Marinheiro e Pescador

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- Segura o leme, marinheiro! Já estou indo ajudá-lo. – gritou o capitão.

O mar estava agitado, o vento comandava o rumo do barco que ora desviava de sua rota devido ao desmaio do marinheiro que guiava o leme. Zé correra a acudir para que pudesse evitar um prejuízo maior à rota. Isso fez com que o capitão o olhasse com bons olhos.

- Muito bem, marinheiro! Bom ter por perto alguém atento. – e algumas palmadinhas nas costas foram suficientes para determinar a aprovação do capitão.

- Agora, ajude seu companheiro ir lá pra baixo. Peça que o Alemão dê uma olhada nele, veja o que há para ele ter desmaiado desse jeito. Veja se ele o reanima. Eu cuido aqui.

- Certo, capitão!

Zé correra a cumprir a ordem dada. O capitão era muito rígido. Não poderia correr o risco de perder a faixa boa que conquistara. Apoiara o marinheiro que havia desmaiado e descera, quase o carregando em suas costas. Era Leandro, o encarregado do leme. Quando chegara ao úmido e escuro porão, iluminado parcamente por uma lâmpada fraca, estava exausto. Ao colocar o companheiro em uma das camas disponíveis, ele soltara uma grossa baba em seu rosto. Assustara-se, teve o ímpeto de gritar, mas correu para limpar-se o mais rápido possível.

Nesse momento, Alemão entra no porão. Ele tinha um porte forte e altivo, seus músculos destacavam-se sobre seu uniforme branco. Seu quepe era seguro pela luminosa careca que ele ostentava com gosto, dando-lhe até certo grau de autoridade na aparência que mantinha. Mas olhos muito azuis mostravam-se sempre doces e transmitiam segurança e paz aos companheiros. Não tinha patente, nem curso de medicina, mas salvava quase todos os doentes do navio com a sabedoria da manipulação de ervas que tinha sempre em uma caixa abaixo de sua cama de campanha. Ao visualizar o doente, tirou a camisa, ficou somente com a apertada camiseta cavada de baixo e correu a acudi-lo.

- Pegue água doce e pura, Zé. – e, diante da estagnação do outro, - Rápido, rapaz! Esse homem está se consumindo por dentro.

Zé correu a ajudar. Pegou água doce e trouxe. Alemão imediatamente colocou água na boca de Leandro, fazendo-o sorver a bebida lentamente.

- Penso que seja tarde demais. Leandro está caminhando pro escuro. Mas não vamos desistir.

Foi até a caixa, separou e pegou algumas das ervas e ordenou ao marinheiro:

- Pegue essas ervas aqui, amasse-as bem, ponha um pouco de cachaça e traga pra mim. Vou ficar aqui observando as reações dele para saber em que pé está a situação dele.

Assim Zé o fez.

Passaram ali algumas horas tentando tirar daquele estado de torpor o companheiro. E nada. Lá em cima, o vento já começara a perder as forças. Logo a calmaria do mar se instalara.

- Zé, vá lá em cima e diga ao capitão que preciso falar-lhe.

Ao receber o recado, o capitão se assustara. Havia se esquecido do que ocorrera no momento da tempestade. Não se lembrara de que havia um homem doente na embarcação. Descera imediatamente para falar com Alemão.

- Capitão, nós temos aqui um caso interessante! Leandro está inconsciente e em febre. Mas a febre não se mostra externa, está por dentro. Já apliquei todos os meus conhecimentos. O quadro só evolui para pior. Ele está cada vez mais distante da vida. Creio que ele não vá resistir.

- Bom, por a febre não vir à tona, nós temos um ponto positivo. Pelo menos, ela não se espalha para os outros.

- Aí é que está o engano. Por ela não aparecer como sintoma, agente não pode prevenir quem está ou não doente. Não podemos saber quem já está contaminado. Assim, não podemos separar uns dos outros. – e indo em direção a Leandro, continuou – Observe, agora, a boca dele. – e abriu-a – Está tomada de feridas. Isso apareceu em poucos minutos e, desconfio que, assim está em todo corpo interno.

Vendo a gravidade da situação, o capitão afastou-se terrificado.

- alemão, acho que deve por fim ao sofrimento desse homem e evitar que isso se espalhe para toda a tripulação.

O rapaz, nobre de coração, muito branco, ficou vermelho, assustou-se visivelmente.

- Não posso fazê-lo, capitão. Vai contra as minhas concepções de salvar vidas. Não posso tirá-las.

- Não é um pedido, marinheiro. É uma ordem. Joguem esse homem doente ao mar.

Dizendo isso, procurou sair o mais rápido que pôde do porão.

Alemão não se continha, nunca perdera o equilíbrio e, naquela hora, estava sem ele. Não poderia por fim a uma vida que ainda se fazia presente. Sabia que aquela febre poderia ceder. O que faria então? Estava tão desolado que não vira que chegara Zé para ajudá-lo na tarefa.

- Vamos, Alemão, precisamos tomar providências.

- Há um local isolado aqui no porão. Vamos leva-lo para lá, escondê-lo. Não vou mata-lo sem dar-lhe a chance de melhorar.

Assim foi feito. Quando o capitão perguntou, responderam que ele fora lançado ao mar logo depois que ordenado fora. E com o passar dos dias, outros adoeceram com os mesmos sintomas. A ordem a mesma, a providência também.

Como a própria razão pela vida, Alemão lutava dia a dia, incansavelmente, buscando tirar da doença os companheiros. Com as próprias mãos tirava do mar peixes frescos, escondia-os em seu uniforme e os transportava para o porão para alimentar os que ali estavam doentes. Até que em um dia, o que caíra doente fora o capitão.

O mesmo fora feito com ele, em pouco tempo estava no porão. O local tinha se tornado quase uma enfermaria. Ao ver tudo aquilo e todos os doentes ali, o capitão assustara-se. Mas antes que pudesse reclamar, quedara-se ao ser questionado.

- Então, capitão, o senhor prefere ficar aqui ou ser jogado ao mar?

Com a boca tomada de feridas, o capitão não podia responder. Mas era perceptível seu misto de indignação e medo.

Alguns dias foram se passando e um a um ia sendo resgatado do mar daquela doença misteriosa. Era uma pesca diária de homens que retornavam como peixes saudáveis ao convés do navio. Era sabido por todos que a paciência e a sabedoria em aplicar as ervas no momento certo foram determinantes para o resultado que se dera.

Em um entardecer, pouco depois de todos já estarem bem, estavam em alto mar, a situação completamente controlada, Zé observava o horizonte, quando Alemão aproximou-se.

- Pensativo, Zé Marinheiro?

- É... Tava aqui mudando o seu batismo.

O outro se surpreendeu enquanto Zé observava mais demoradamente a imensidão de água a sua frente e dizia:

- Seu nome agora é Martim. – e abriu um largo sorriso. – Martim Pescador.

A dor enquanto ama - Em ContosOnde histórias criam vida. Descubra agora