Encorpado, fresco e seco

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Soprava o vento sul, frio, forte e permanente. O campo estava coberto por uma geada esbranquiçada que deixava a paisagem bonita e tranquilizante. A plantação de uvas também estava coberta pela geada. Isso garantia colheita boa para o vinho daquela região. Era o inverno. Ele trazia incertezas para os corações e enunciava tempos de reflexões.

Mesmo com o frio cortante, o trabalho não cessava. A colheita, seleção e transporte para a vinícola continuava. Eles começaram cedo, tomaram café quente e um pedaço de pão seco nos barracões onde se acomodavam, colocaram seus apetrechos para a colheita e se foram para os campos de parreiras.

- Antonieta, reforce seus agasalhos. Hoje está frio por demais.

- Sim, mamãe, não se preocupe. Especialmente hoje, trouxe uma blusa de reserva lá da casa grande que Anita não mais queria. Olha só que maravilha! - e mostrava animadamente a blusa rota que trouxera em pagamento de uma limpeza que fez nos aposentos da casa dos donos da vinícola.

- Não quero que fique até tarde nos finais de semana na casa dos Avancini, Antonieta. Eles te exploram e lhe enganam com qualquer agrado. Já não chega trabalharmos pra eles quase de graça? E ainda se não bastasse, pagam o dia que bem entendem e nos acomodam, nos tempos de colheita, como se fôssemos porcos, todos amontoados nesse barracão.

- Ora, mama! Isso é passageiro, logo que acabar a colheita, voltaremos para casa com os bolsos cheios de dinheiro e o coração repleto de alegrias.

Todos riram da inocente menina adolescente.

- Só se for o coração mesmo, porque os bolsos...vazios, pagando mal as despesas até a próxima colheita. Vamos, vamos ao que interessa, hem?

E caminharam para o transporte que os levariam ao campo.

Trabalharam por toda a manhã, não podiam conversar uns com os outros para não atrapalhar na produção. Tinham que cumprir meta de colheita. As parreiras estavam abarrotadas. Algumas plantadas no alto da colina, outras mais baixas traduziam um cenário espetacular. Ao longe, podiam-se ver os vários tons de verde, dos pés da planta, do campo que os acolhia, misturados ao tom vinho dos frutos que os agraciava. Uma bela paisagem que enchia os olhos de quem visse. Pararam para almoçar rapidamente. E voltaram ao trabalho pesado. Ao fim do dia, retornaram ao barracão e puderam ficar a gosto.

Antonieta trabalhara muito naquele dia e estava particularmente cansada. Entrou no barracão, pegou uma toalha, uma roupa limpa e se dirigiu ao rio para um banho.

- Espere, menina! Não vá sozinha ao rio, Lindalva irá com você. Está escurecendo e é um tanto longe. - alarmou-se a mãe.

- Não é preciso, mama. Irei sozinha, não há problema algum, tomo meu banho lá todos os dias e nunca houve nada de errado.

Antes que a mãe pudesse falar mais alguma coisa, a moça já estava longe, pegando o caminho que dava acesso ao rio. Em lá chegando, tratou logo de entrar e se banhar. Estava frio, não queria se demorar muito. Ao contato com a água, seu corpo estremecera e dera um grito, lavou-se e saiu apressada. Estando à margem do rio, pensou ter ouvido algum barulho, mas olhou para todos os lados e não vira nada. Mesmo assim, resolveu pegar o caminho de volta para evitar qualquer contratempo. Mas ficara intrigada. Será que havia alguém a olhando?

A noite avançara, os trabalhadores se reuniram após a refeição simples, cantaram e dançaram em volta da fogueira, beberam do vinho que ajudavam a fabricar e, mais relaxados, entraram para dormir, descansar para o próximo dia. E assim foi por toda a semana.

No final de semana, Antonieta fora novamente convidada a ajudar na casa dos Avancini. Ela gostava dessa oportunidade porque poderia ganhar algo mais para suas necessidades de moça vaidosa. Levantara cedo e encaminhara-se para a casa na companhia do pai. Este a deixara aos cuidados de uma velha criada da casa e voltara pelo mesmo caminho.

Anita ficava animada com a presença da jovem, mas ela era recomendada a não atrapalhar a moça nos afazeres que lhe eram destinados. Elas, no entanto, ficavam trocando sonhos até muito tarde da noite. Só então adormeciam. Antonieta sempre dormia no quarto de Anita, rompendo com mais uma regra dada pela matriarca da casa.

Naquele domingo, entretanto, algo se fizera diferente. Bem cedo, logo depois da chegada da moça, os Avancini levantaram viagem, levando consigo a velha criada da casa, disseram que iriam visitar uma tia que estava muito adoentada e necessitavam de suas presenças. Deram ordem para Antonieta terminar a faxina dos quartos e ir embora em seguida. A moça sentiu-se um tanto só, mas pôs-se a executar sua tarefa. Assim fora até o meio da tarde. Antonieta lembrara que nada comera até então.

Quando se dirigia para a cozinha, passando pela sala, viu o Sr. Rodriguez, responsável por todos os trabalhadores e seus afazeres. Ele estava sentado em uma poltrona, com os braços apoiados na cadeira e, em uma das mãos, tinha um copo de vinho. Suas longas pernas estavam cruzadas. Ele estava vestido de forma diferente, camisa de mangas compridas, calças pretas e com meias e sapatos sociais. Ele estava com um olhar fixo e passava o dedo indicador de forma rítmica e devagar, de um lado a outro dos lábios. Seu olhar fixo paralisou Antonieta e parece que a queimava com intensidade, mas de forma que ela não conseguia decifrar. Ele não devia estar ali àquela hora. Deveria estar de folga e em sua casa. Sentiu-se alerta.

Sentiu arrepios e seu coração quase parar. Correu pra a cozinha e rapidamente preparou alguma coisa para comer. Era um dia em que todos os empregados, externos e internos, estavam fazendo passeios porque os donos da casa estavam fora e nada havia para fazer. Ariane, que cuidava da organização dos serviços caseiros, dera folga aos serviçais.

Comeu. De repente, sentiu um arrepio na espinha e virou-se.

- Nossa, o senhor me assustou. - falou ao observador.

- Desculpe-me. Não tive intenção disso.

- Há quanto tempo estava aí me observando?

- Tempo suficiente.

Antonieta mal conseguia falar. Levantou-se e ia saindo.

- Não a dispensei ainda, mocinha.

Ele passou a mão sobre seu cabelo e colocou atrás da orelha uma mecha que estava solta.

- Você está especialmente linda hoje, Antonieta!

- Obrigada, Senhor! Com licença.

- Não tão rápido, mocinha. - e impediu-a de sair

- Ah, senhorita, o que eu faço com você? Sempre linda, jovem, fresca, em seus banhos solitários e em suas roupas muito indiscretas.

Então, era ele o oculto no rio. Ousadamente, suas mãos acariciam ritmadamente as costas da moça que estava apavorada, atordoada.

- Por favor, deixe-me ir. Não quero ficar aqui.

Ele a prendeu - a parte da frente do seu corpo contra as costas da garota - sem mais ouvir seus lamentos. Ignorando sua reação, continuou segurando-a apertado, fechando-lhe a boca para evitar os gritos e acariciando violentamente todo o corpo da garota. Depois de alguns momentos, ele mudou a posição, de forma que colocou a garota contra a mesa e arrancou-lhe a roupa de baixo e a agrediu, violou e estuprou sem piedade. O corpo de Antonieta se enrijeceu e, após, amoleceu em um desmaio.

Ele a soltou na mesma hora e a deixou, ali, no chão, jogada, absorta, desmaiada.

Então, finalmente quando acordou, Antonieta sentiu seu corpo dolorido e humilhado, sentiu um cheiro horrível em si e vomitou. Sentiu nojo de si. Levantou-se rápido ao lembrar-se do ocorrido. Mas, ao tentar sair da cozinha, fora impedida.

- Ah, não! Espere. Se falar algo do que houve aqui, morre. Morre primeiro toda a sua família e digo mais, você assiste antes a morte deles. Agora vá.

A garota saiu desesperada. Corria pelo pasto como louca, chorando sem parar. Foi ao rio, banhou-se, chorou quase a ficar sem forças, levantou-se e direcionou-se ao barracão. Amanhã recomeçaria o trabalho e o descanso findara.

Findara para sempre.

A dor enquanto ama - Em ContosOnde histórias criam vida. Descubra agora