Três

200 57 46
                                    

- Um de baunilha e um de chocolate, por favor - Ondina pediu. Ela praticamente saltitara até a sorveteria, de tanta alegria repentina por causa do sorvete.

- Claro, moça - o rapaz do balcão respondeu com um sorriso. Ele aparentava ter uns 16 anos, com a pele bronzeada e olhos verdes. Não azuis esverdeados, ou verdes azulados; verdes verdes. Ondina corou quando constatou que ele não era nada feio. - Aqui.

Ela pegou os dois picolés e, desajeitadamente, entregou a nota de dez reais para ele.

- Obrigado e volte sempre - o rapaz sorriu de novo, e Ondina corou de novo. - Hoje tá quente, né?

Ele achou que eu corei por causa do calor, que meigo. Ela riu internamente.

- Sim, eu tô quase arrancando minhas roupas de tanto calor - deixou escapar. Reparando na expressão do garoto, ela tentou consertar: - Quer dizer, eu não vou arrancar minhas roupas, é que deu vontade. Quer dizer, não deu vontade, mas daria se ninguém estivesse olhando e... - ela respirou fundo e tentou se acalmar. - É só uma expressão bem idiota que eu não deveria ter usado. Desculpa, não sou boa com palavras.

- Não tem problema, eu entedi - ele riu e estendeu a mão. - André, prazer.

- Ondina - ela apertou a mão de André. - Nome estranho, eu sei.

- É bem bonito, combina com você.

Nesse ponto da conversa, ela só não corou mais porque não era possível.

- Então... você mora por aqui? - ela mudou de assunto.

- Na verdade, só estou passando umas semanas na casa do meu primo. Moro em São Paulo. E você?

- Eu...

Ela também morava em São Paulo, mas foi interrompida por duas garotas que chegaram e se apoiaram no balcão, exibindo decotes enormes e rostos pesados de tanta maquiagem.

- Oii! - uma delas disse, assim mesmo, com dois i's. - Dois sorvetes de morango sem açúcar, por favor, gato. Você malha?

Nem eu e nem Ondina sabemos o porquê de algumas garotas serem assim. Mas elas eram, e monopolizaram a atenção do tal André. Ondina se despediu com um "tchau" bem tímido e retirou seu decote de tamanho normal e sua cara limpa do balcão.

***

- Que cara é essa, Dina? - Lena perguntou, enquanto construía mais uma torre em seu castelinho. Ela optara por esperar a irmã do lado de fora da sorveteria, para brincar na areia.

- Não é cara de nada, Lena - Ondina tentou disfarçar o aborrecimento com as duas piriguetes- quer dizer, garotas. - Toma seu sorvete.

As duas irmãs andaram de mãos dadas até o raso do mar, onde a água só cobria até o calcanhar, e chuparam seus picolés enquanto desenterravam conchinhas com os dedos dos pés. As ondas iam e viam, e eram a fonte de todo o barulho que se ouvia. A praia estava deserta, a não ser por elas.

- Dina, você viu a previsão do tempo? - indagou Lena, do nada.

- Sim, dias quentes e ensolarados e noites frescas para esse fim de semana. Por quê?

- Parece que o céu não está de acordo com isso não...

E era verdade. Mais rápidas do que a ciência considera possível, aquelas nuvens lá de longe, do horizonte, se aproximavam.

Antes que seu cérebro processasse as manchas cinzas no céu, Ondina sentiu gotas em seus braços.

- Vamos, Lena. Vai chover.





OndinaOnde histórias criam vida. Descubra agora