mães são amigas desde a faculdade, e as duas ficaram grávidas quase na mesma época, tipo, a Sra. Townshend ficou grávida dois meses depois de minha mãe. Quando tínhamos um ano de idade, brincávamos enquanto as duas conversavam, e isso durou até os nossos cinco anos de vida. A partir daí, até os nossos dez anos, íamos brincar na rua e ficávamos lá até a hora de jantar, quando nos despedíamos e entrávamos para comer. Depois disso, comecei a convidá-lo para minha casa e vice-versa. E isso perdura até hoje, nos nossos quinze anos de vida.

Levanto rapidamente da cama e vou até o banheiro para escovar os dentes e trocar de roupa. Olho no espelho, com meus grandes olhos castanhos esverdeados, e noto que estou com pequenas olheiras em baixo dos olhos. Arrumo meu cabelo, que é castanho enrolado nas pontas e chega até o meio das costas. Coloco uma bandana enrolada amarrada no topo da cabeça. Visto uma camiseta azul comprida, um coletinho marrom por cima e uma calça boca de sino e, é claro, um par de All Star nos pés. Sou uma garota Hippie, porém, tenho uma paixão por All Stars.

Desço as escadas correndo e ao chegar na cozinha, vejo minha mãe colocando um ovo na frigideira, meu pai lendo o jornal do dia e... Peter sentado ao seu lado. Ele quase nunca vem a minha casa numa hora dessas, só quando tem algo muito importante para dizer, porque senão, ele espera até a hora de ir para a escola para me contar. Quando ele me vê, acena, timidamente.

-- Os protestos sobre a Guerra do Vietnã estão cada vez mais fortes...-- Meu pai comenta, virando a página do jornal.-- O que você acha disso, Peter?

-- Bom, senhor, eu acho que hora ou outra eles devem funcionar. -- Meu amigo responde, envergonhado, recebendo um prato de ovo de minha mãe.

-- Bom dia gente!-- Digo, abraçando minha mãe, meu pai, que dobra o jornal e Peter.

-- Bom dia querida! --Minha mãe e meu pai respondem em uníssono.

-- Bom dia Má! -- Este é o jeito que Peter me chama. Eu o chamo de Pete.

-- Então, Pete, que horas você chegou? Desculpe se teve que esperar muito tempo... -- Pergunto, colocando café em uma xícara.

--Não faz muito tempo. E aliás, não precisa pedir desculpa, eu gosto muito de conversar com seus pais. -- Ele dá um sorriso no mínimo fofo... muito fofo.

-- Nós também gostamos muito de conversar com você, querido! -- Minha mãe passa a mão em sua cabeça.

Tomo o café, assim como os demais, e depois de terminar a arrumação para a escola, Pete e eu nos despedimos de meus pais e rumamos para a porta da frente. Ao sair de casa, respiro longamente e começo a caminhar para o lado da escola, mas três passos depois, Pete fala:

-- Má, antes de ir para a escola, queria te mostras uma coisa. -- Ele diz, puxando meu braço e caminhando até a garagem de sua casa. Posto-me na frente da propriedade, enquanto o garoto abre a porta e entra. Menos de dois minutos depois, ele aparece, com uma caixa bem grande nos braços, uma caixa de guitarra... -- Bom, você sabe que daqui a quatro dias é o meu aniversário, e que eu estou louco por uma guitarra, não que o violão que eu tenha seja ruim, mas sim que eu queira testar algo mais insano...

-- Tá, ok, agora abra logo isso antes que eu exploda de ansiedade! -- Digo, rendendo algumas risadas de Peter.

-- Ok, apressadinha... -- Ele abre a caixa, e lá dentro, posta perfeitamente está um dos mais novos modelos de guitarra, uma Gibson SG vermelha. Meu queixo cai. -- É, eu sei, é maravilhosa... Meus pais ralaram bastante para conseguir comprar, então disse que depois desse presente, eles não precisam me dar nada nunca mais, mas é claro que eles disseram que tem prazer em nos ver felizes. -- Ele se refere ao irmão mais novo, Paul.

I Can't ExplainWhere stories live. Discover now