Felix

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Ser gay não é fácil. Ainda mais quando você vive em uma família totalmente conservadora e religiosa. Não é como as pessoas na igreja comentavam, como se ele só fez isso para se rebelar. "É coisa de adolescente", costumam dizer. Felix não tem culpa de preferir brincar de boneca ao invés de carrinho. Ele acreditava em Deus, não era um rebelde sem causa. Ele acreditava que, se Deus o fez daquela maneira, não foi para sofrer, foi para se fortalecer. Felix sabia que tinha vindo ao mundo com um propósito e esse propósito tinha nome, endereço e CPF: Dave Turner.

Nunca entendeu seu significado no mundo antes. Por que ele era daquele jeito? O que isso agregaria sua vida? Ele não sabia o que era "vida" antes de conhecer o amor. Tão clichê, né? Parece até bobagem, coisa de filme, mas era a mais pura verdade. Felix começou a respirar no momento em que conheceu Dave e parou no momento que ele quebrou seu coração.

Para variar, Felix e Dave tinham brigado novamente e ele estava desabafando com o amigo, Sidney, que jogou umas boas verdades na cara dele.

- Mas eu não disse..

- Felix, você sente muito. – Sidney disse se afastando de onde estavam sentados, deixando-o sozinho refletindo no banco.

Felix era inseguro, mas não na medida normal, chegava a ser doentio. Dave tinha de mandar uma mensagem em horários estipulados – que ele sabia que eram horários que seu namorado ficava mais vulnerável – dizendo que o amava. Caso contrário, Felix poderia chorar por semanas.

Foi o que aconteceu no dia em que Felix estava encarando o contato do namorado no celular, no horário de sempre e não viu nenhuma mensagem nova. Ele não sabia o que pensar, não sabia se ele havia esquecido, se algo de importante tinha acontecido então ele não pôde mandar a mensagem. Claro, ele não esperou para ter uma resposta, ele correu para a casa de Dave, que era algumas quadras além da sua. A porta estava trancada, mas, com sorte, a Sr. Turner tinha contado para ele onde ficava a chave reserva. Vasculhou entre as pedrinhas da planta que tinha ao lado da porta e encontrou a pequena chave prateada. Abriu-a nervoso e se dirigiu ao quarto do namorado. Ele tinha estranhado que não havia ninguém em casa, a mãe de Dave só saia quando...

Foi nesse momento que Felix parou de respirar novamente. O frio subiu pela sua espinha quando escancarou a porta do quarto.

- Você... Você não me mandou mensagem. – fora a única coisa que ele conseguiu dizer.

A cena de seu namorado deitado em cima Jack White ainda se repetia em sua cabeça até hoje. Não foi um olhar insinuante ou um beijo rápido, foi uma foda. "Foi a porra de uma foda, seu canalha" , ele lembra de gritar, quando Dave veio correndo atrás dele pedindo desculpas. Apesar de todo o ocorrido, Felix sabia muito bem como pode perdoar Dave. Ele queria respirar novamente. Sem Dave, ele era somente um corpo, um pedaço de carne ambulante sem vida, sem ar, sufocando lentamente. As vezes é preciso engolir seu orgulho pelo seu próprio bem, no caso de Felix, ele teve que se afogar com o seu orgulho e ignorar tudo o que viu.

Ele ainda olhava torto quando via Jack passar pelo corredor, mas pelo menos ele tinha seu amor para ele. Doía demais saber que ele não foi o suficiente, que ele não era o suficiente. Por isso que na noite passada, subconscientemente, foi checar se seu namorado estava aprontando alguma coisa nova para destruir seu coração e ficou chocado ao ver uma conversa. Gale, o colega de classe de Dave. Não parecia ser uma conversa sobre matéria. Felix quis acreditar que era, mas sua mente não lhe deixava. Havia se metido em uma briga feia com o namorado por bisbilhotar, mas quem poderia culpa-lo? Ele tinha medo que pudesse parar de respirar novamente. Logo agora que ele havia aprendido como era bom, ele não queria que acabasse. Nunca. Mas tudo com Dave era imprevisível demais. Ele nunca sabia se aquele quem ele olhava e admirava era seu amado namorado ou o traidor canalha.

Perdido em pensamentos, não notou que o sinal já tinha tocado e que não tinha mais ninguém nos corredores. Correu em direção a sua próxima aula, Artes. Chegou na porta e viu todos os alunos sentados comportadamente em seus lugares, notou alguns darem olhares ente si e risadinhas. Fazia muito tempo que Felix não recebia aquele tipo de olhar, desde que tomou pra si seu protetor particular, Sidney, ninguém tinha a coragem de lhe dirigir tais olhares.

Ele simplesmente fingiu que nada tinha acontecido e foi sentar-se em seu lugar. Estava tão distraído que não percebeu que, quem estendia em frente ao quadro negro não era seu professor, e sim o garoto bronzeado, baixinho, de cabelo ralo que ele tanto adorava olhar. Achou que estava pensando de mais em Dave e estava começando a ver coisas, esfregou ao olhos para afastar as fantasias com o namorado e voltou a abri-los. Ficou chocado ao perceber que não era só fantasia, Dave estava de fato estendendo logo ali, com o sorriso maroto estampado em seu rosto.

- Dave, você não tem essa aula agora. Vai para a sua sala antes que se meta em encrenca. – Felix disse impaciente, com a voz sonolenta. Estava sentindo muita tontura.

- Eu não vou me meter em encrenca, Flick. – Seu sorriso aumentou mais ainda. Só então Felix percebeu que ele escondia as mãos atrás do corpo.

- Você sempre se mete em encrenca. – ele revirou os olhos.

- Não dessa vez.

Dave estava ao lado da carteira de Felix, ele segurou a mão do namorado para que ele levantasse e manteve a outra mão nas costas. Felix sentia sua cabeça arder com a menção, uma dor de cabeça horrível lhe invadia. O toque de Dave era muito real, mas com toda aquela dor, estava difícil de acreditar que tudo não passava de uma alucinação.

- Felix Mackenzie... Faz muito que estamos juntos, sabe? E a esse ponto de uma relação, não deveria ter mais dúvidas do amor que sentimos um pelo outro. Porém eu sei que pisei na bola várias vezes e essa questão veio a tona mais frequentemente do que deveria. As vezes eu me sinto um idiota, não merecedor do seu amor. Você é a pessoa mais puramente linda e amável que já existiu e a cada dia eu fico mais apaixonado por você. Eu sei que palavras não significam nada, mas eu não tenho muito mais a lhe oferecer do que isso. – Dave sorriu para o chão, mas logo voltou a me encarar fundo com seus olhos castanhos brilhantes – Eu só tenho mais uma coisa pra lhe oferecer a fim de te provar que eu estou nessa até o fim. Eu acredito em nós dois, no nosso amor.

Ele então tirou as mãos de trás do corpo e revelou a pequena caixinha de veludo preto. A visão de Felix havia ficado cada vez mais desfocada conforme a declaração do seu namorado. No momento em que se deparou com a caixinha em sua frente, seus olhos se arregalaram e seu coração disparou. A cabeça que antes ardia, agora latejava com dificuldade de focar a visão na cena. Dave ria, achando que era apenas drama básico que o garoto sempre fazia.

- Felix, você aceita... 

Antes de terminar a frase, a visão de Felix começou a desaparecer, tudo tinha ficado perto. A última coisa que ele lembra antes de apagar de vez era a voz doce do seu amor gritando por ele e o barulho de algo estrondoso tocando o chão violentamente.

Stigma [HIATUS]Onde histórias criam vida. Descubra agora