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BeijossssCapítulo seis
E
u fiquei pensando no que Cattleya falou mas não o contexto, e sim, a profunda amargura que senti em suas palavras. Havia algo maior no sentido delas.
— Tem alguma coisa acontecendo com nossa filha de dezessete anos, Pétala. — sussurrei. Cattleya foi até a cozinha preparar alguns lanches. Lá fora a chuva caia mais forte do que pela manhã. Olhei para Cattleya e ela estava concentrada com uma faca na mão cortando fatias de bolo de laranja. — Eu vou falar com ela mais tarde.
— Eu imagino o que seja. — Disse minha mulher. Procurei seu rosto em busca de respostas.
— Você imagina? — Perguntei.
— Sim.
— Por quê?
— Porque nossa filha não sabe que eu sei, amor. — Ela levantou um pouco e se acomodou melhor. — Acho não, tenho certeza que ela está assim por causa do Spencer.
— Spencer? — Falei alto demais.
— Fale baixo amor, você quer que ela nos ouça?
— Não. — sussurrei. — E o que Spencer tem com essa história? — Perguntei, mas já intuindo a resposta. Spencer é primo de Cattleya e filho de Chris, irmão de Pétala e sua ex-namorada, Ellen. Que o deixou antes que ela morresse uma drogada grávida. Hoje ela é uma mulher que faz campanhas e tem instituições de recuperação de jovens usuários de drogas.
— Lembra-se que eles cresceram juntos? Mesmo ele sendo cinco anos mais velho que ela, eles não se desgrudavam quando ele vinha passar as férias aqui. E quando ela ia para casa dele, os dois pareciam casal, crianças, mas casal. Ellen sempre me disse que eles estavam apaixonados um pelo outro. — Falou minha mulher, assim, tranquilamente e com sorriso nos lábios. Como se fosse normal falar isso para um pai.
— E você fala isso assim, sorrindo?
— Você queria que eu dissesse como, chorando? Ela está amando Dexter, e isso já faz algum tempo.
— E por que eu nunca soube disso? — Perguntei. Mas acho que eu sempre soube.
— Porque os homens são assim, desligados aos detalhes. — Disse ela.
— Mas Spencer vai se casar daqui há alguns dias e nós seremos os padrinhos. — Falei.
— Isso mesmo, entendeu agora porque nossa filha está triste e focada nesse livro que ela quer escrever?
— Agora entendo. Eles tomaram rumos diferentes, Spencer foi estudar em Harvard e voltou noivo de uma colega de classe.
— Sim.
— Mas e ele? Corresponde a esse sentimento? — Perguntei. Pensando no tempo em que eles eram crianças, agora faz todo sentido. Spencer chorava quando Cattleya se machucava e cuidava dela até se sentir melhor. Eles corriam, brincavam, tomavam banho e dormiam juntos, sempre um ao lado do outro. Só parou quando Spencer começou a ficar rapazinho, ele dizia que não podiam tomar banho porque ele era um homem e Cattleya uma menina. Pétala ensinou isso para ele. Lembro-me de como eles ficavam abraçados embaixo das cobertas para assistirem filmes. Estou chocado como nunca percebi as evidências antes, ou fingi não perceber por achar que eram crianças demais para tal feito, o amor.
— Acho que ele corresponde sim, mas com a ida dele para Harvard muita coisa mudou na vida e na cabeça dele. — disse ela. — Ele conheceu outras pessoas, novas conquistas, sexo e tornou-se um homem com muitas opções em suas mãos por ser muito bonito e rico. E agora irá se casar.
— Ela está sofrendo há muito tempo. — Falei.
— Sim, e sei exatamente o dia em que começou.
— Sabe? — Perguntei incrédulo.
— Sim. Lembra-se de quando tivemos que ir para NY, porque eu tinha uma reunião muito importante com os Japoneses?
— Lembro.
— Então, Spencer foi nos visitar na nossa casa e levou uma garota. Não era a Victória, sua noiva hoje, era outra garota. Ele não foi o mesmo com Cattleya desde esse dia. Suas diversões e seus assuntos já não incluíam a nossa filha no meio. — disse Pétala. — Na hora do jantar ela não ficou na mesa com todos nós porque Spencer, beijou apaixonadamente a garota e Cattleya não suportou ver nada daquilo. — Disse ela.
— Como eu não vi isso antes Pétala? Nossa menina de dezessete anos sofrendo por amor?
— A cabeça dela já é tão madura que às vezes esqueço que ela tem somente dezessete anos, Dexter. — Disse ela.
— Mas se ela é tão apaixonada assim, é porque aconteceu alguma coisa entre eles? — Falei.
— Eu também acho isso, pelo simples motivo que eu já os peguei se beijando, se declarando um para o outro com a promessa de nunca deixar o amor que sentiam morrer. — Disse minha mulher.
— O que você está me dizendo? — Perguntei quase tendo ataque.
— Eu não dei muito crédito quando vi, Cattleya tinha somente doze anos e ela o ouviu falar aquelas palavras como uma promessa de um primo apaixonado. Eu pensei que ele também não sabia o que estava dizendo e que isso ia passar com o tempo. Para Spencer passou, para ela não, ela ainda o espera tenho certeza disso.
— Por que você nunca me disse nada disso? Por que eu estou sabendo que minha filha aos doze anos já beijava na boca e fazia promessas de amor eterno? — Perguntei tentando esconder o tom da minha voz.
— Eu não contei para não preocupá-lo, sei que você é capaz de sair daqui nesse momento e pegar um avião e ter uma conversar com Spencer. E você não vai fazer isso, se ele não ama nossa filha, então ela merece um homem que a ame como você me ama, entendeu Dexter? — Disse ela séria demais.
— Claro, não vou fazer isso. É incrível como o tempo passa rápido. — Falei.
— Sim.
— Do que vocês estão falando? — Perguntou Cattleya chegando sorrateiramente para tentar nos ouvir.
— Da nossa vida querida. — Falou Pétala ajudando-a com a bandeja cheia de lanches.
— Meu Deus, eu preciso correr o triplo nessa mata para não engordar. — Brinquei.
— Você não precisa papai, é um coroa saradão. — Rimos todos. Ela sempre solta uma piada sobre isso.
— Obrigado pelo elogio.
— De nada. — Disse ela. Comemos em meio a risos e piadas de nossa filha e agora eu sei por que ela quer saber com mais detalhes a nossa história. Ela está amando e sofrendo. Buscando um refúgio para apegar-se e pensar que seremos um exemplo para seguir. Não contentando-se com menos do que ela tem em seu próprio lar. E minha filha está certa, ela precisa saber que não é qualquer palavra ouvida que é verdadeira, entender que amor não acaba com o primeiro gole de bebida. Como fora com meus pais.
— Vamos papai, continue a leitura. — Disse ela quando terminamos de nos alimentar.
— Tudo bem. — Peguei meu diário e coloquei na minha voz, todo o sentimento que Cattleya precisava sentir e saber para fazer suas escolhas, sejam elas quais forem.
Dexter ligou a velha caminhonete e fez o seu caminho de volta para a cabana. Em um único dia ele viveu emoções que em trinta e três anos jamais imaginara viver. Foi amor à primeira vista, forte e marcante. Seus olhos não deixaram o retrovisor na esperança de vê-la sair pelas portas do hotel e dar-lhe um único motivo para levá-la para longe dali. Mas isso não aconteceu. Tudo dela era diferente do que ele conhecia. Tudo de Pétala era melhor. Deixá-la ir embora não fora fácil. "O que é isso que estou sentindo?" — Pensou enquanto desligava o motor do velho carro. Ele abriu a porta e o ringir que fez foi alto para o silêncio que estava na cabana e quando a fechou novamente, o que sentiu foi só um lembrete de que uma mulher linda esteve ali. A única mulher a estar em sua casa. Seu perfume suave o deixou embriagado de desejo, mas ela tinha voltado para a sua vida normal e o que ele viveu foi um pequeno sonho de probabilidade mínima de acontecer na vida de pessoas normais.
— Pétala. — disse ele em voz alta. — Combina com ela, delicada e cheirosa como pétalas de flores. — falou sentando-se no pequeno sofá onde ela tinha passado os seus últimos minutos dentro da casa. Ele olhou para a cabana que era o seu porto aconchegante e com tudo o que ele achava necessário e bonito. Mesmo com todo poder exalado do hotel sete estrelas, em sua cabana ele era o rei. — Ela gostou desta casa simples. — disse ele. — Ela gostou do banheiro. E você é um idiota, sabia? — Disse com um pequeno sorriso nos lábios.
Dexter deixou os devaneios de lado e levantou-se para colocar sua vida em dia. Ver os pedidos que deixaram em sua caixa de correios que fica perto dos maquinários dentro da mata. Ele não gostava de ninguém rondando sua casa. Comeu um sanduiche rápido e foi para a mata e mesmo com todo o barulho de suas maquinas, mesmo com a força que ele colocou para cortar a lenha com o machado, dentro da sua cabeça reinava o silêncio. A imagem do rosto de Pétala ficou gravado e não saiu de sua mente. Ele trabalhou o dia todo e mesmo com a fina chuva que caia, não parou para nada. Se deu conta de que a noite já se fazia presente quando começou a ter dificuldades para enxergar dentro da floresta, então, ele soube que estava na hora de ir embora.
E foi assim que se passaram quinze dias. Dexter entre o trabalho, a cabana e seus pensamentos em uma mulher que talvez, ele nunca fosse vê-la outra vez. Ele estava fazendo o jantar quando pensou em procurá-la no hotel. "E dizer o que? Oi tudo bem, como vai o seu pé?" Palhaço. — Esqueça Dexter, apenas esqueça. — disse em voz alta para quem sabe entrar de vez em sua cabeça. — Você nem sabe se ela está na Geórgia ou em outro dos seus hotéis. — Falou mais uma vez.
Ele comeu em silêncio deliciando-se com um saboroso peixe fresco. Logo depois arrumou toda a bagunça da cozinha e foi para seu quarto, mas não antes de passar no quarto onde ela dormiu e sentir o cheiro que ainda estava lá. Ele foi para o seu quarto, tomou banho e deitou em sua cama, dormiu olhando para imagem de Pétala em suas lembranças.
Mais quinze dias se passaram e ele entre fazer entregas, receber seu pagamento, fazer compras no supermercado e passar em frente ao hotel sete estrelas de portas de vidro azul. Aquela certeza que ele tinha a um mês atrás, de que eles iriam se encontrar novamente, já não existia mais. Pétala virou somente uma linda mulher em seus pensamentos e toda vez que ele olhava para o grande hotel, ele tinha a certeza de que ela não se lembrava do lenhador que vive dentro de uma floresta na sua velha cabana.
Mais dez dias se passaram e Dexter deixou de se comportar como um perseguidor e não passou mais na frente do hotel, e resolveu esquecer tudo e seguir com sua vida normal e simples como sempre foi.
O sol estava lindo aquela manhã, Dexter com seu machado e uma força bruta cortava lenha para abastecer a casa na parte de trás onde fica sua plantação de alimentos frescos. O silêncio o agradava muito e quando era quebrado pelos pássaros tomando banho de sol, era o seu prazer. Ele estava cortando e amontoando ao lado, seu jeans abaixo do quadril o fez parar e erguê-lo, a camisa um pouco grudada no corpo pelo suor e mesmo assim continuou seu trabalho e cortou o suficiente para mantê-lo cinco dias sem ter que fazê-lo novamente. Guardou o machado no lugar habitual, e parou de repente. Ele fechou os olhos e seus batimentos começaram a ficar rápidos. Dexter conhecia bem o cheiro da mata, as flores e seus perfumes, e aquele era diferente. Ele puxou forte o ar para os pulmões inalando o máximo que conseguiu e soltou devagar. Era o perfume mais agradável que qualquer outro que já sentiu em sua vida, o vento trouxe o cheiro dela para ele. Então, ele abriu os olhos e olhou para trás e logo seu corpo começou a tremer, suas mãos ficaram frias e suadas, suas pernas perderam o equilíbrio mas ele tentou bravamente mantê-las firmes. Pétala estava ali olhando para ele encostada na parede da casa. Sua pele limpa, seus cabelos negros e seu perfume, ele estava vendo-a olhar para ele e sorrir. Dexter conseguiu dar passos devagar um na frente do outro tentando lembrar como se fazia isso, porque por um breve momento se esquecera de tudo. Ele conseguiu, e fez. Suas pernas estavam pesadas e trêmulas e ao se aproximar sorriu para ela como se a vida dele estivesse ganhando um novo sentindo. Seu corpo voltou ao normal devagar, mas somente até ouvi-la com sua voz rouca e sexy.
— Oi, Dexter. — Ele perdeu o ar ao lembrar como era perfeito ouvi-la dizer seu nome.
— Oi. — sussurrou. — Pensei que não a veria novamente. — Disse ele.
— Tenha um pouco de fé em mim, lenhador. — ele sorriu ainda mais amando ouvi-la chamá-lo assim. Ele olhou para seus pés e ela estava com botas de salto alto. — O seu pé como está?
— Bem, tirei o gesso há dois dias, nunca nada me incomodou tanto. — Disse ela. Ele a observou brevemente.
— Não está com sua mochila e nem roupas de se aventurar pela mata. Suponho que seja uma visita. — Disse ele.
— Sim, vim saber como está o lenhador que me salvou. — Ela sorriu.
— Estou bem. Vamos entrar o vento já está forte outra vez. — Disse ele. Dexter andou lado a lado com Pétala, ele estava um pouco sujo pelos trabalhos que fez e ficou muito envergonhado por isso. "Ela tão linda e cheirosa" — Pensou. Eles passaram para a parte da frente da casa e Dexter logo viu o homem parado do lado de fora do carro.
— Esse carro é seu? — Perguntou ele.
— Sim.
— E esse homem?
— Não, ele não é meu. — ele olhou-a e a viu sorrindo para ele. — Eu gosto de piadas sem graça. — Disse ela.
— Eu vejo. — ele também sorriu. — Mas eu fui o culpado, a pergunta real é, ele não vai entrar para um café?
— Não, ele é o meu motorista e vai ficar no carro esperando-me. — Dexter olhou-a e sorriu sem graça. Ela tinha um motorista, uma pessoa que a levava para onde ordenava e isso o deixou desconfortável. Ele abriu a porta para ela entrar e fechou atrás dele, o calor os aqueceu mesmo com o fraco sol lá fora, o tempo ainda estava frio. Pétala andou até o sofá olhando atentamente toda a casa, o teto estava aberto para a luz do dia entrar na cabana, ela sorriu e olhou para ele.
— Eu gosto daqui.
— Eu também, por isso não deixo esse lugar por nada no mundo. — disse ele. — Eu vou pegar a lenha que cortei, sente-se por favor, eu volto em um minuto. "Ela está aqui, ela está aqui." — Pensou eufórico. Dexter pegou o carrinho de mão cheio de lenha e foi para a porta da cozinha, abriu e entrou com o carrinho. Ele olhou para ela que estava em pé no meio da sala e de olhos fechados. Dexter sorriu ao observá-la pois sabia que ela tinha sentido saudades daquele lugar simples. Foram poucas horas que passaram juntos dentro do mesmo espaço, porém, em seus corações, sabiam que tinha sido especial, singular, mesmo sendo estranhos um para o outro. Prova disse era que ela tinha voltada para sua casa.
Ele pegou um punhado de lenha e acomodou em seus braços levando para a lareira da sala e colocou-as ao lado bem organizada.
— Eu sonhei com esta casa. — disse ela. Dexter que estava quase ajoelhado no chão olhou-a, ela estava olhando-o atentamente. — Eu sonhei com você. — Ele sorriu.
— Espero que tenha sido um sonho bom. — Disse ele.
— Foi lindo na verdade. — eles ficaram se olhando. Dexter não escondeu a surpresa pelo que ela tinha dito. — Eu gostei de ver como você cuida desse lugar, fiquei impressionada. — Falou um pouco envergonhada.
— Claro, imagino que você não conheça muitos lenhadores que vive na floresta? — Brincou.
— Não mesmo. — Respondeu sorrindo. Dexter foi para a cozinha organizar o restante da lenha.
— Você aceita tomar um pouco de chá? — Perguntou ele.
— Sim, por favor. — O barulho dos saltos pelo piso de madeira o avisou que ela estava se aproximando, ele colocou lenha no fogão e acendeu o fogo, logo a água começou a aquecer na chaleira. Dexter virou-se e ficou frente a frente com Pétala que o olhava fixamente.
— Você está com fome? — Perguntou ele.
— Não, mas não vou dispensar o que for me oferecer para o jantar. — Ela sorriu.
— Vou fazer um delicioso prato, não se preocupe. — Falou.
— Eu sei. — disse ela. — Então lenhador, conte-me o que você fez durante esse tempo em que não nos vimos. "Esperei por você." — Pensou ele. Dexter pegou alguns pedaços de casca de laranja secas e colocou na água quente e também algumas folhas de hortelã.
— Nada em especial, trabalho, correr, cuidar da casa. Eu tenho uma vida simples. — Falou e colocou o chá em duas xícaras, pegou o açucareiro e o deixou em cima da mesa e sentou-se de frente para ela. Ela provou o chá.
— Está uma delícia. — Disse.
— Minha mãe tomava chá de laranja com hortelã todos os dias.
— Ela sabia das coisas boas da vida. — Falou ela.
— Nem tanto. — disse e ela o observou um pouco triste ao responder mas logo ele mudou de assunto. — E você, ainda está com o peso do mundo em suas costas?
— Estou e preciso me manter em pé porque o peso do mundo do meu irmão e da minha mãe, sou eu que carrego também. — Dexter percebeu a voz um pouco trêmula. Ela estava ali para conversar com uma pessoa que não a conhecesse e nem aos seus pontos fracos. Porque as pessoas que a conhecem, não estão presentes em sua vida. Foi isso que ele deduziu e estava certo.
— Você veio fugir um pouco da sua realidade? — Perguntou ele.
— Fiz mal?
— Absolutamente. Eu falei que estaria aqui se você precisasse fugir. — Disse ele.
— Sim, por isso estou aqui. Eu não tenho ouvintes no meu mundo, Dexter. Não se não for para ganharem nada em troca, financeiramente falando. — Disse ela.
— Dinheiro, é a maldição do mundo. — Disse ele.
— Sim. Eu sou absurdamente bajulada por ser dona de uma quantidade interminável e incalculável dessa maldição.
— E com todo esse dinheiro, qual momento você é feliz? Porque dinheiro é ótimo e todos sabemos disso, mas existem sim realmente algumas coisas que ele não pode comprar. — Falou Dexter. Pétala bebericou um pouco do seu chá olhando-o. Deixou a xícara em cima da mesa e cruzou as pernas elegantemente fazendo-o quase engasgar enquanto bebia seu chá. Foi a coisa mais linda e excitante que ele já vira. Ele notara que Pétala não sabia o quanto era sedutora sem esforçar-se para ser, ela fazia tudo naturalmente como uma função do corpo, porém, para quem estivesse olhando, era um atentado.
— Eu tinha quinze anos a última vez que me senti feliz. Faltavam alguns meses para meu aniversário de dezoito anos e tomei uma decisão que tira minha paz hoje. Aquele sentimento puro de uma felicidade existente em minha vida, uma adolescente que vivia intensamente e cercada de amor e não tendo medo de nada porque tinha a certeza de que tudo ficaria bem, só senti novamente quando passei aquela noite aqui com você. Eu quase te pedi para ficar para sempre. — Pétala falou com a voz rouca. Dexter olhando-a com olhos arregalados segurando-se para não pular da cadeira e tomá-la para ele. Mas não sabia se ela o queria assim ou gostou somente da paz que seu lar a proporcionara.
— Eu entendo você. — disse somente. — Aprecio sua confiança Pétala, fale tudo o que está ai dentro e que a faça sentir-se confortável. — Disse ele. E ela começou.
— Eu estou cansada. Aos vinte e três anos e com todo o dinheiro que tenho, eu estou cansada. — Ela limpou as lágrimas que começaram a escorrer pelo seu rosto.
— Por quê? — Perguntou Dexter.
— Porque eu assumi a maior idade e os problemas da minha família aos quinze anos.
— Uma criança. — Disse ele.
— Sim. Mas eu não tive tempo de ser criança, fui emancipada pelo meu pai dois dias antes de sua morte. Nunca vou me esquecer o que ele falou quase em seus últimos suspiros. — As lágrimas não pararam de escorrer.
— E o que ele disse? — Dexter encostou o corpo na cadeira, cruzou os braços no peito e deu total atenção para ela.
— Disse: Pétala minha filha, você precisa crescer ou vai perder tudo o que temos. Não deixe o dinheiro da família com seu irmão ou sua mãe, eles estão muito doentes. Trabalhe duro para manter-se viva, não fique como eles, eu te amo. Então, dez minutos depois, ele morreu.
— Sinto muito Pétala.
— Eu não queria vir aqui e despejar meus problemas em você. Eu só queria te ver. — Disse ela olhando-o. Mas ele percebeu que saiu involuntariamente, uma confissão que não devia ter feito e ele sentiu-se quente por dentro. Feliz.
— Eu estou feliz em tê-la aqui, independente de seus problemas.
— Você parece ser um bom homem, Dexter.
— Agradeça a minha mãe, ela me deu uma formação boa enquanto esteve viva. — falou tímido. — Quais são as doenças de sua mãe e irmão?
— Mãe alcoólatra e irmão drogas muito pesadas.
"Alcoólatra" Essa era uma palavra que Dexter conhecia muito bem e não gostava nada dela.
— Meu irmão passou a ser muito violento, quando ele ficava sem droga ele espancava quem estivesse em sua frente. Chris deixou minha mãe em uma cadeira de rodas por um tempo. Tudo porque ela pegou o único dinheiro que tinha em nossa casa para comprar bebidas. — ela respirou fundo. — Ele surtou e a espancou, depois disso conseguiu vender dois hotéis que ainda estavam em seu nome, dado por meu pai antes de morrer. Eu soube pelos nossos advogados. Eu usei o poder da emancipação e passei a administrar nossos bens, tirei tudo o que tínhamos do nome deles e coloquei como se eu fosse a única dona. Quando Chris descobriu, ele me bateu e só não me matou porque minha mãe bêbada teve forças para bater nele com uma garrafa de whisky. — Pétala limpou as lágrimas outra vez. — Ela pensou que o tinha matado, eu chamei uma equipe médica e eles cuidaram de nós dois e fomos para o hospital. Dos quinze a quase dezoito, ele me batia com frequência para conseguir drogas ou pagar suas dívidas grandes. Eu passei a dar dinheiro para não apanhar e a limpar os vômitos da minha mãe pela casa e foi quando ela também começou a ficar agressiva. Quando acabavam as bebidas e drogas, eu abastecia o estoque. — Pétala puxou uma longa respiração, fechou os olhos e deixou as lágrimas caírem ainda mais, abriu e olhou para Dexter continuando. — Eu me tornei um fenômeno na Administração dos meus hotéis e todo o nosso dinheiro, fiz faculdade e me formei antes do curso terminar. Papai era amigo do reitor e dinheiro compra quase tudo. Quando voltei para casa, eu não podia ficar indiferente com o que encontrei, eu precisava fazer alguma coisa. — ela pausou e continuou logo em seguida. — Chris estava moribundo no sofá, era um morto-vivo, um zumbi do craque. Minha mãe entrou com ele nesse mundo então, os dois bebiam e se drogavam o dia todo. Nossa casa estava cheia de gente suja, os esgotos da cidade eram mais limpos que aquele lugar. Saí de lá correndo quando encontrei um homem fazendo sexo com minha mãe no chão da cozinha enquanto ela acendia no cachimbo uma pedra de craque. Chamei meus advogados e compramos uma fazenda quilométrica e não muito distante daqui, cercamos todo o lugar com monitoramento de filmagens, cercas elétricas e contratamos uma equipe altamente treinada de vigilância que ficam andando o dia e noite por minhas terras, não deixando uma mosca atravessar na frente deles. Contratamos também uma equipe médica especializada em tratamentos como esses, e colocamos os dois na fazenda trancados sem possibilidade de saírem por nada nesse mundo. — ela estava soluçando. — Nos primeiros meses eles foram tratados como loucos, camisas de força e amarrados as camas, a abstinência os deixavam assassinos. Hoje eles estão presos lá ainda e em tratamento, podem circular pela casa e no quintal com monitoramento e tempo de trinta minutos. — Pétala tomou o último gole do chá morno para acalmar-se e continuou. — Por isso tenho esse peso nas minhas costas, Dexter. — Falou de cabeça baixa.
— Você não tem que se sentir culpada por deixá-los lá. — Disse ele.
— Eu não sinto. — ela o olhou novamente. — Eu não quero viver perto deles nunca mais. Eu não posso deixá-los sair de lá, não posso. É esse o meu medo e peso, eu não amo-os, não os quero em minha vida. Eu só tinha quinze anos e minha mãe não podia me deixar sozinha com todo esse mundo para administrar. — Disse ela com voz sôfrega.
— Ela não soube fazer o caminho de volta, Pétala. Eles estão vagando em um mundo muito escuro e a única luz para os indicar a saída, era você. — disse ele. — Você os ama sim, só está muito machucada e essa dor a faz pensar que não existe humanidade dentro de você. Eles precisam de você Pétala, e você é boa demais para não se importar com eles. Tanto que está sofrendo agora por saber que eles estão doentes, e você os cuida como tem que ser.
— Eu os deixei trancados dentro de uma casa, por anos, Dexter. — Ela estava aos prantos.
— Se não tivesse feito isso, você não iria encontrá-los zumbis. Você iria encontrá-los mortos. Você deu nova oportunidade para eles, pense assim querida. — Dexter pegou suas mãos e as segurou sentindo-a apertar com carinho.
— Quando você me encontrou na mata, eu estava tentando decidir se iria até lá ou não. Eu escolhi essa região para comprar a fazendo porque minha família é toda daqui, mas ninguém sabe onde eles estão.
— Você é a dona da fazenda Santa Barbara?
— Sim, comprei com porteira fechada na época.
— Faz divisa com as minhas terras.
— Por isso eu estava em suas terras procurando uma funga para minha covardia que era tanta que eu não coloquei nada que pudessem me achar por um rastreador.
— Você não é covarde, não fale assim. — Pétala secou as lágrimas.
— Obrigada por me ouvir. — Disse ela.
— Obrigado por me contar. Como eu disse, você já conhece o caminho. — ela sorriu. Ele olhou para o tempo lá fora e não percebeu que já estava escuro. — Eu vou acender mais tochas e fazer o jantar, você aceita mais chá?
— Não, obrigada. — Dexter se levantou e foi colocar fogo nas tochas e lamparinas, em pouco tempo a cabana estava toda iluminada.
— Eu amo esse lugar. — Falou olhando como era bonito todo aquele fogo dentro da casa.
— Eu também. — Disse ele em sua voz divertida. Dexter começou a preparar o jantar e Pétala ficou o tempo todo ao seu lado, disse que não sabia cozinhar e que jamais fritou um ovo. Eles conversaram divertidamente como ele nunca havia feito, momento simples e saudável. Ela ficou admirada quando ele contou sobre a pequena coleção de livros que tinha dentro de seus armários espalhados pela casa e ela conferiu se era verdade e os gritinhos de mulherzinha o fez sorrir abertamente.
— Meu Deus, livros, lareira, cabana, coberta de lã e chá de laranja com hortelã, você não quer que eu vá embora nunca mais, não é? — Disse ela voltando para a cozinha. Dexter a olhou intensamente e falou sem pensar duas vezes.
— Não. — Pétala sorriu e ficou parada olhando-o como se um segundo depois ela entendesse o que ele quis dizer.
— Quer que eu fique? — Perguntou ela.
— Você ficaria? — Ela arregalou os olhos e respirou fundo.
— Eu não posso. — Eles sabiam que o assunto estava caminhando para um caminho sério demais. E Dexter tratou logo de quebrar o clima.
— Obviamente que não pode, tem um mundo de hotéis lá fora que precisa de você, eu estou só brincando. — Ela sorriu não muito feliz e voltaram aos assuntos de antes enquanto jantavam um delicioso espaguete com salmão e ervas finas. Conversaram assuntos que ele mesmo nunca imaginou que poderia se interessar, mas a linda mulher a sua frente o fazia querer muito mais dessas conversas. Já era tarde da noite quando Pétala olhou no relógio em seu pulso e assustou-se com o horário.
— Preciso ir, amanhã eu vou cedo para NY.
— Eu entendo. — Eles se levantaram e Dexter a acompanhou até a porta.
— Foi ótimo ver você, Dexter. Melhor ainda foi tirar um pouco do que estava dentro de mim sem ser julgada. Falar em voz alta que eu tenho uma mãe e irmão com problemas.
— Sim, foi um desabafo. — Disse ele.
— Foi.
— Obrigado por vir, eu gostei de vê-la. — Dexter sentiu seu coração triste com sua partida.
— Eu também gostei de passar esse momento aqui. Posso vir outra vez? — Perguntou sorrindo.
— Não precisa pedir é só vir e estarei aqui esperando por você.
— Até breve Dexter. — Ele a olhou sem querer dizer as palavras, mas foi forçado a isso.
— Até breve Pétala.
Ela deu um beijo em seu rosto, lento e carinhoso. Saiu sem olhar para trás. Ele viu quando o motorista abrir a porta para ela e também viu o carro desaparecer na escuridão da noite fria e agora, vazia. Fechou a porta e ficou olhando os pratos sujos, ele jamais tivera uma visita, muito menos uma mulher em sua casa. O cheiro dela ficou por todo o lugar outra vez e Dexter sentiu seu coração apertar por não vê-la mais ali.
"Eu quero você." — Pensou ele. — "Eu preciso de você."