Escrava

816 13 19
                                    

A casa era afastada, nos arredores da cidade. Ela tinha duas salas, quatro quartos, dois banheiros e uma cozinha pequena. Em volta da casa, havia uma área grande, circundando-a. Nos quartos não havia camas, eram colchões espalhados pelo chão, sacolas amontoadas com roupas velhas e rotas que serviam para ficar em casa. Na primeira sala havia um sofá vermelho quase novo e algumas almofadas jogadas sobre o tapete bege que as acomodava. Na segunda sala havia algumas cadeiras e dois colchões em cada canto. No banheiro de fora da casa, bem no fundo da área, ficava um sabonete, uma bucha, um vidro de shampoo e outro de creme. Todas usavam os mesmos produtos de higiene. Teriam que ser economizados, se acabasse antes do tempo, os banhos tinham que ser só com água.

Essa casa abrigava muitas mulheres. Elas eram escravas sexuais.

Belinda era morena, cabelos fartos e longos, olhos expressivos e pretos, corpo escultural e atitude prepotente. Chegou ao país há algum tempo, tinha uma promessa de ser babá. Ficara sabendo através de uma amiga que a levou até um grupo que estava selecionando garotas para esse trabalho. O salário prometia ser bom e ainda havia promessa de poder fazer cursos para evoluir sua condição no país. Pensara estar diante da grande chance de sua vida. Enganou-se e a, agora, não podia voltar atrás porque sua família era terminantemente ameaçada.

Ao chegar a casa, teve acessos de choro e revolta e fora brutalmente castigada para entrar "nos eixos", como eles diziam. Eles faziam ligações para sua família e a colocava ao telefone para reafirmarem que os tinha nas mãos. Então, ao sumirem os hematomas da surra, enfrentou seu problema e começou a trabalhar como prostituta. Era submetida a enfrentar até quinze programas por dia. Só sabia com quem estaria quando o encontrava. Às vezes, tinha que enfrentar programas com mulheres ou então em grupo. Não podia reclamar de nada, deveria se submeter ao que o cliente queria sem se manifestar em hipótese alguma. Se caso o cliente reclamasse, havia castigos terríveis.

Uma noite, fora deixada em um hotel para cumprir um programa. Estava linda em um vestido vermelho, propriedade do grupo que a agenciava. O cliente estava completamente bêbado e, após usar e abusar de sua preferência, ele rasgou quase toda a sua roupa. Mas a surpresa ficou para quando chegou na casa. Quase todas já haviam retornado. Muitas estavam pelo chão, sentadas nos colchões da sala ou nas almofadas. Todas se assustaram ao vê-la entrar.

- O que aconteceu, Belinda? – perguntaram

- Nada demais, o cliente estava um tanto bêbado e exagerou um pouco. – falou com medo da reação de Colin – responsável pela coleta do dinheiro ganho.

- Sua vagabunda descuidada! Sabe quanto custa um vestido desses? – Colin deferiu-lhe uma bofetada.

- Não tive culpa.

- Cale-se. Dê-me todo seu dinheiro, o que ganhou hoje e sua comissão. Servirá para pagar o vestido e para ficar mais esperta. O cliente pode violar você, não as coisas que pertencem a nós. E para complementar o prejuízo, irá me servir agora.

O ódio que Belinda sentia por aquele homem era tão grande que poderia matá-lo e retalhá-lo todo. Mas engoliu o choro mais uma vez e se entregara aos abusos daquele porco disfarçado de gente.

Em uma noite, fora atender a um cliente. Surpreendeu-se ao entrar no quarto de hotel em que estava sendo esperada.

- Nossa, você é bonito!

- Os elogios estão no pacote que me oferece?

- Não, não – rindo – Você é realmente um belo homem. Estranho estar pagando para sexo. Poderia ter qualquer mulher que quisesse aos seus pés.

- Não é bem assim. Às vezes, tenho que recorrer a esse recurso.

- Pode me dizer o que vai querer, qual a sua preferência? Parece que esse trabalho vai ser muito interessante! – disse Belinda com certa malícia na voz.

- Quanto me custará?

- O preço, podemos discutir no final, após executar todos os seus desejos.

Belinda, nessa noite, renovou suas forças, elevou sua autoestima, reavaliou sua autoimagem. Estava deslumbrada. Voltou à casa achando que o Criador havia enxergado sua presença e lhe dado uma noite de alívio. Teve sonhos felizes aquela noite.

Por diversas noites, fora a preferida de Helter. E não fora surpresa quando ele fizera proposta para comprá-la. Muito dinheiro em jogo, Colin cedeu e vendeu Belinda.

Chegara na mansão dele muito animada. Então, quando entraram porta adentro, ele carinhosamente conduziu-a a seu quarto, por sinal um quarto espetacular.

- Esse quarto é todo meu?

- Sim, todo seu. Aproveite e descanse, haverá muito o que fazer hoje. – disse maliciosamente Helter.

Saiu lentamente, olhando-a em sorrisos a admirar o quarto. Mas Belinda se assustou de repente. Ouviu a porta se trancar por fora. Correu lá pra verificar. Estava trancada.

- Ei, Helter. – gritou – Por que trancou a porta?

Ficou ali por algumas horas. Não teve mais prazer em observar as coisas do quarto. Sabia que algo errado estava acontecendo. Inesperadamente, a porta se abriu.

- Oi, querida! – a voz de Helter era irônica. – Deve vestir esse traje para hoje à noite e servir na festa que irei dar. Veja bem, servirá a todos os meus amigos, ao que quiserem e se quiserem, juntos ou separadamente. E sem reclamar, ouviu, minha linda? Sem reclamar. Ah, só para ter conhecimento, Hoje está acontecendo o enterro de sua irmã Isabel, que teve um terrível acidente de carro.

O grito de Belinda foi estridente, toda casa poderia ouvi-lo.

- Pode gritar agora, chorar, se lamentar, mas lembre-se que tem que estar muito bem quando chegarem meus amigos daqui a algumas horas. Muita atenção com eles, são figurões, gente da polícia, deputados e outros muito influentes E não devo esquecer de dizer que sua mãe está muito triste e poderá, a qualquer momento, não suportar e fazer alguma besteira contra ela mesma. Até mais, cherry! - saiu em gargalhadas.

- Monstro, monstro, monstro – era o que gritava, sem parar, Belinda.

A noite chegou. A porta se abriu e o novo cafetão encontrou Belinda maravilhosamente linda.

- Isso mesmo, garota! Acostumada a essa vida, sabe que não adianta reagir, né?

- Você me prometeu uma vida diferente, Helter?

- Mas a sua vida vai ser diferente. Quarto só pra você, exclusividade, nenhuma outra será a preferida, somente você vai trabalhar aqui. Além do mais, o que queria? Acha que levaria uma prostituta para ser minha esposa? Ora, ora, meu bem? Não acha que pensou longe demais? – ele apertava seu queixo enquanto falava e sua voz era pausada e com um tom cortês que emanava ameaça.

Ela simplesmente executou sua tarefa. Foram muitos. O último, por sinal, um capitão da polícia. Não lhe passou despercebido que estava armado. Ela o seduziu e o cansou até que adormecesse. Então, ela pegou-lhe a arma, desceu as escadas, parou diante do salão onde os homens jogavam, bebiam e comiam e disparou 8 balas da arma muito rapidamente, à queima roupa. Mas ainda lhe restaram duas. Procurou por Helter e, antes que ele pudesse fugir, deflagrou um tiro no coração dele, como afirmação sentimental e vingança. Aos olhos do capitão assustado, que acordara com o barulho, dirigiu a si a última bala, pondo fim a sua jornada de escrava.

Ele ainda correu até ela.

- Louca, o que fizera?

- Capitão, diga a Isabel que chegarei de limusine, estarei sozinha, com um belo vestido. Diga a ela que me espere na porta, pois acenderei os faróis e acionarei a buzina para que ela saiba que sou eu. Estou chegando lá, seremos livres e nunca mais nos separaremos.


A dor enquanto ama - Em ContosOnde histórias criam vida. Descubra agora