A viagem parecia demorar mais do que o necessário. Charles era um jovem corajoso, e, mesmo nervoso com a importância da primeira missão, se sentia animado para tomar atos heroicos para si. Sempre vira Richard, Pietro, Rei Roberto II. Nomes que circulam Ur todo o tempo vinculados a atos de heroísmo e sabedoria. Charles sempre acreditava ser a criança de dois mundos, pois admirava diferentes aspectos dos heróis.
Admirava a força bruta de Richard e toda a fama que sua espada tinha em suas mãos. Admirava a destreza e precisão de Pietro que por anos defendeu Ur com uma lança e um escudo. E também admirava a sabedoria de Roberto, pois essa era a maior força do homem, acreditava Charles.
"Você pode ser forte e preciso, mas ainda perde a luta. Você pode ser fraco e atrapalhado, mas, se for esperto, tem boas chances de acabar com seu inimigo.", pensava.
Mas Charles não era nem fraco nem atrapalhado, particularmente. Gostava de trabalhar a mente, como qualquer homem sensato, mas por toda a sua vida trabalhara o corpo também. Era forte. Não era forte como Tobias, da guarda real, mas era forte. E era rápido. Tinha uma agilidade invejável. Se tinha uma coisa que irritava Charles era a ideia de que arqueiro não consegue lutar. Ele, por exemplo, era um ótimo lutador, porém um exímio arqueiro. Conseguia acertar alvos a distâncias que até Pietro duvidava.Charles acreditara que o deus da sorte havia finalmente começado a sorrir para ele. Quando criança, fora abandonado por seus pais – quem quer que sejam – e tinha sido uma criança órfã e solitária. Aos dez anos, conseguiu entrar na escola real e tinha Pietro como uma figura paterna. Não era seu aluno favorito, infelizmente, mas essa era uma meta que Charles não havia desistido de alcançar ainda. Agora era o conselheiro do espadachim, o arqueiro de Ur. Ele tinha que ter impressionado. Pietro agora o tinha como defensor... esse era um pensamento feliz.
Charles estava preparado. Tinha uma aljava cheia de flechas, um arco bem posicionado e uma mira admirável que tinha alcançado com o tempo.
Claro que existia a preocupação... o trabalho era perigoso, sempre foi, mas agora o perigo estava exposto. Jonas e Anna tinham sumido e isso tinha abalado Charles pessoalmente. Não existiam muitos arqueiros heroicos para ele se inspirar, mas Anna sempre esteve lá. Adorava visitar crianças, principalmente as órfãs, e o fazia acreditar no bem do mundo. Nas pessoas boas e naquelas que ainda podia confiar. Foi numa situação em que Charles se viu em perigo, quando criança, que Anna o salvou.
Charles se encontrava sozinho, perto da floresta num passeio com o orfanato. Tinha se separado dos outros garotos. Um lobo, pouco maior que ele na época, o atacou e por um momento Charles não vira nada. E do nada, ali estava. Anna atirava flechas mais rápido do que Charles podia contar.
- Tudo bem aí, amigo? – Anna estendera a mão para Charles se levantar.
- Sim... obrigado, arqueira.
- Lembre-se, nunca se veja sozinho perto de uma floresta. Mas, se um dia estiver, acredite no seu potência. Você é esperto... pode ser que um dia nem eu, nem Jonas poderemos te salvar.
- Espero que não.
- Nem eu, garoto, nem eu.Mesmo montados nos seus cavalos, o caminho para Rio Corrente parecia mais longo do que deveria. Com o tempo, Charles foi percebendo que a estrada se tornara mais estreita, pouco espaço existia entre seu cavalo e o de Zachary.
Por horas, Charles e Zachary cavalgavam pelas estradas, porém, as horas mal foram sentidas depois que começaram a conversar. Os dois compartilharam suas histórias, seus heróis, seus sonhos. Charles contou como admirava Anna e como ficara abalado quando ela desapareceu. Zack contou como admira o Rei Richard, e que estava muito nervoso quando foram ao Castelo – também pelo fato de sua pequena queda pela Rainha Helena.- Acho que estamos perto. – Zack olharam para frente na estrada e se situara.
- Acredito que sim. – Charles checara o mapa – Só mais alguns minutos em frente e estaremos na ponte.
Os rapazes continuaram pela estrada até Charles avistar uma cabana no meio da estrada que tampava a passagem.
- O que é isso?
- Vamos descobrir. – Zachary desceu do cavalo já com a espada na mão.
Charles também desceu do seu cavalo, pegou seu arco e deixou um flecha pronta.
- Tem alguém ai? – Charles perguntara.
- Se tiver, saia. Iremos entrar.
- Mas não há necessidade disso, rapazes. – disse uma voz por trás dos garotos. – Vejo que encontraram minha humilde cabana. Vocês querem entrar?
- Não é preciso.
- Só queremos passar... e não custava nada conferir quem era. Com licença.
- Mas não sejamos tão apressados. – o sujeito era alto, magro e tinha cabelos negros bem cacheados. Tinha um sorriso que parecia tentar disfarçar sua perversão e olhos verdes que pareciam esmeraldas. – Me chamo Victor. Eu sou um vidente... e posso ajudar vocês na sua missão.
- O que... – Zachary estava surpreso.
Não há nada demais até agora, pensou Charles. Um espadachim e um arqueiro montados a cavalo no meio dessa estrada. Era óbvio que estavam numa missão.
- Eu posso fazer algumas previsões...
- Não precisamos.
- Vamos prosseguir viagem. – Era o certo a fazer. Charles tinha certeza.
- Esperem... – Victor fica tonto e por um momento Charles pensa que ele vai cair. Os olhos de Victor reviram e se tornam cinza, escondendo os verdes chamativos. – Quando a noite cair...é a ela que devem encontrar. – Victor estava quase caindo. – Missão... cuidado! RETORNO. VÃO VOLTAR!
Victor cai desmaiado no chão.
- Pelos Deuses, Charles, o que acabou de acontecer? – Zachary estava em choque.
- Isso me parece uma profecia. Uma visão do futuro. Pietro falou que sempre existiram pessoas que poderiam prever pequenas partes do futuro, só uma prévia.
- Ele não falou nada concreto.
- Mas algumas coisas podemos relacionar, como, temos que ter cuidado com nossa missão e que algo vai retornar, devíamos ficar de olho nisso.
- E o que fazemos com ele?
- Vamos leva-lo até que acorde. A gente deixa ele em algum lugar.
- Mas não há necessidade disso também, garotos. – O corpo caído de Victor havia desaparecido do chão e da cabana saia um Victor normal, descansado, com olhos verdes brilhando. – Mas fico felizes que tenham acreditado em mim.
- A única parte que me pega é... o que devemos encontrar na noite caída?
- Se eu fosse você, pensaria melhor no que eu disse. O futuro é algo incrível, garotos, depende de sua referência. Pode-se haver várias interpretações do mesmo fato. Minha cabeça foi bombardeada de informações e o que eu interpretei foi aquilo. Agora, o que vocês interpretarem da minha interpretação não é da minha conta.
- Ajuda muita. – Zachary não estava gostando de Victor nesse momento. – Vamos, Charles.
Charles guardou colocou seu arco nas costas, junto a aljava e se juntou a Zachary.
- Rapazes...
Os dois se viram e Victor parece estar mais perto dos dois do que antes.
- Antes de irem... levem isso de presente.
- O que? – Zachary não via nada.
- A mim. Me levem com vocês e eu vos dou magia necessária para vencer qualquer coisa.
Charles não sabia se essa era realmente uma proposta a se pensar. Desde pequeno, ouvindo sobre a Guerra com as Bruxas, sempre fora ensinado que magia era algo com o qual não deveria se mexer. Boa ou ruim, ele estava melhor sem.
- Não. Não precisamos de magia. Zachary, boa ou ruim, estamos melhor sem magia.
- Tem razão, Charles. Adeus, feiticeiro.
- Espere! Já que não me quer... – Victor fez um movimento com a mão e lá apareceu uma folha. – Leve isso. Vocês são os certos, isso vai os ajudar.
Charles não sabia o que uma folha poderia fazer por eles, mas, depois desse encontro, não duvidava mais de muita coisa.
- Lembrem-se, garotos. Vocês vão adentrar terras com magia. Cuidado. – e com outro movimento de mão, Victor e a cabana não estavam mais ali. Só Charles, Zachary com uma folha na mão e a estrada livre para os dois.Na estrada, Charles se via com duas opções. Ou debatia o que acabara de acontecer até chegarem em seu destino, ou esqueceria que tudo tinha acontecido, ao menos por ora. Escolhera esquecer. Voltara a conversar com um Zack guardando a folha como se fosse sua vida.
Era curioso, claramente. Por que Victor nos daria uma folha?, pensou Charles, o que haveria uma folha de fazer que nos ajudaria?
- Acho que estamos chegando em Rio Corrente. – Zachary tirara Charles da viagem mental que estava fazendo.
- Segundo o mapa, o que nos resta a fazer, assim que chegarmos lá, é atravessar a ponte. Ela deve nos levar direto para a área do filho do rei.
- Ótimo. Essa missão já poderia acabar. Eu não me incomodaria.
Nem eu, pensou Charles. Mas seu papel ali era manter a moral da dupla. Ele tinha que pensar positivo.
Alguns minutos depois de cavalgada, avistaram uma relva coberta por árvores enormes, as quais Charles sentiu que poderia se perder com muita facilidade. A ponte estava ali, mas não era nada parecida com o que o mapa mostrava. Ao todo, era uma caminhada de dez metros entre uma ponta e outra.
- É mais bonita do que as histórias. – Zachary pensara alto.
- E mais longa também.
- Não deve ser um problema, se não formos interrompidos.
- Tarde demais, galãs. Ninguém passa pela ponte de Ragnar, o ogro. Prazer.Na frente da ponte, aparecera um sujeito de dois metros e meio de altura, dando dois dos garotos, com uma pele escurecida e uma aparência esbugalhada. Tinha olhos azuis e uns cinco fios de cabelo na cabeça. Envolto a cintura, havia uma espada, duas vezes maior que a de Zack. Charles sabia que não tinha como isso dar certo. Mas tinha que dar. Era para isso que Ur elegia espadachins e conselheiros há anos. Eles não enfrentam desafios que tem jeito... eles dão o jeito.
- Ok, Zachary, vamos descer. – e os dois saíram de seus cavalos.
Zack desceu e puxou sua espada quase que ao mesmo tempo.
Charles pegara seu arco, deixara uma flecha na ponta e tinha a mira em um dos olhos azuis de Ragnar.
- HAHAHAHA. – o desdém de Ragnar era o maior que Charles já tinha visto. – Vocês acham que vão conseguir me derrotar com isso, galãs do reino? Vocês vão ter que melhorar.
Ragnar se posicionou como se fosse avançar nos garotos, mas, ao invés disso, fez um simples movimento com uma das mãos. No ato, sua espada saiu da cintura e avançou para Zachary e começara a o atacar.
Zachary revidava.
- Sabe, Rag... essa é minha primeira missão e posso dizer que lutei com uma espada encantada... obrigado por isso!
- Mas... como isso é possível? – Charles não entendera o que aquela criatura mágica fazia em Ur.
- Garoto, olhe para a sua frente – e Ragnar apontou para a floresta atrás dele, depois da ponte. – A magia existe daquele lado, mas não está presa ali. Aqui é o fim da linha, garoto. A magia é livre. E não tinha ninguém para me impedir esses últimos tempos, tinha?
A história de Anna e Jonas se espalhou mais rápido do que Charles esperava. Criaturas mágicas já sabiam... e se sentiam livres para praticar suas mágicas em Ur, terra sem proteção.
- Agora, vamos encerrar a conversa, não é? – Ragnar começara a avançar em direção a Charles. – Vamos ao que interessa.
Charles atirara a flecha, que antes mirava nos olhos, mas agora estava mirada no joelho. Tentava atrasar o ogro, mas era sem sucesso.
Zachary ainda lutava contra a espada encantada, deixando Charles sozinho com uma aljava com mais dez flechas para derrotar um ogro mágico duas vezes maior que ele.
- Agora, vamos esquentar as coisas. – quando coloca sua mão para cima, Ragnar projeta uma bola de fogo. – Hoje vou jantar arqueiro queimado.
Charles vai recuando e cai ao lado dos cavalos.
No cavalo de Zack, sua bolsa começa a vibrar. A folha, presente de Victor, sai brilhante, voando.
A folha vai rodeando o ogro e se transformando em algo que Charles não conseguia reconhecer.
A folha foi para atrás de Charles, e quando ele se virou, ali havia um senhor. Um homem alto, com uma barba e cabelos cinzas. Suas vestes eram sujas, porém brancas. O homem flutuava no ar e começara a fazer um movimento como se estivesse puxando o ar ao seu redor. Depois de juntar o máximo que pode, o solta em direção a Ragnar.
- Quem é você, velh...- Ragnar caíra no rio.
O homem desce e pousa ao lado de Charles, estende a mão e o ajuda a levantar.
- Você está bem, criança? – sua voz era grave, mas num tom que acalmava.
- Eu estou...
- Ótimo, e você, criança? – o homem se vira para Zack e com um movimento derruba a espada encantada.
- Agora sim. – Zachary caíra no chão, cansado.
- Quem é você?
- Vocês podem me chamar de Mago Branco, mas não temos tempo de conversar. Essa briga não acabou. – O mago faz uma bola de fogo na mão enquanto Ragnar se levanta do rio.
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O Filho Perdido - As Crônicas de Ur I
FantasyDepois da Grande Guerra, o maior desafio de Ur é manter-se longe da magia das bruxas. No entanto, numa aventura a pedido do rei, o espadachim e seu conselheiro, protetores de Ur, podem despertar novamente a relação do reino com as bruxas. Ur faz par...